Em cenário sem Lula, votos brancos, nulos, sem candidato ou indecisos chegam a 43%

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No livro “Ensaio sobre a Lucidez”, José Saramago descreve uma população que resolve votar em branco para o governo da capital de um país sem nome. Assim como Gandhi, pai da resistência pacífica, derrubam o poder com 89% dos eleitores depositando seus votos na urna sem votar em nenhum candidato.

A alegoria de Saramago lembra as eleições do Brasil para presidente deste ano em um cenário sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na quarta-feira (01) o DataPoder360 divulgou pesquisa eleitoral realizada nos últimos dias de julho onde indica a taxa de “não voto” em 43% dos pesquisados, dizendo que vão escolher branco, nulo, nenhum candidato ou que ainda estão indecisos.

O número é ainda maior comparado com a última pesquisa Datafolha, divulgada em junho, em que 33% dos brasileiros afirmaram que votariam em branco, nulo, nenhum ou não sabiam, nas eleições do dia 7 de outubro para a presidência da República. Este percentual já havia atingido nível inédito na pesquisa eleitoral do grupo.

O atual nível de eleitores indecisos, que chega a metade do eleitorado (51%), pode levar a um recorde de “não voto”, conforme aponta a pesquisa. O número de brasileiros desanimados com a política enseja um possível número alto de brancos e nulos, além de abstenções. Esse fenômeno já foi registrado nas eleições de 2016 para a prefeitura de São Paulo e Rio de Janeiro. 

A última pesquisa Ibope, divulgada na quinta-feira (2/8) mostra que quase metade do eleitorado (45% dos entrevistados) se diz “pessimista” ou “muito pessimista” com a eleição deste ano para presidente da República. A pesquisa do Ibope também aponta que 38% dos eleitores afirmam que não têm “nenhum interesse” nas eleições de outubro e outros 23% “têm pouco interesse”, o que soma 61% dos entrevistados. Já os que disseram ter “muito interesse” ou “interesse médio” somam 38%.

Para o professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os partidos de direita usam como estratégia a desmobilização do eleitor, sobretudo o mais crítico, para que proteste por meio do voto branco, nulo ou mesmo a abstenção por falta de capacidade de organizar uma maioria de eleitores a favor deles.

Dessa forma, Pochmann afirma que a minoria dos votos da direita cresce em proporção, frente ao avanço da descrença política. “Nesta circunstância, o protesto construtivo é escolher melhor e votar, pois do contrário, o voto nulo, em branco, ou a abstenção podem simplesmente favorecer a permanência daqueles que a população mais repulsa”, declara.

Cenário com Lula

O único candidato que supera a maioria dos votos brancos, nulos e indecisos é o ex-presidente Lula (PT), preso desde o dia 7 de abril na sede da Polícia Federal de Curitiba. No cenário com o petista no páreo, ele lidera com 30% das intenções de voto e os “não voto” diminuem para 21% de acordo com pesquisa Datafolha divulgada em junho. Sem o ex-presidente na disputa, os “não votos” sobem para 33% e  são mais citados do que Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), com 19% e 15% respectivamente.

Considerando o empate técnico entre Bolsonaro e Marina no limite da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos, Ciro Gomes (PDT) aparece na sequência com 8% e Geraldo Alckmin (PSDB) com 6%. Outros candidatos progressistas como Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila aparecem com 1% das intenções de voto.

A conjuntura nacional lembra a alegoria de Saramago somente pelo alto número de votos brancos. Em nosso caso, não haverá revolução alguma votando em branco ou nulo nas eleições, visto que este tipo de voto não anula a eleição no país (conforme a Lei das Eleições). Ao contrário, pode representar o retrocesso com candidaturas como a de Bolsonaro, que lidera a pesquisa, com 19%, em um cenário sem Lula.

Elas são maioria

Nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República do Datafolha, o que chama a atenção é o eleitorado feminino responsável pela maioria dos votos brancos e nulos. Elas representam 58% do eleitorado que não pretende votar em nenhum candidato.

Na pesquisa Ibope, o eleitorado feminino também é o mais pessimista, com 47%. Entre os homens, o Ibope informa que 43% se dizem pessimistas.

