Por Luiz Vieira

Em 12 de dezembro de 2022, ao participar do programa Roda Viva, da TV Cultura, a cantora e compositora trans Liniker disse que a poesia e a palavra são suas maiores aliadas, e que sentir é algo tão honesto, que até isso costumam tirar de corpos como o seu. E o ponto é exatamente esse, porque se não conseguirmos construir referências dignas no afeto, se não tivermos para onde olhar, não vamos conseguir avançar nessa questão, porque o afeto é também um ato político. 

Mas para subverter essa lógica estrutural de preconceito e criar novas referências, o influenciador trans Dante Olivier pediu sua namorada, Victoria, que também é creator, em casamento. Ao Planeta FODA, ele fala sobre afeto, pertencimento, saúde mental de pessoas LGBTs no setembro amarelo e seus novos projetos.  

Com vocês, o romântico Dante Olivier

Por que é tão importante termos referências no afeto?

É interessante trazer essa pergunta porque isso recentemente foi uma pauta da minha vida e das minhas conversas. Eu cresci… Vamos lá, só um contexto primeiro: tô noivo, não sei se você tá sabendo…

Eu vi no seu Instagram, parabéns!

Muito obrigado, tô noivo! Bom, essencialmente, a gente cresce sem referência. Quando você cresce sem referência, você acredita que aquela realidade não cabe a você. E o medo que eu tinha, muito grande, quando eu entendi que eu era uma pessoa trans, era de morrer sozinho. Foi a primeira coisa que me bateu. Vou morrer sozinho, ninguém vai querer se relacionar comigo, ninguém vai querer ter nada comigo. — Olha isso, olha pra isso, o que é isso? Eu me sentia uma aberração e não me sentia digno de receber amor, receber afeto. E isso, ao longo da minha vida, me fez refletir e entender que as coisas não são necessariamente assim. A gente encontra pessoas legais, pessoas interessantes, pessoas que gostam da gente por quem a gente é. E que isso… Ser trans, ser LGB, o que for, vira um detalhe apenas quando a gente fala de sexualidade.

Especialmente da identidade trans, identidade de gênero, essa é uma questão extremamente latente. E a gente vai entendendo que é possível, que tem pessoas que são legais que vão cruzar o nosso caminho e que não vamos morrer sem afeto 

Veja bem, quando eu falo da importância das referência, eu lembro que cresci vendo filme de adolescente, filmes de… Comédia romântica adolescente. E filmes da Disney. Enfim, essas referências estavam todas lá. Mas, ao mesmo tempo, eu me sentia fadado à solidão. Só que era uma coisa que eu não racionalizava sobre isso, e bastante, muito tempo depois, eu fui racionalizar e entender que essa falta de representatividade era o que acabava gerando essa ausência. 

Como foi esse processo de se descobrir, de se entender como um homem trans e quantos anos você tinha?

Com 16 anos descobri que isso existia, em 2012, acho que eu tinha 16. É, 2012. Então, antes disso, a gente nunca tinha ouvido falar de transgeneridade masculina, de transmasculinidades, de qualquer coisa assim. Até aquele momento, eu sabia que existiam travestis. Era uma coisa, assim, muito longe. Mas a transmasculinidade nunca foi uma possibilidade. Eu sempre me senti num não lugar, porque nunca me senti eu, nunca me senti uma menina, nunca me senti confortável no meu próprio corpo. Acho que mais de uma vez eu já relatei sobre isso, de eu, criancinha, querer ter um gênio da lâmpada para me transformar em menino.

Tinha quantos anos?

Sete ou oito anos, quando lembro de ter tido esse pensamento pela primeira vez. 

@dante.olivier

♬ som original – Dante Olivier

E você acredita que hoje em dia as pautas LGBTs avançaram no Brasil? Como você enxerga esse cenário? Porque assim, a gente vive numa bolha, nossa bolha é linda, maravilhosa, mas fora dela a realidade é outra, completamente diferente.

