Número de bebês hospitalizados por desnutrição é o maior em 14 anos
Número de internações por desnutrição no Brasil é o maior desde o início da análise, em 2008
Por Maria Vitória Moura
Em 2021, o número de internações de bebês com até 1 ano por casos graves de desnutrição foi o maior dos últimos 14 anos. Segundo pesquisa inédita do Observatório de Saúde na Infância (Observa Infância), ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foram registradas 113 internações por desnutrição a cada 100 mil nascimentos, um aumento de 10,9% em relação a 2008, ano em que começou a análise.
Entre 1989 e 2006 o Brasil foi um dos países que mais avançou no combate à desnutrição infantil. No período, a proporção de crianças menores de cinco anos com baixo peso para idade caiu de 7,1% para 1,8%, e com baixa altura, de 19,6% para 6,8%. Com isso, em 2010, o país foi premiado por atingir a meta da Organização das Nações Unidas (ONU).
Hoje o Brasil bate recorde de internações por desnutrição infantil. De janeiro a agosto de 2022, o número de internações aumentou 7%. Por dia, são quase nove crianças levadas ao hospital. De acordo com o Panorama da Obesidade de Crianças e Adolescentes, a desnutrição aumentou em todas as faixas atárias entre 0 e 19 anos, afetando, principalmente, meninos negros. Enquanto que a desnutrição entre meninos brancos diminuiu de 5,1%, em 2019, para 4,9%, em 2021, essa se manteve dois percentuais acima entre meninos negros, sendo 7,5%, em 2019, e 7,4%, em 2021.
Como consequência da desnutrição e desidratação, esses bebês chegam às unidades de tratamento, geralmente, abaixo da estatura para a idade e podendo apresentar quadros de infecção, uma vez que a deficiência de nutrientes as deixa mais suscetíveis a doenças infecciosas, como pneumonia, bronquite, sarampo, gripe e diarreia.
Essa deficiência de minerais, vitaminas, ferro e zinco nos primeiros 12 meses de vida pode acarretar no comprometimento do desenvolvimento motor e cerebral. A maior preocupação dos agentes de saúde é com a transição alimentar a partir dos 6 meses de idade, quando outros alimentos, como papas, frutas, vegetais, proteína animal e feijão, devem ser inseridos na dieta das crianças. Até 2 anos, período em que é indicado continuar a amamentação, o desenvolvimento cerebral acontece de forma intensa, mas apenas o leite materno não é suficiente para garantir o desenvolvimento adequado.
No Brasil, esse recorde de casos de desnutrição infantil vem acompanhado do aumento de 70% da insegurança alimentar, em relação a 2020. Hoje, a fome atinge 33 milhões de brasileiros. Entre 2020 e 2022, de acordo com relatório da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), a fome dobrou em lares com crianças de até 10 anos, sendo o Norte e o Nordeste as regiões com maior percentual de crianças vivendo em insegurança alimentar.
Os dados da Observa infância somam-se à análise da Rede Penssan. De acordo com a pesquisa, Nordeste e Centro-Oeste são as regiões com maior índice de internações por desnutrição infantil. Enquanto que a média nacional de hospitalização é de 113 internações por 100 mil nascimentos, no Nordeste essa média é 51% maior, com 171,5 hospitalizações para cada 100 mil nascimentos. A região Centro-Oeste apresentou uma média de 122,8, na mesma proporção.
Na região Norte foram registradas 101,9 internações para 100 mil nascimentos. Porém, especialistas acreditam que possa haver subnotificação. “Eu diria que a região provavelmente tem um número maior de internações do que está nos registros. E mesmo de casos de óbito”, afirma Leonor Maria Pacheco, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB).
Sendo o maior produtor de proteína animal do mundo e o terceiro no ranking mundial de produção agrícola, o Brasil tem apresentado nos últimos anos um cenário de fome e pobreza, o que fica nítido ao se deparar com dados que reafirmam a realidade vista nas ruas. Para além do nível nacional, os dados do Centro-Oeste, carro chefe da produção agropecuária no Brasil, também são um reflexo do modelo decadente de produção em que estamos inseridos.
Apesar do aumento das hospitalizações por desnutrição, não houve um aumento na taxa de mortalidade infantil, o que demonstra um alto grau de eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS). O tratamento da desnutrição consiste em alimentar a criança, propiciando, também, suplementos de vitaminas e sais minerais, além de tratar das consequências da má nutrição, como as infecções.
“Não é soro na veia, não é antibiótico, não é oxigênio, não é nebulização. A criança vem ao hospital para comer”, enfatiza Ruben Maggi, pediatra do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira.
A desnutrição nos primeiros meses de vida leva a consequências para toda a vida. A médio prazo, a criança tem maior tendência a apresentar hiperatividade, problemas de memória e dificuldade de aprendizado. Na vida adulta, há maior possibilidade de desenvolver doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral (AVC).