O ano em que o soviético Yashin se tornou rubro-negro e veio ao Clube de Regatas do Flamengo
Conheça o clima da visita do maior goleiro de todos os tempos ao rubro-negro da Gávea
Por Rachel Motta Cardoso
Nessa Copa do Mundo do Catar, tivemos nossa primeira disputa de pênaltis na decisão das oitavas de final entre Japão e Croácia. As defesas do goleiro Livakovic levaram a seleção da Croácia para a próxima fase, em que jogarão contra o Brasil nas quartas de final. Aliás, a seleção brasileira também conta com um dos melhores goleiros do mundo: Allison, que concorreu ao Trofeu Yashin na sua temporada mais recente na Europa. Mas não seria a primeira vez que o nome do Brasil estaria relacionado a Yashin.
Quem acompanha futebol e gosta de sua história certamente já ouvir falar do “melhor goleiro de todos os tempos”, o russo Lev Yashin, o que dá o nome ao troféu que citamos anteriormente. O famoso goleiro, que também era chamado de “Aranha Negra” por causa do uniforme que vestia, já esteve em solo nacional e vestindo a camisa de um dos times de maior torcida do país, o Flamengo.
Era janeiro de 1965 e a capa do Jornal dos Sports do dia 6 trazia em sua capa a seguinte manchete: “Alemães Virão e Iashin Chega Para Flamengo”. Eram as tratativas da diretoria do Flamengo em que o vice-presidente do Clube, o sueco Gunnar Goransson, e o diretor de Futebol, Flávio Soares de Moura, faziam para solicitar ao Ministério das Relações Exteriores algumas facilidades para a vinda da Alemanha Oriental ao Brasil.
A seleção alemã participaria de um Torneio Internacional que estava sendo promovido pelo clube. Foi justamente nesse processo que os dirigentes foram informados sobre a confirmação da chegada de Lev Yashin. De acordo com o jornal, o “goleiro soviético ficará cerca de quarenta dias no Brasil e jogará pelo Flamengo, enquanto permanecer no Rio, transformando-se em verdadeira atração para o público brasileiro”. Até a chegada do goleiro ao país, diversos jornais passaram a noticiar que era certa a sua participação em jogos amistosos e vestindo o uniforme do rubro-negro. Mas será que ele realmente defendeu o Flamengo?
A chegada do goleiro estava prevista para o dia 16 – como noticiado por jornais como Jornal do Brasil, Jornal dos Sports, O Jornal e muitos outros –, mas ele teria perdido o voo em função do “frio intenso que fazia na capital soviética” e pegaria o voo Moscou-Paris somente no sábado seguinte, como consta no jornal Correio da Manhã de 20 de janeiro.
Yashin chegou mesmo no dia 23 de janeiro, recebendo enorme atenção da imprensa esportiva à época e movimentando o aeroporto carioca com a sua chegada. Ele estava acompanhado de sua esposa Valentina e dois diplomatas soviéticos – um deles traduzia as perguntas feitas ao famoso arqueiro. Em uma delas, respondendo diretamente os inúmeros repórteres no local, Yashin afirmava que seu intuito era passar férias no país, mas não falou nada sobre o Flamengo.
Finalmente, quando perguntado sobre vestir a camisa rubro-negra, um adido soviético deu uma piscadinha para o vice-presidente do clube carioca. O sueco rapidamente disse que era o Flamengo quem sabia quando o goleiro vestiria a sua camisa… De acordo com o repórter esportivo que fez a cobertura da passagem de Yashin pelo Brasil, Deni Menezes, a vinda do goleiro ao Flamengo se deu justamente por conta de um empresário sueco muito conhecido dos rubro-negros: seu vice-presidente Goransson, que teria conhecido Yashin na Suécia.
Lev Yashin chega à Gávea
Após os primeiros dias conhecendo o Rio de Janeiro e descansando na cidade de Penedo, Yashin chega à Gávea, às 9h50min do dia 26 de janeiro para treinar com o time do Flamengo, que acabava de se apresentar de férias e iniciar os trabalhos para a temporada que se iniciava. Para tristeza de alguns, Yashin não jogaria qualquer partida pelo rubro-negro, conforme o próprio declarou em entrevista à imprensa no dia anterior.
“Não vim para treinar. Vou apenas bater bola e ver um pouco do treino dos jogadores do Flamengo. Estou satisfeito em poder travar conhecimento com os representantes do futebol bicampeão do mundo e continuo achando que vocês estão bastante credenciados a fazer uma boa figura em Londres, em 1966” (Jornal dos Sports, 27/1/1965, p. 3).
O goleiro observava de longe o treino do time. Aos 35 anos, o jogador de 1,89m vestia roupas escuras. O que chamava atenção era o escudo do Flamengo em seu peito e a sua declaração à imprensa, traduzido por seu intérprete: “Que calor!”. Fazia 35 graus na Gávea, mas Yashin seguia batendo bola com a equipe carioca e brincando ao afirmar que o sol estava “pertinho”.
Naquele período em que recebeu a visita do goleiro soviético, o Flamengo tinha em seu elenco os goleiros: Franz August Helfreich (mais conhecido como Franz), Marco Aurélio e o jovem Marcial. Yashin, além de goleiro, era professor de educação física e tinha como objetivo, no futuro, se tornar treinador após sua aposentadoria sob as redes. Foi este olhar de professor e futuro treinador que levou Yashin a tecer comentários que ajudariam os goleiros rubro-negros. Sobre Marcial, Yashin afirmou que era um bom goleiro e tinha tudo para ser grande em sua posição, “mas precisa envelhecer para ficar compenetrado na posição que ocupa” (Revista dos Esportes, 20/2/1965). Já para os outros goleiros mais experientes, esclareceu, por exemplo, que Franz não deveria mexer seu corpo de lugar ao lançar a bola.
“Um goleiro só fica bom mesmo depois que adquire a compenetração da posição que ocupa. Mais velho, o goleiro consegue a responsabilidade necessária para saber que não poderá enfeitar as jogadas, nem atuar para a torcida” (Correio da Manhã, 27/1/1965).
Não apenas os goleiros receberam preciosas dicas do melhor arqueiro do mundo, mas os jogadores do Flamengo puderam treinar sua artilharia. Todos queriam testar Yashin. Até o preparador físico do Flamengo, Eithel Seixas. Ninguém conseguiu surpreender o atleta soviético, que fez diversas defesas e demonstrou ser o soco sua principal arma ao defender as bolas que vinham em direção ao gol. Os dias restantes de suas férias seriam marcados pelas manhãs na praia de Copacabana com sua esposa Valentina e treino com a equipe do Flamengo logo após esse “compromisso” tão carioca. E foi assim que Yashin se tornou rubro-negro – e porque não um pouquinho carioca – por 30 dias…
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube