Vale do Rio Cristalino, conhecida como “Fazenda Volkswagen”, acumulou denúncias de violações trabalhistas, em um negócio incentivado pela ditadura militar

A Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como “Fazenda Volkswagen”. Foto: Wolfgang Weihs/picture alliance

Por Cley Medeiros

A Volkswagen do Brasil se negou a fechar um acordo de reparação por trabalho escravo, no valor de R$ 165 milhões, com o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Durante a ditadura militar, entre as décadas de 1970 e 1980, empregados da montadora alemã viviam em situação degradante na fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como “Fazenda Volkswagen”, no município de Santana de Araguaia, no Pará, de cerca de 140 mil hectares.

A fazenda fazia parte do pacote de ações da empresa incentivada por um projeto dos militares para o ‘desenvolvimento da Amazônia’. Nessa época, a Volkswagen recebeu milhões em recursos públicos e benefícios fiscais que a transformaram em uma das maiores criadoras de gado do Brasil.

O valor de R$ 165 milhões proposto a título de reparação seria destinado aos trabalhadores vitimados e à criação de um programa de levantamento histórico, identificação e busca de outros profissionais submetidos ao mesmo tratamento.

Após a Volkswagen se retirar da negociação, o MPT disse que irá tomar as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias para efetivar a reparação dos danos gerados pela empresa.

A Folha de São Paulo conseguiu uma resposta da montadora sobre o assunto. A Volkswagen afirmou que não se pronuncia sobre processos na Justiça.

Padre resgatou denúncia e MPT aceitou

O Ministério Público recebeu documentação com denúncias do padre Ricardo Rezende Figueira, militante dos direitos humanos e coordenador de um grupo de pesquisa sobre trabalho escravo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Na época dos episódios relatados, ele coordenava a Comissão Pastoral da Terra na região de Araguaia e Tocantins. De acordo com a denúncia, os fatos teriam ocorrido na Fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia, pertencente a uma subsidiária da Volkswagen.

Em 1983, a denúncia sobre as condições de trabalho na fazenda foi noticiada pelo Estadão. A empresa negou envolvimento. Até o momento, essa é a única nota pública da companhia alemã até hoje.

Chamada na capa do de Estadão 17/7/1983 Foto: Acervo/Estadão

O procurador Rafael Garcia Rodrigues, que é o coordenador da investigação, afirma que a empresa tem responsabilidade pelas graves violações aos direitos humanos ocorridas na fazenda.

“Essas violações incluiriam falta de tratamento médico nos casos de malária, impedimento de saída da fazenda, em razão de vigilância armada ou de dívidas contraídas (servidão por dívidas), alojamentos instalados em locais insalubres, sem acesso à água potável e com alimentação precária”, relata o MPT.

Projeto da ditadura para ‘desenvolver’ a Amazônia

Loja da Volkswagen no Brasil. Foto: Acervo da Volkswagen

De acordo com o MPT, a empresa recebeu subsídios da ditadura, especialmente por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Banco da Amazônia S/A (Basa).

“A fazenda estava inserida no projeto da ditadura civil-militar brasileira de desenvolvimento da Amazônia. A subsidiária (CVRC) manteve cerca de 300 empregados diretos, para funções administrativas, de vaqueiro, segurança e fiscalização, mas os serviços de roçagem e derrubada da floresta, realizado nas frentes de trabalho, eram executados por trabalhadores sem vínculo empregatício”, afirmou o Ministério Público do Trabalho.

A vegetação nativa foi transformada em áreas de pasto, com queimadas e desmatamentos. Empreiteiros, conhecidos como “gatos”, recrutavam lavradores no interior de Mato Grosso, Maranhão e Goiás, além do território que hoje compõe o estado de Tocantins. “As denúncias de tráfico de pessoas e trabalho escravo se referem, em particular, a esses lavradores aliciados por empreiteiros a serviço da CVRC para roçar e derrubar mata na Fazenda Volkswagen.”

Em entrevista à DW Brasil, em junho de 2022, o padre Ricardo Rezende Figueira, autor das denúncias de trabalho escravo que levaram à investigação da montadora alemã no Brasil, fala sobre expectativa de responsabilização da empresa por violações cometidas há 40 anos. Confira: