Nuala Costa quebra barreiras contra o racismo no surfe feminino
A primeira mulher e primeira negra a representar o estado de Pernambuco nas competições de surfe hoje coordena projeto TPM – Todas Para o Mar
“Essa baía é nossa, estamos criando uma tempestade TPM e escurecendo o oceano de Maracaípe de crianças negras com suas lycras vermelhas”
Por Mauro Utida
Os adjetivos “ativista”, “resiliente” e “empoderada” se encaixam perfeitamente na trajetória de Nuala Costa. Ela foi a primeira mulher e primeira negra a representar o estado de Pernambuco nas competições de surfe. Engajada na causa do empoderamento das mulheres negras e das mulheres no surfe, atualmente Nuala coordena o projeto TPM (Todas Para o Mar), que atende mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social na comunidade da Baía de Maracaípe, em Pernambuco.
Natural do Rio de Janeiro, Nuala se mudou ainda criança com a família para Maracaípe, onde começou a surfar. Com muito talento, ela se destacou nos circuitos amadores no final dos anos 90 e logo se tornou profissional. Porém, sem patrocínios, a garota negra de 1,83 metros tinha dificuldades em competir as etapas nacionais de surf por razões financeiras.
“Uma vez ouvi de uma grande marca de surf que o meu perfil não vendia, por isso não conseguia patrocínios”, lembra.
Por causa do racismo no esporte e pelo elitismo, Nuala costuma dizer que o surf é uma das suas maiores alegrias da sua vida, mas também uma das maiores frustrações. “Eu ganhava os campeonatos e não era a minha foto que aparecia nas revistas. Nem o meu nome escreviam direito”, lamenta. Ela acrescenta que hoje pouca coisa mudou, tanto que pouco se vê surfistas negras patrocinadas por grandes marcas.
A surfista conta que nunca desistiu fácil de seus objetivos e sempre foi competitiva porque acreditava que precisava ganhar para ser a melhor e, só assim, as pessoas olharem para ela. Ela persistiu, mas chegou um dia que abandonou Maracaípe e o Brasil para trabalhar na Europa, onde a mãe e irmãos estavam morando. Na época, ela estava no seu primeiro ano como surfista profissional. Nuala trabalhou em diversos países do continente europeu e por onde fosse levava sua prancha. “Nunca parei de surfar”.
“Sempre precisei de coisas que me motivassem”
Aos 28 anos veio a maternidade e o desejo de retornar para o Brasil. De volta para Maracaípe, encontrou a vila transformada por uma estrutura turística classista, sexista e racista. Ela lembra que não encontrava mais os nativos no mar, pois homens e mulheres da vila estavam trabalhando no mangue e as crianças se encontravam no ócio, próximas da criminalidade.
Ela conta que o projeto TPM foi mais forte que ela, algo que emergiu internamente e a fez se juntar com as mulheres mais foda que conhecia na vila para reverter aquela situação. Ela mesmo cresceu com apoio de projetos sociais em Maracaípe, mas diz que quando voltou estavam abandonados. Foi então, que a mulher negra que estava submersa resgatou o surf para fazer sentido novamente para a sua vida e para a comunidade onde cresceu.
“O preconceito e o racismo contra as mulheres surfistas negras é muito forte. Se não tivesse outras mulheres me ajudando, o mundo já tinha me engolido faz tempo”, diz ela que se assume bissexual e também leva a diversidade LGBT+ para o esporte.
Todas Para o Mar
Atualmente, o TPM conta com aproximadamente 70 crianças cadastradas nas aulas de surf e 150 mulheres, a maioria mãe dos jovens atendidos. Elas trabalham em projetos sociais para a geração de renda familiar. Ela afirma que esse grupo de mulheres acredita na iniciativa como um meio de transformação social. Agora, com sete anos da TPM, os frutos começam a ser colhidos.
Segundo Nuala, a o projeto trouxe um novo sentimento de permanência para a comunidade de Maracaípe, uma região privilegiada por um mar com ondas, manguezais e uma paisagem belíssima do litoral sul de Pernambuco. “Essa baía é nossa, estamos criando uma tempestade TPM e escurecendo o oceano de crianças negras com suas lycras vermelhas”, diz emocionada.
Sem patrocínios
Para Nuala, a TPM não é apenas mais um projeto social, mas uma ação de transformação da comunidade. As aulas de surf já formaram diversos professores e muitas mães da comunidade podem ter um emprego e ao mesmo tempo cuidar de seus filhos. Incrivelmente, o ela não conta com patrocínio e os gastos são custeados através de eventos, festivais, doações e vaquinhas.