Apesar de os dados mais recentes da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) e da FAO indicarem melhora em relação aos índices de 2023 — resultado da recomposição das políticas sociais e da valorização do salário mínimo —, a fome ainda afeta 2,5 milhões de famílias no país, especialmente mulheres, pessoas pretas e pardas, moradores de áreas rurais e famílias com baixa escolaridade.

Para José Graziano da Silva, um dos fundadores do Instituto Fome Zero, a desigualdade territorial é um fator alarmante. Além do “núcleo histórico” da fome — como o Sertão e a Zona da Mata nordestina —, a situação é também crítica na Amazônia Legal, onde o aumento do rendimento do trabalho não foi suficiente para compensar os altos custos logísticos e os choques climáticos, mantendo os índices de fome bem acima da média nacional.

“Quando há muita gente com fome, políticas macroeconômicas que elevam o poder de compra, como o reajuste do salário mínimo, têm efeito direto. Agora, o desafio é combater a fome localizada, entre indígenas, quilombolas e ribeirinhos. O grande foco da fome hoje é a Amazônia. O garimpo e o mercúrio estão destruindo as condições de vida da população. Quando a natureza é devastada, as comunidades que dependem dela para pescar, caçar ou produzir seu alimento perdem a capacidade de se sustentar”, afirma Graziano.

Nesse contexto, o economista ressalta a importância da realização da COP30, em Belém (PA), mas alerta para a necessidade de compromisso político dos países participantes.

“Gostaria que a conferência fosse muito bem-sucedida, com presença significativa de países importantes e da sociedade civil organizada. Mas estamos enfrentando desafios. O que falta é colocar os pingos nos is: desmatamento zero, um plano de transição do petróleo e metas reais para 2030. Estamos atrasados em tudo”, destaca.

Para Graziano, a preservação ambiental é parte essencial da solução para o problema da fome na Amazônia:

“Se quisermos salvar vidas, precisamos salvar o meio ambiente primeiro. Sem floresta, não há alimento para quem vive dela.

A luta contra os ultraprocessados

O Instituto Fome Zero reitera seu compromisso de trabalhar em conjunto com governos, sociedade civil e setor privado para erradicar a fome no Brasil. No Dia Mundial da Alimentação, o apelo é para que todos se unam na construção de um futuro em que todas as pessoas tenham acesso a alimentos nutritivos e de qualidade, em harmonia com o meio ambiente.

Graziano também enfatiza a urgência de ações para promover uma alimentação saudável e combater a obesidade, um problema crescente no Brasil e em outros países da América Latina.

“Não podemos falar em segurança alimentar sem abordar a questão dos alimentos ultraprocessados, ricos em açúcar, gordura e sódio, e pobres em nutrientes. Precisamos fortalecer a regulamentação desses produtos, com rótulos claros e advertências sobre os riscos à saúde, além de lutar por um imposto maior sobre bebidas açucaradas e por políticas eficazes no combate à obesidade infantil”, conclui.