Novo ministro da Saúde pode ameaçar privacidade com rastreamento de dados pessoais
Monitoramento digital coloca privacidade da população em risco sem aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados.
Por Mauro Utida / Mídia NINJA
A preocupação com a privacidade digital aumentou durante a epidemia com o monitoramento de celulares pelos governos estaduais e federal. São mais de 200 milhões de usuários cadastrados nas principais empresas de telefonia do Brasil. Para agravar o cenário, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que estava prevista para entrar em vigor em agosto, foi adiada para janeiro em sessão do Senado. A mudança ainda deve passar pela Câmara.
A LGPD instituiu as normas para coleta e tratamento de dados. Aprovada em 2018, ela entraria em vigor em agosto. Contudo, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965 de 2014) também prevê a garantia da privacidade dos dados dos internautas.
O monitoramento digital da população já foi adotado pelo Governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Telefônica, que cedeu os dados de localização de seus clientes. No Rio de Janeiro, a prefeitura também fechou acordo com a Tim. No Recife e Pará, também foi anunciado um sistema semelhante de rastreamento dos fluxos de pessoas. Em todos os modelos, o monitoramento é feito através dos dados de geolocalização do usuário, com ele é possível saber, por exemplo, onde há aglomerações.
Em nível federal, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) pretende fechar um acordo com as principais empresas de telefonia do Brasil – Vivo, Tim, Oi, Claro e Algar – que juntas representam 97,8% do serviço móvel do país, com mais de 200 milhões de usuários. A parceria está prevista para durar até o período da calamidade pública da covid-19
O novo Ministro da Saúde, Nelson Teich, já chegou a defender a estratégia do modelo semelhante ao aplicado na Coréia do Sul, com “rastreamento e monitorização”, o que para ele pode ser rapidamente feito com o auxílio das operadoras de telefonia celular.
O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e Serviço Móvel Celular Pessoal do Brasil (SindiTelebrasil) argumenta que todos os dados cedidos ao Governo Federal são anônimos e estatísticos, seguindo as diretrizes do Marco Civil da Internet e da LGPD.
O modelo brasileiro segue as ações implantadas na Europa e com mais intensidade na China e Coréia do Sul. Nos países asiáticos, por exemplo, aplicativos desenvolvidos pelos governos conseguem monitorar individualmente os passos de cada cidadão.
SEGURANÇA JURÍDICA
Para a Coalizão Direitos na Rede – organização da sociedade civil em defesa da internet livre e aberta – o cenário de incertezas gerado pela pandemia da covid-19 não pode justificar mais um adiamento na entrada em vigor da LGPD. Segundo o grupo é urgente que seja instalada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, que por lei será responsável por estabelecer parâmetros e regras de utilização dos dados pessoais em situações de emergência como a de pandemia.
“Enquanto setores empresariais alegam dificuldades econômicas trazidas pela Covid-19 para justificar o adiamento de sua adequação à LGPD, lembramos que, além dos dois anos de prazo já decorridos para tanto, o cenário de pandemia e urgência da crise não podem ser justificativa para a relativização de direitos básicos do cidadão – muito menos para a legitimação de violações ao direito à privacidade e proteção de dados pessoais”, informa em manifesto publicado na Internet.
RELATÓRIO MODELO
Com o objetivo de formular políticas públicas para reduzir os riscos à privacidade individual nos tempos de pandemia, o Data Privacy Brasil – centro de ensino e pesquisa sobre uso de proteção de dados pessoais – lançou, na quarta-feira (15), um relatório com diversas recomendações técnicas apoiadas em princípios de transparência e a definição da finalidade do uso de dados.
Vale frisar que o relatório “Conciliando o combate à Covid-19 com o uso legítimo de dados pessoais” não tem caráter de lei ou de políticas públicas, mas apenas um guia técnico de recomendações para a elaboração de regras pelo poder público.