Então, as pautas avançaram, isso é um fato, contudo, ao mesmo tempo que elas avançaram, o ódio avançou junto, porque começamos a ser vistos, a gente começou a ser percebido. Nós já éramos percebidos, mas sempre estivemos em um lugar de muita marginalidade. Então, os corpos LGBTs sempre estiveram bem pra lá da sociedade, colocados em escanteio. Mas sinto que assim, as pautas, elas melhoraram muito, elas evoluíram muito. A gente sabe mais sobre, a gente tem mais informação. Eu sinto que as pautas evoluíram. Vejo, tipo, coisas simples. Antes a demanda por explicar, diferenciar gênero e sexualidade era muito maior. Ela ainda existe, mas muito mais pessoas têm essa informação, até mesmo em aplicativos de pegação O tanto que eu tinha que explicar no aplicativo de pegação o que ‘cargas d’água’ eu era. Sei lá, antes da pandemia. E hoje é muito mais simples, muito mais tranquilo

@dante.olivier

estamos endendidos?

♬ som original – Dante Olivier

E como você vê o mercado de emprego para pessoas trans? 

O mercado de trabalho melhorou, porém ainda tem muitas pessoas em situação de extrema vulnerabilidade Encontramos muito mais porta fechada do que porta aberta, mas ao mesmo tempo, também existem espaços que têm essa preocupação e que têm essa frente dentro das suas empresas, enfim, que tem esse objetivo de trazer e empregar pessoas trans ou não olhar isso, tipo, não se importar se é trans ou se é cis. Eu sei que de quando eu tava entregando currículo no shopping em 2017 pra hoje, o cenário tá melhor, mas ele ainda tá muito ruim. 

Um negócio que eu queria comentar, só fechando aquela primeira pergunta, até coisas que eu tô reformando na minha cabeça também, mas uma coisa que foi muito legal foi que aconteceu: é isso, coisa de representatividade afetiva de pessoas LGBTs como um todo. Mas na minha experiência pessoal, assim, que a gente recebeu bastante comentário de pessoas, outras pessoas trans, principalmente de outros meninos trans, falando sobre como é bom ver outras pessoas como eles noivando, tendo um relacionamento desse tipo, tendo um relacionamento legal, tendo um relacionamento saudável, podendo estar junto. Então, tipo, a gente só teve esse feedback, eu tinha esquecido de comentar, a gente teve muito esse feedback, assim. E é isso, dentro da minha bolha, dentro de um espaço que ele é pequeno, mas a gente de pouquinho vai reverberando pra fora. 

Meu querido, falando sobre futuro, né? Você tem projetos que você pode comentar com a gente? Projetos futuros?

Temos, com certeza. Vamos estrear a segunda temporada do Dando Trela, que foi um especial que eu fiz em junho pro meu canal do YouTube.  Em junho fiz falando sobre temas que são pertinentes à comunidade LGBT. Sempre acompanhado de outros criadores de conteúdo junto com algum pesquisador para falar. Tipo, corroborar, trazer informação, falar: “ei, calma, não é bem assim!”. E agora a gente está produzindo um especial para segunda quinzena de setembro sobre saúde mental.

Para finalizar aqui, meu querido, acho que a última pergunta que eu tenho que eu sempre faço para todos que vêm aqui na entrevista é, daqui 40 anos, Como você se imagina? Qual legado você quer deixar?

Nossa, que babado. Ô menino, não faz isso! Cara, eu quero muito, acho que hoje, principalmente, o que eu mais quero na internet é fazer as pessoas sentirem a vontade com o jeitinho delas, com quem elas são. Seja eu falando diretamente sobre isso, seja eu só demonstrando isso. Mas o meu objetivo é que cada um sinta vontade de ser quem é e não encher o saco dos outros por isso. É sobre ser trans viadinho, como eu sou. É ser uma trava sapatona ou sapatona; eu falo trans viadinho e sapatona no sentido de performance de gênero, sabe? Mas essa coisa assim, sabe, tipo… Ninguém é obrigado a nada. Se você não interferir na vida do outro, no bem-estar do outro, ninguém é obrigado a nada. E não é porque existiu uma convenção social há séculos que você tem que ser que você precisa que ela sinta-se à vontade pra ser quem você é.