“Vamos pintar Brasília de urucum e jenipapo”, diz Sônia Guajajara no início do ATL
Coletiva de imprensa marcou o início do Acampamento Terra Livre; delegações de todo o país começam a chegar
Ao tempo em que reagem à inércia do governo federal, cobrando a conclusão de processos de demarcação que apenas aguardam a assinatura de Jair Bolsonaro, os povos indígenas do Brasil se organizam para ocupar espaços na política brasileira. Em todas as esferas.
Essas serão as bandeiras prioritárias, como informou a pré-candidata a uma vaga na Câmara Federal, Sônia Guajajara, que é da Coordenação Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela participou nesta manhã (4) da primeira coletiva de imprensa do Acampamento Terra Livre (ATL) 2022, que ocorre até o dia 14 de abril, em Brasília. A seu lado estavam Marcos Xukuru, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) e a liderança Kerexu Guarani Yvyrupa, também da Apib.
O Acampamento Terra Livre 2022 é o 18° realizado pela Apib e tem reunido anualmente, ao menos 200, dos 305 povos indígenas do Brasil. Neste ano, até 8 mil indígenas devem somar à mobilização. A programação, que prevê plenárias, marchas e encontros com parlamentares e embaixadores de vários países, foca no enfrentamento a medidas anti-indígenas que tramitam nos três poderes da União. Os povos originários do Brasil querem expor a todos os impactos ambientais do garimpo, desmatamento e monoculturas que devastam a terra.
“Depois dos últimos dois anos realizando acampamento virtuais, nas telas, voltamos a ocupar Brasília, a Esplanada dos Ministérios. Voltamos presencialmente para pintar Brasília de urucum e jenipapo”, disse Sônia.
Segundo ela, os representantes de várias regiões do país que ali se farão presentes, têm histórico de resistência secular. Ela reforça a urgência da continuidade das demarcações.
“Por mais que digam que 13% do território brasileiro é indígena, temos um passivo muito grande de territórios a serem reconhecidos e demarcados, sobretudo nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Dessa totalidade, 98% está na Amazônia. Nas outras regiões está apenas 2%. Isso faz com que a demarcação seja a bandeira prioritária de nossa luta”.
O tema do ATL de 2022 é “Retomar o Brasil, demarcar território e aldear a política”. Sônia ressalta que os indígenas não vão recuar em retomar territórios. “Bolsonaro disse que não haveria demarcação de terra indígena. Não é porque diz, que precisa ser assim. O Brasil tem uma Constituição Federal que garante como dever da União, a demarcação de territórios”.
Em sua fala, Sonia esclareceu que 400 demarcações foram concluídas, mas há mais de 200 que estão em alguma fase do processo. Há mais de 600 que têm providências e mais de 400 em que nada foi feito. Que não há esperança de ser demarcada nesse governo. Vamos exigir demarcação no caso dos processos concluídos. Para que eles voltem para o Executivo e enfim, sejam assinados”.
Aldear a política
Tendo até então contado apenas com interlocutores, os povos indígenas do país querem assumir mandatos. E então, estão focados em aldear o Congresso Nacional.
“Se é no Congresso Nacional, no Executivo que estão decidindo sobre nossas vidas, é lá que temos de estar”, enfatizou.
Segundo Sônia, em 2022, a Apib estimulará a formação de candidaturas a fim de conquistar bancada indígena. “Vamos destituir a bancada ruralista no Congresso Nacional. Queremos representantes indígenas na política para fazer coro a Joênia [Wapichana, deputada federal]”.
Ela disse ainda à ocasião da coletiva que a programação foi estrategicamente estendida porque o Grupo de Trabalho que debate o PL 191 [que autoriza mineração em Terra Indígena] concluirá suas atividades em 14 de abril. “Representantes dos povos indígenas participaram do Ato pela Terra, em 9 de março. O presidente da Câmara Arthur Lira nos afrontou, pautando o PL 191, acelerando sua tramitação”
No ano passado as forças indígenas enfrentavam o PL 490, que foi aprovado e a qualquer momento chega à plenária e o PL 2633, o PL da Grilagem, que está a caminho do Senado. Reunidos no acampamento, devem pensar também as ações para junho, quando será julgado o Marco Temporal. Este, vai pautar e definir o futuro das demarcações no país.
Kerexu Guarani Yvyrupa lembrou que essa luta não é só dos povos indígenas. “Estamos lutando por todas as pessoas”. Ela lembrou o quão difícil foi o período da pandemia.
“Fomos vítimas de violências diversas, vimos nossos povos morrendo em nossos territórios por conta da ausência de políticas públicas de saúde indígena. Vários projetos também se levantaram nesse período e não pararam”, relembrando a boiada.
Sobre as demarcações, lembrou que ao menos foi impedido que as demarcações retrocedessem. “E nesse ano de eleição, temos um desafio muito maior, de aldear a política”, reforçou.
Protagonismo político
Em concordância, Marcos Xukuru realçou a necessidade de se fortalecer as lideranças de base nos estados e municípios, para oferecer resistência aos projetos que ferem os direitos indígenas. “Por mais que passamos mais de 500 anos, há um déficit muito grande do Estado brasileiro em relação à demarcação dos territórios. Ali está a soberania de cada povo, mas infelizmente, aqueles que estão no poder não têm a mesma compreensão e enxergam a terra apenas como objeto de exploração. Eles buscam todas formas de destruí-las, mas nós somos os guardiões”.
E reforça: “Temos que assumir protagonismo político nas assembleias, câmaras de vereadores e prefeituras. Já está na hora! São mais de 500 anos a luta”, cobrando reação.
“Somos perseguidos, mortos e criminalizados pelo simples fato de defendermos nossos territórios”, denuncia a violência institucional, ao dizer também, que o governo dizima os povos indígenas apenas com uma canetada. “É preciso que o Brasil saiba dessa violência institucional”. E por fim, disse que os povos indígenas não vão esmorecer e se preciso for, haverá autodemarcação.
Por fim Sônia Guajajara lembrou que a luta indígena é legítima.
“Hoje nós temos um grande infrator da legislação brasileira. E o maior infrator no Brasil hoje, chama-se Jair Bolsonaro. Se temos uma constituição que garante a demarcação dos territórios indígenas e ele não cumpre, ele é o primeiro a infringir a legislação do país. E nós estamos aqui fazendo nossa luta com respaldo legal e vamos continuar lutando pelo cumprimento da Constituição Federal, independente do presidente que estiver no poder”.