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a maioria do eleitorado brasileiro é formado por mulheres, com 77.337.918 (52,5%), enquanto os homens somam 69.901.035 (47,5%). Em 2014, as mulheres eram 74.459.424 (52,13%) e os homens, 68.247.598 (47,79%).

Para a pré-candidata a deputada federal Mariana Janeiro (PT), 26 anos, o desinteresse do eleitorado feminino pelos candidatos está ligado à falta de representatividade nas pautas políticas. Esta é a primeira vez que a pré-candidata de Jundiaí lança o seu nome para um cargo político e aceitou a proposta exatamente para levar os assuntos de interesse das mulheres ao Congresso Nacional.

“A mulher que não se sente representada pelos candidatos acaba votando em branco ou nulo. É uma posição política dela também, mas é uma posição preocupante porque precisamos ocupar a política com as nossas pautas sociais para melhorar a nossa qualidade de vida”, declara Mariana, que integra a Campanha de Mulher, projeto de comunicação idealizado pela Mídia Ninja para apoiar mulheres candidatas em 2018.

Triste desilusão

Segundo a pesquisa eleitoral do Datafolha os principais motivos para os votos em branco e nulo são o sentimento de decepção, desencanto, descrença, frustração, desconfiança e desilusão com a política do país.

“Trabalhamos para ser escravos, tudo o que é bom vai para os ladrões e não temos nada, não temos sistemas de saúde, segurança, educacional, cultural… nada”, diz indignada uma eleitora de São Paulo que votará nulo para todos os cargos políticos nesta eleição.

A corrupção na política nacional foi um dos principais motivos para ela ter ido morar no exterior. “Moro em outro país porque não dá mais. No Brasil pagamos o imposto em dia e não vemos retorno em benfeitorias por causa que nosso dinheiro está sendo roubado. Os governantes só visam o bem estar deles mesmo. Não quero mais ser cúmplice disso”, critica.

Na opinião de outro paulista entrevistado pela Mídia NINJA, o povo perdeu a confiança na política brasileira pela corrupção. Para ele, a crise econômica é resultado do corrompimento dos políticos que governam o país. “Temer é um dos principais ladrões do país e ninguém consegue tirar ele do poder. Brasília virou um verdadeiro ninho de cobras”.

 

Vale lembrar

Nas eleições municipais de 2016, importantes colégios eleitorais registraram um elevado número de votos brancos, nulos e abstenções. Com mais de 6 milhões de eleitores, a cidade de São Paulo – maior colégio eleitoral do Brasil – registrou vitória no primeiro turno para João Dória (PSDB), que ficou com 3.085.187 dos votos válidos (34,72%). Entretanto, a soma dos votos brancos, nulos e abstenções totalizaram 3.096.304 dos votos válidos (34,84%).

No Rio, segundo maior colégio eleitoral do país, a disputa para assumir a prefeitura em 2016 durou dois turnos. No primeiro, 1.866.621 de eleitores votaram branco, nulo ou se abstiveram. Já no segundo, este número elevou-se à 2.034.352, o que representou mais do que a quantidade de votos destinados individualmente aos candidatos Marcelo Freixo (PSOL) e ao eleito Crivella (PRB). Enquanto o psolista conquistou 1.163.662 dos votos válidos, o representante do PRB obteve 1.700.030.

Mitos Eleitorais

Diferente do que muitos pensam, os votos nulos não anulam eleições e os brancos não tem utilidade para quem está na frente da corrida. Confira:

Se mais de 50% dos votos forem nulos, a eleição é anulada
FALSO
Mesmo se mais de 50% dos eleitores votarem nulo, a eleição não é anulada. Apenas os votos válidos são considerados na contagem final, se a maioria dos eleitores votar nulo, todos esses votos serão descartados e ganhará o candidato com o maior número de votos válidos.

Voto em branco vai para quem está ganhando
FALSO
Desde as eleições gerais de 1998, os votos brancos também passaram a ser descartados na apuração dos candidatos eleitos, assim como os nulos. A mudança aconteceu com a regulamentação da Lei das Eleições (Lei 9.504/97), o que tornou os votos em branco inválidos, igualando-os aos nulos.

 

 

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Reportagem: Laio Rocha, Leo Olhier, Mauro Utida, Mari Mendes, Igor Siqueira, Emily Martins e Helena Breyton.