Por Isabel Côrtes

Hoje, no Dia Internacional da Erradicação da Pobreza (17), o Brasil não encontra muitos motivos para comemorar. O cenário pós pandemia é ainda mais miserável e os efeitos são sentidos pelos quase 59 milhões de brasileiros que atualmente vivem em situação de pobreza e pobreza extrema. Os dados foram obtidos a partir do Mapa da Pobreza, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, com dados do IBGE. Segundo a pesquisa, os efeitos da pandemia agravaram ainda mais um cenário que já era preocupante e, de 2019 para 2021, houve um aumento de 9.6 milhões de pessoas em situação de pobreza, um recorde para o país. 

Apesar do impacto ter sido geral, é possível perceber as desigualdades regionais a partir da concentração da pobreza. O Nordeste lidera, representando quase 40% da população pobre do país. Com a pobreza, vem a fome. Uma pesquisa realizada entre novembro de 2021 e abril de 2022 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) mostra que, não coincidentemente, em termos proporcionais, o Nordeste também é a região que mais sofre com a fome, acompanhado pelo Norte do país.

125.2 milhões de brasileiros, em números absolutos, sofrem com insegurança alimentar, seja ela leve, moderada ou grave. Quanto mais bocas para alimentar, pior a situação. De acordo com o Mapa da Fome, é possível determinar que em famílias com crianças com menos de 10 anos, a insegurança alimentar fica acima de 40% em todos os estados da região Norte e em 7 dos 9 estados do Nordeste Brasileiro. 

Comer é um direito

Para além dos dados, é importante reconhecer a pobreza e a fome não apenas como mais uma estatística, mas como um direito humano. A Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, FIAN Brasil, trabalha justamente monitorando e exigindo o cumprimento do direito à segurança alimentar em diversas comunidades do país.   

“A pandemia agravou uma série de dinâmicas que o Brasil vinha vivendo, sendo a fome uma das mais dramáticas”, defende Pedro Vasconcelos, membro da FIAN em entrevista para a Mídia NINJA. “A gente veio de uma crise e os instrumentos de política pública e as decisões que foram feitas pelo governo que esteve durante a pandemia foram extremamente graves e acirraram esse caos e essa situação de insegurança alimentar e fome. Mais do que o vírus em si, a forma com a qual se lidou com essa crise sanitária fez com que a gente chegasse nessa situação.” 

Alimentação escolar

Para essas famílias com dificuldades de alimentar os filhos, a alimentação escolar é uma das poucas alternativas de ajuda a se recorrer. “Para muitas crianças e adolescentes a alimentação escolar é a única ou a principal refeição do dia”, afirma Pedro. Apesar disso, ao contrário do que muitos acreditam, a “merenda escolar”, como é popularmente conhecida, não é uma forma de caridade, mas sim uma política pública, obrigação do Governo. Desde 1988 é um direito de todos os alunos do ensino fundamental da rede pública, assegurado pela Constituição Federal.

“É um número muito grande de famílias e domicílios que dependiam muito dessa alimentação escolar, justamente porque todo esse domicílio se encontra em uma situação de não saber quando, onde e o que vai comer, com frequência”

Diante dos números da pobreza e da fome no Brasil, reconhecer o papel dos programas de governo e das políticas públicas, ou a falta delas, é determinante, principalmente como eleitores com poder de voto. Em ano de eleições, é ainda mais importante diante desse poder, ter consciência das propostas dos candidatos e o impacto que elas terão para mudanças no futuro do país. 

O combate à fome e as eleições

Pedro relembra o episódio em  agosto, quando o candidato Bolsonaro chegou a negar a existência da fome no Brasil.  “Isso é reiterado em um programa em que a questão não aparece praticamente. Tem uma diferença grande nos programas, mas na postura também. Um candidato nega a fome, enquanto o outro fala da centralidade de rever desde a política econômica, até a política social, a política de emprego até o próprio desenho do Auxilio Brasil, antigo Bolsa Família, que é uma política fundamental”.

Longe de ser um cenário utópico, a verdade é que o percurso para a erradicação da pobreza e o combate à fome ainda é longo. “Não dá para falar de um caminho no combate à fome, mas de um conjunto de caminhos, muito difícil de serem executados, mas que precisa que ao menos as autoridades tenham acessibilidade para caminhar nesse sentido”.

Dessa forma, hoje, no Dia Internacional da Erradicação da Pobreza, a mensagem deve ser por boas mudanças para o futuro, por mais empatia, por escolhas conscientes e por resistência. O Brasil ainda não tem o que comemorar, mas façamos do dia de hoje um chamado para exercer nosso papel como cidadãos e combater o aumento da pobreza e da fome. 

“Quem não se sensibiliza com a pobreza, precisa entender. Olhar para o lado, olhar para as nossas cidades, olhar o campo, e entender que a gente nunca vai ter um país democrático e livre, um país que queremos, enquanto tivermos tantas pessoas como temos hoje no Brasil vivendo às margens”, conclui Pedro Vasconcelos.

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