Por Eduardo Geraque/InfoAmazonia

Às vésperas do primeiro turno das eleições, o PL (partido do presidente Jair Bolsonaro) divulgou um vídeo no YouTube dizendo que as queimadas da Amazônia foram maiores no governo do PT do que na atual gestão. A peça de campanha teve 2,87 milhões de visualizações na plataforma até o início de outubro e foi repercutida em outros canais apoiadores do presidente Youtube. É mentira.

O vídeo se baseia em dois números. Primeiro, diz que a Amazônia teve 2,4 milhões de focos entre 2003 e 2010, período dos governos Lula e do primeiro mandato de Dilma. A informação não está correta. De 2003 a 2010, o sistema oficial do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) registrou, na verdade, 1,26 milhão de focos ativos de fogo na Amazônia, pouco mais da metade do que a peça afirma. A diferença se dá porque o dado usado no vídeo do PL se refere aos números de todo o país, e não somente desse bioma.

Queimadas em Rio Branco, no Acre. Na Amazônia, o fogo atingiu uma área de 14.797 km² entre janeiro e julho de 2022, 7% a mais do que no mesmo período de 2021. Foto: Sérgio Vale / Amazônia Real

Depois o vídeo afirma que na gestão Bolsonaro houve 49 mil focos de incêndio entre janeiro e agosto de 2022, comparando coisas bem distintas: a soma dos focos registrados em oito anos com o total registrado em oito meses de 2022. Essa comparação está errada não só do ponto de vista estatístico –não se comparam períodos de tempo diferentes— mas também do qualitativo. Mais: contradiz ainda as declarações do próprio presidente, que afirmou que a floresta não pega fogo.

Na Amazônia Legal, os meses de setembro e outubro, tradicionalmente recordistas em focos, são suprimidos da conta da gestão Bolsonaro, mas entram no número atribuído aos governos do PT para inflar o resultado final. Os números corretos apontam que no atual governo, entre janeiro de 2019 e setembro de 2022, houve 354,7 mil focos de incêndio na Amazônia.

Monitor do Fogo, plataforma recém-lançada pelo MapBiomas —mas que tem uma metodologia diferente do monitoramento feito pelo Inpe—, revela que 29.330 km2 foram consumidos por queimadas no Brasil nos primeiros sete meses de 2022.

COMO FAZEMOS O MONITORAMENTO:

O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 pelo InfoAmazonia e pela produtora FALA, monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, checamos diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também monitoramos, a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.

Embora maior do que o estado de Alagoas, essa área é 2% menor do que a que foi consumida pelo fogo no mesmo período de 2021. Mas a Amazônia, assim como o Pampa, teve aumento na área afetada pelo fogo. Na Amazônia, o fogo atingiu uma área de 14.797 km2 entre janeiro e julho de 2022, 7% a mais do que no mesmo período de 2021; no Pampa, foram 286 km2, 3,4% a mais.

Evolução dos focos de fogo entre 2002 e 2022

Olhando para os números de focos na Amazônia entre 2002 e 2022, é verdade que estavam altos nos primeiros anos do governo Lula. Mas, entre 2003 e 2010 (o período mencionado no vídeo), caiu o número de focos registrados pelo Inpe —muito porque a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva tratou o problema como prioritário entre 2002 e 2008.

Segundo dados do Programa Queimadas, do Inpe,  em 2019 e 2020, dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a quantidade de focos de incêndio aumentou no bioma Amazônia. O índice teve queda em 2021 e voltou a crescer agora em 2022.

Incêndio florestal em unidade de conservação no município de Aveiro, no Pará. Segundo dados do Inpe, em 2019 e 2020, dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a quantidade de focos de incêndio aumentou no bioma Amazônia. Foto: Marizilda Cruppe / Amazônia Real

Incêndio florestal em unidade de conservação no município de Aveiro, no Pará. Segundo dados do Inpe, em 2019 e 2020, dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a quantidade de focos de incêndio aumentou no bioma Amazônia

Avaliando o período mencionado no vídeo do PL, os picos registrados em 2004, 2007 e 2010, assim como o de 2020, têm a ver com a seca, esclarece Alberto Setzer, pesquisador e coordenador do Programa de Queimadas do Inpe e um dos maiores especialistas do país em monitoramento de focos de fogo.

O Estado do Amazonas vem tendo aumento crescente nos focos, sendo que 2022 já superou os totais de anos anteriores. O Acre vem aumentando os focos desde 2011.

ALBERTO SETZER, COORDENADOR DO PROGRAMA DE QUEIMADAS DO INPE

“Anos mais chuvosos na Amazônia implicam em menos uso e menor propagação do fogo, como ocorreu em 2009, 2011, 2013 e 2018. Da mesma forma, anos mais secos favorecem o uso e propagação do fogo”, diz. “O Estado do Amazonas vem tendo aumento crescente nos focos, sendo que 2022 já superou os totais de anos anteriores. O Acre vem aumentando os focos desde 2011.”

Quando se trata do desmatamento, etapa anterior à queimada, a foto do momento é que 2021 foi o pior dos últimos 15 anos, avalia a especialista Clarissa Gandour. No ano, o Inpe contabilizou, em suas palavras, “acachapantes” 13.235 km2 de área desmatada, de acordo com dados do Inpe.

Procurados, o PL e o YouTube não responderam até a publicação desta reportagem.

[Atualização] Em nota, o YouTube afirmou na tarde do dia 7 de outubro de 2022, sexta-feira, que não permite a publicação de conteúdo relacionado às eleições que se encaixa nas Políticas contra desinformação em eleições da plataforma.

“Os painéis de informações também apresentam links do site do parceiro terceirizado. Essas informações serão exibidas independentemente das opiniões ou perspectivas apresentadas nos vídeos”, diz a nota da empresa.

Segundo o YouTube, foi feita uma análise específica sobre o vídeo em questão e não foram verificadas violações às diretrizes da comunidade. Entretanto, foi inserido um painel de integridade eleitoral com mais informações sobre o tema para consulta dos usuários.

Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço – especial de eleições, realizado por InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental. Também integram a iniciativa o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.

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