Por Alexandre Cunha

Entre as várias perguntas que, durante uma entrevista, a jornalista italiana Beatrice Andreose lançou a Helena Solberg, uma em específico inquietou a cineasta: “como vão as mulheres no Brasil?”. Para responder à indagação, a diretora de 85 anos resolveu fazer aquilo que move sua carreira e sua vida há tantos anos: um filme. 

Mergulhando em sua prolífica obra, de forma similar ao que fez Agnès Varda em seu último filme (Varda por Agnès, 2019), Helena Solberg volta às suas produções e cria um manifesto ao papel da mulher no Brasil e na América Latina. Desde sua educação católica e extremamente repressora, até os primeiros ares de empoderamento nos anos acadêmicos, Solberg faz um filme-testamento da sua trajetória – que se confunde com a própria história do nosso país. Cinema Novo, movimento feminista, ditadura militar: Um Filme Para Beatrice faz uma radiografia do Brasil dos anos 60 até os dias atuais, de forma muito lúcida.

O documentário acerta em cheio ao reunir outras vozes para “ajudar” Helena Solberg a responder à pergunta que motivou o filme. Carregadas do engajamento político tão característico a Solberg, as entrevistas com pensadoras como Heloísa Teixeira, Anielle Franco e Guilherme Terreri (a Rita von Hunty) são excepcionais. Provocam reflexões profundas sobre gênero, negritude, conflitos geracionais, além de momentos altamente bem-humorados. Há algumas ponderações questionáveis, é verdade, como quando Heloísa e Helena criticam o que consideram uma inflexibilidade da militância das pautas identitárias; o documentário, entretanto, não produz um discurso único. Traz depoimentos diversos, às vezes até mesmo conflitantes, mas que somam num rico debate sobre os avanços e retrocessos do país. 

É muito instigante ver uma cineasta como Helena, octogenária, com uma percepção tão apurada da realidade que a cerca. Compreensível, quando lembramos que ela é responsável por obras tão à frente do seu tempo, como A Entrevista (1966), A Dupla Jornada (1976) e Carmen Miranda: Bananas Is My Business (1995), talvez sua obra mais conhecida. Os recortes de tais obras, presentes em Um Filme Para Beatrice, oferecem um eficiente resumo e uma introdução à obra de Solberg para as próximas gerações. 

Um filme feito para Beatrice, a jornalista, mas que poderia ser intitulado Um Filme Para o Brasil. Que privilégio termos, em nosso país, uma cabeça e um olhar como os de Helena Solberg. Ativa aos 85 anos, a cineasta esteve presente nas primeiras sessões do seu filme no Rio de Janeiro e em São Paulo, como parte da programação do festival É Tudo Verdade 2024. Há ainda duas exibições, gratuitas, para conferir a obra: próxima quarta-feira (10), às 14h30, no IMS Paulista. E, por fim, na Estação Net de Cinema Rio, Sala 2, no sábado (13), às 14h.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Festival É Tudo Verdade 2024

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