Cenário para a campanha eleitoral que se desenha é preocupante e coletivos de comunicação alertam para a falta de compromisso no combate à desinformação

Vídeo com montagem de Tom Cruise viralizou na internet por ter chamado a atenção para a técnica do deepfake. Foto: Reprodução

Por Mauro Utida

Recentemente um vídeo com a montagem de Tom Cruise viralizou na internet e chamou atenção para a técnica do deepfake, que utiliza a inteligência artificial e demais recursos digitais para criar vídeos com o rosto de qualquer pessoa, criando mentiras, notícias falsas e publicidade enganosa.

O vídeo alerta para a falta de combate à desinformação no Brasil, que pode criar um cenário propício para as fake news na campanha eleitoral deste ano. Preocupada com este cenário, a Intervozes e a Sleeping Giants cobram, desde fevereiro, o Google para garantir a mesma transparência ao Brasil que concede a outros países sobre publicidade política em ano eleitoral.

Os coletivos de comunicação alertam que a falta de compromisso da big tech pode prejudicar o combate à desinformação e contribuir para a deterioração do cenário democrático durante as eleições. Isto porque os chamados Relatórios de Transparência de Publicidade Política ao Brasil deveriam estar disponíveis no primeiro semestre deste ano, mas eles só foram entregues no fim de junho e são bem mais superficiais, sem incluir dados do financiamento da plataforma por candidatos a deputados estaduais, governadores e senadores.

“É muito importante sabermos o quanto os candidatos investem no Google para conseguirmos mensurar a publicidade de cada candidato e conseguir impedir que políticos propaguem a desinformação”, declara Viviante Tavares, coordenadora executiva do Intervozes.

Viviane critica que os relatórios de transparência de publicidade política no Brasil do Google aconteceu com quatro anos de atraso e após 34 países, todos do norte global. “E para a surpresa de absolutamente ninguém, o Google decidiu implementar, no Brasil, relatórios incompletos, parciais e piores que os disponíveis aos países do norte, tratando os brasileiros como cidadãos de segunda classe”, diz.

Como o Google, principal empresa do grupo Alphabet Inc., não deu garantia de fornecer a mesma transparência ao Brasil que concede a outros países sobre publicidade política em pleno ano eleitoral, o grupo decidiu cobrar quem realmente pode mudar o comportamento da big tech, ou seja seus acionistas. 

Por conta disso, a Intervozes e Sleeping Giants notificaram, no último dia 3 de junho, a BlackRock, maior gestora de investimento do mundo e segunda maior acionista do Google, denunciando que as atividades da big tech estão em desacordo com a ordem legal e constitucional brasileira, além de entrar em conflito com princípios internacionais expressos no Pacto Global das Nações Unidas e com os Princípios Orientadores da ONU para Negócios e Direitos Humanos.

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A desinformação é um negócio

Pedro Vilaça, coordenador de Mídias Digitais da Intervozes, lembra que a desinformação virou um modelo de negócio bastante lucrativo e perigoso e as redes sociais apresentam medidas insuficientes para combater a desinformação. Além disso, diversas instituições que deveriam combater o discurso de ódio e a desinformação no Brasil não combatem como deveriam.

Vilaça deixa claro que quando se fala em fake news, está se falando sobre estratégias de desinformação. O grande problema é que plataformas digitais como Google, Facebook, Whatsapp, Tik Tok, Telegram, Youtube e outras mais tornaram a produção e propagação destas fakes mais baratas, influenciando grupos específicos. Mas a produção de desinformação em escala industrial também tem um custo alto.

“Estamos falando de práticas deliberadas e trazem ganho financeiro ou político. Ou seja, a desinformação virou um modelo de negócio bastante lucrativo e perigoso”, alerta. 

Neste cenário caótico, é possível citar algumas ameaças para mensurar o tamanho do problema: democracias ameaçadas, mentiras que favorecem um pensamento político, ataques à ciência, negacionismo crescente, vacina desacreditada, discurso de ódio que se espalha. Racismo, nazismo, lgbtfobia, machismo e outros crimes circulando nas redes com muita liberdade”, declara o comunicador.

Vilaça lembra que as nossas instituições estão muito aquém do que deveriam. “Muitos parlamentares, que vêm sofrendo inclusive pressão dessas empresas, não atuam como deveriam. Projetos de leis como o PL das Fake News (2630), que deveria ter sido votado ano passado, é constantemente atacado e até agora não foi votado. O PL traz avanços significativos para o combate à desinformação, inclusive nas eleições, apesar de apresentar alguns pontos que precisam de atenção”, explica. 

Para o coordenador de Mídias Digitais da Intervozesm as fake news são um problema muito maior do que a estrutura do judiciário tem capacidade de combater, ainda mais nas eleições.  “A própria justiça ataca o artigo 19 no Marco Civil da Internet, que pode ser um grande problema para liberdade de expressão no país, caso seja julgado inconstitucional pelo STF”, diz.

Técnicas avançadas de fake news

Neste cenário preocupante ainda temos a evolução das fake news, com técnicas cada vez mais avançadas de automação, com “robôs” cada vez mais “inteligentes”, com técnicas de deepfake, citado no início desta matéria. 

A desinformação também são usadas como armas políticas, na publicidade, em informações de guerras e utilizadas de forma estratégica por variados grupos. Na semana passada a prefeita de Berlim teve uma conversa ao vivo com uma pessoa que se passou pelo prefeito de Kiev e ela não foi a primeira autoridade a cair nesse tipo de golpe.