Por Thiago Galdino

A adaptação cinematográfica de Nickel Boys, baseada no romance homônimo vencedor do Pulitzer de Colson Whitehead, chega ao Oscar 2025 com indicações nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado. O longa, que retrata os horrores enfrentados por jovens negros em um reformatório segregado da Flórida durante a década de 1960, adiciona mais um título à extensa lista de histórias sobre violência e brutalidade negra no cinema. Por que a indústria permanece dando prioridade a narrativas traumáticas envolvendo corpos negros? E, paralelamente a isso, por que filmes que abrangem alegria, afrofuturismo e resistência cultural, por exemplo, dificilmente alcançam o mesmo nível de reconhecimento?

Não é novidade que a Academia tem uma relação particular com filmes sobre racismo e aflição negra. Produções como 12 Anos de Escravidão e Green Book foram celebradas e premiadas (Histórias Cruzadas e Selma: Uma Luta por Igualdade, por sua vez, foram indicadas ao prêmio máximo), enquanto filmes que apresentam personagens negros em contextos de diversão, amor e fantasia raramente recebem a mesma atenção. Embora essas histórias sejam essenciais para a compreensão das injustiças históricas, a ênfase quase exclusiva nelas pode limitar a percepção das experiências negras a condições de sofrimento.

Diversos filmes que exploram a multiplicidade das vivências negras sem focar no desconforto foram subestimados em termos de premiações:

  • Filhas do Pó (1991): Dirigido por Julie Dash, o filme retrata a vida de mulheres Gullah no início do século XX, explorando temas de cultura, paridade e espiritualidade. Apesar de sua importância cultural, não recebeu indicações ao Oscar.
  • Amores Divididos (1997): Este drama, dirigido por Kasi Lemmons, aborda a vida de uma família negra no sul dos Estados Unidos, explorando complexidades familiares e místicas. Embora aclamado pela crítica, foi ignorado pelas principais premiações.
  • O Último Negro em São Francisco (2019): O filme explora a busca de um jovem negro por identidade e pertencimento em uma cidade em constante mudança. Apesar de sua narrativa poética e única, não recebeu indicações ao Oscar.

Além disso, o filme O Espaço é o Lugar, escrito por Sun Ra, é um exemplo pioneiro de afrofuturismo (combinação de elementos de ficção científica com culturas africanas e da diáspora) no cinema, mesmo não tendo recebido o devido reconhecimento na época de seu lançamento. Essa tendência, alarmante, suscita um importante questionamento: a história negra só pode ser ovacionada quando ancorada na dor?

É inegável a potência de Nickel Boys, um longa necessário e relevante, baseado em eventos reais que expõem um dos muitos horrores do racismo institucional americano, à medida em que se avança o Movimento dos Direitos Civis. Ao longo de 2h20min, acompanhamos a trajetória do idealista Elwood e o desenvolvimento de sua amizade com o cético Turner, através de uma câmera em primeira pessoa que nos dá uma sensação de contínuo flagrante, ao passo em que criamos vínculo com os elementos dispostos na tela. No entanto, sua indicação ao Oscar reforça um padrão já conhecido: produções que retratam a truculência imposta a pessoas negras possuem mais chances de serem legitimadas pela indústria do que aquelas que mostram essas mesmas pessoas em cenários de plenitude e autoconhecimento.

Devemos repetir, inúmeras vezes, o óbvio: a história negra vai muito além da dor. O cinema poderia (e deveria) investir mais em narrativas que celebrem, entre os temas já citados, a ficção especulativa, a criatividade e a diversidade dos costumes globais negros. Para que isso aconteça, porém, é preciso que o mercado cinematográfico esteja disposto a admitir a negritude em sua totalidade, e não apenas como vítima de violência.

Com Nickel Boys, a Academia tem mais uma oportunidade de refletir sobre a maneira como valoriza histórias negras. Se a produção for laureada, a esperança é que isso abra espaço para uma ampliação da representatividade negra no cinema, para além das tensões e da marginalização. Contudo, se o Oscar seguir o seu molde histórico, essa será apenas mais uma história onde o triunfo da população negra continua condicionado à sua angústia.

A questão central se mantém: quando veremos um cinema onde a negritude é reconhecida por tudo o que é, e não apenas por tudo que sofre?

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.