Um relatório divulgado pelo observatório De Olho nos Ruralistas, que acompanha políticas ligadas ao agronegócio brasileiro, apontou para a predominância de multinacionais estrangeiras no lobby do setor no Brasil. Articulado através da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o mais organizado e atuante de todos os grupos de interesse do Congresso Nacional, o lobby do agronegócio detém metade dos assentos da Câmara e do Senado. Peça fundamental na base de sustentação do governo Bolsonaro, a FPA consegue com facilidade impor suas pautas, acelerando o desmonte de políticas socioambientais consagradas nas últimas três décadas.

Embora não seja regulamentado no Brasil, lobby pode ser entendido como qualquer prática exercida por pessoas ou empresas para influenciar decisões e políticas do poder público, tanto no Executivo quanto no Legislativo e, enquanto indígenas e quilombolas são alijados das discussões que impactam seu direito à vida e ao território, o poder econômico do agronegócio transita livremente, impondo pautas que, em última instância, irão provocar o acentuamento da grave crise socioambiental enfrentada pelo Brasil.

E, ao contrario da propaganda nacionalista que permeia o agro, das seis empresas com maior número de encontros de representantes com o Ministério da Agricultura entre 2019 e 2022, apenas uma, a JBS, é brasileira: corporações como a sino-suíça Syngenta, campeã em reuniões oficiais com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) desde o início do governo Bolsonaro, ou a alemã Bayer, cujos executivos se reuniram pelo menos 60 vezes com funcionários do Mapa entre janeiro de 2019 e abril de 2022, sem contar visitas realizadas fora da agenda oficial.

Da bancada ruralista às empresas

Criado em 2011 com o propósito de prestar assessoria técnica na formulação de pautas legislativas para a FPA, o Instituto Pensar Agro (IPA) é mantido com as verbas mensais pagas por 48 entidades de classe do agronegócio. Essas associações congregam abatedouros e frigoríficos, produtores de agrotóxicos e sementes transgênicas, usinas de etanol, indústrias de cigarros, de papel e celulose, processadoras de grãos e sojicultores e cervejarias, entre outros. Com as contribuições, o instituto organiza as demandas da cadeia agropecuária brasileira junto ao Legislativo, Executivo e Judiciário, intermediando o contato de empresas e associações com parlamentares e representantes do governo.

Entre 2019 e 2022, o IPA atraiu 10 novas associações. Dentre as recém-chegadas estão algumas das principais entidades de classe do país, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que atualmente ocupa a presidência do Conselho de Administração do IPA; a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), principal articuladora do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016; a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), com mais de 1,6 mil fabricantes afiliadas e presidida por um empresário do setor de maquinário agrícola; e a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que congrega mais de 37 mil empresas do ramo alimentício, incluindo gigantes do varejo como Nestlé, Danone, Mondelez, Pepsico e Coca-Cola.

Somando os associados de todas as entidades financiadoras, são 1.078 empresas e mais de 69 mil associados individuais entre sojicultores, pecuaristas, usineiros e algodoeiros.

Além de integrar as associações que financiam as atividades do IPA e da bancada ruralista, as multinacionais do agronegócio também fazem lobby por conta própria. As reuniões que constam na agenda oficial de autoridades são uma forma de medir a influência desses grupos junto ao Executivo. Não é incomum ou ilegal que o setor privado se reúna com membros do governo, mas a frequência desses encontros e as esferas hierárquicas envolvidas denotam quem possui maior poder de barganha na esfera federal. 

Segundo levantamento realizado pelo De Olho nos Ruralistas, a campeã em encontros com o governo federal entre janeiro de 2019 e junho de 2022 foi a fabricante de agrotóxicos e sementes transgênicas Syngenta. Ao todo, foram 81 reuniões para tratar de assuntos regulatórios e temas ligados à “inovação e sustentabilidade”, implementação da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (PEPs) e a extensão do uso de fungicidas para o plantio de cacau.

Comprada pela estatal ChemChina em 2017, a Syngenta está diretamente ligada ao PL do Veneno. Isso porque o deputado federal Luiz Nishimori (PL-PR), relator do Projeto de Lei 6.299/02, assinou em dezembro de 2020 um acordo para encerrar amigavelmente uma dívida de R$1,5 milhão que sua empresa, a Mariagro Agrícola, mantinha com a multinacional. As organizações que compõem o IPA existem unicamente para atender aos interesses de suas associadas. Mais que isso: quaisquer decisões tomadas passam pelo crivo das empresas que integram seu conselho diretivo. É o caso da Abiove, representante das processadoras de grãos, cujo conselho é comandado pelo ex-ministro da Agricultura e dono da Amaggi, Blairo Maggi, e pelo presidente da Cargill, Paulo Sousa. Ou ainda da Abimaq, que apesar de representar centenas de indústrias de máquinas e equipamentos, ingressou no IPA sob a presidência de João Carlos Marchesan, fabricante de plantadeiras e colheitadeiras, e tendo sua diretoria composta por executivos da Caterpillar e Jacto Máquinas Agrícolas- esta última, conhecida por patrocinar os atos antidemocráticos de 7 de setembro de 2021.

Essas empresas não apenas financiam o IPA; elas são o IPA. E são, por sua vez, também responsáveis pela agenda de retrocessos engendrada pela Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso. Portanto, a luta para impedir a aprovação do PL do Licenciamento Ambiental, do PL do Marco Temporal, do PL do Veneno, do PL da Mineração em Terras Indígenas e de tantos outros projetos que impactam a defesa do meio ambiente e os direitos de povos e comunidades tradicionais deve levar em conta o apoio empresarial a essas propostas. Deve considerar que o papel das multinacionais do agronegócio vai muito além do lobby: são elas próprias as financiadoras da boiada.