Imagem: O Joio e o Trigo

Por Maria Vitória de Moura

Estudo conduzido pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) e pelo Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), e publicado no último dia 6 na revista científica The Lancet Planetary Health, demonstrou a ligação entre o consumo de ultraprocessados e o risco de desenvolvimento de câncer em 25 partes do organismo humano.

A pesquisa “Processamento de alimentos e risco de câncer na Europa: resultados do estudo prospectivo de coorte EPIC” utilizou dados do estudo European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition (EPIC), que acompanhou 521.324 pessoas entre 18 de março de 1991 e 2 de julho de 2001, em dez países europeus. O acompanhento foi feito na Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, Noruega, Espanha, Suécia e Reino Unido, através de formulários e entrevistas que mapearam o estilo de vida dos participantes, dividindo-os em quatro grupos, desde os que consumiam mais alimentos in natura até aqueles cuja alimentação diária era composta por mais de um quarto (25,3%) de alimentos ultraprocessados.

A classificação dos alimentos em in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados foi feita de acordo com a classificação NOVA. Seguindo essa classificação, frutas, legumes e vegetais são considerados alimentos in natura, enquanto os minimamente processados são aqueles que passaram por alterações mínimas na indústria, como moagem, secagem e pasteurização.

Já os alimentos processados são aqueles fabricados com adição de sal, açúcar, óleo ou vinagre, o que os torna desequilibrados nutricionalmente, e os ultraprocessados são formulações industriais feitas tipicamente com cinco ou mais ingredientes, sendo pobres nutricionalmente e ricos em calorias, açúcar, gorduras, sal e aditivos químicos, como corantes e emulsificantes.

A partir dos dados do estudo da EPIC, pesquisadoras da Nupens e da Organização Mundial da Saúde (OMS) mapearam o aparecimento de câncer entre os participantes da pesquisa, incluindo na análise 450.111 das 521.324 pessoas presentes no estudo da EPIC. Para isso, foram utilizados registros de centros de câncer e patologia, registros de seguro de saúde e acompanhamento ativo dos participantes entre a data de recrutamento para a pesquisa e 31 de dezembro de 2013.

Somente os tipos de câncer consistentemente associados a comportamentos de estilo de vida foram incluídos no estudo, como cânceres de cabeça e pescoço, adenocarcinoma de esôfago, carcinoma de células escamosas de esôfago, câncer de cárdia gástrico, câncer não cárdico gástrico, câncer de cólon, câncer retal, carcinoma hepatocelular, câncer de vesícula biliar, câncer de pâncreas, câncer de pulmão, carcinoma de células renais, cancro da bexiga, glioma, cancro da tiróide, mieloma múltiplo, linfoma não Hodgkin, leucemia, melanoma, cancro da mama (pré-menopausa e pós-menopausa), cancro do colo do útero, cancro do endométrio, cancro do ovário e cancro da próstata.

A fim de prezar pelo resultado acerca do estilo de vida e, principalmente, partindo do consumo de ultraprocessados, outros fatores como sexo, tabagismo, educação, atividade física, altura e diabetes também foram mapeados a partir dos formulários e entrevistas. Com essa mesma finalidade, os participantes que apresentaram diagnóstico de câncer antes do recrutamento para o estudo foram excluídos da pesquisa.

Assim, os resultados identificaram que os participantes que consumiam mais alimentos ultraprocessados ​​eram mais jovens, mais altos, menos propensos a ter ensino superior, mais propensos a serem fisicamente ativos, apresentavam maior ingestão de energia, sódio, gordura e carboidratos e menor ingestão de álcool do que os participantes com consumo mais baixo de alimentos ultraprocessados.

Dentre os 450.111 participantes analisados, 47.573 tiveram algum diagnóstico de câncer. Com esses dados, foi identificado que o consumo de alimentos processados e ultraprocessados está associado a um maior risco de desenvolvimento de câncer em diferentes partes do corpo, pois tais alimentos possuem propriedades obesogênicas, que induzem as células de gordura a se multiplicarem, além de possuírem baixo valor nutricional, baixa qualidade dietética, alta densidade energética, e estar associado à obesidade, um fator de risco estabelecido para pelo menos 13 locais de câncer, incluindo cabeça e pescoço.

Como um diferencial de outros estudos, foi identificado, ainda, que a substituição de 10% dos alimentos processados e ultraprocessados por uma quantidade igual de alimentos minimamente processados pode reduzir os riscos de câncer geral, câncer de cabeça e pescoço, carcinoma de células escamosas do esôfago, câncer de cólon, câncer retal, hepatocelular carcinoma e câncer de mama na pós-menopausa.

Esses resultados estão amplamente alinhados com as evidências atuais resumidas pelo World Cancer Research Fund e pelo American Institute for Cancer Research, que alertam para os riscos do consumo de ultraprocessados no desenvolvimento de cânceres, doenças cardiovasculares, diabetes e depressão.

“À época do início do estudo Epic, o consumo diário de ultraprocessados estava em torno de 30% em alguns países desenvolvidos. Esse índice chegou a 60% em países como Canadá e Estados Unidos. No Brasil, está na faixa dos 20%, mas vem crescendo gradativamente nos últimos anos”, afirma Nathalie Kliemann, primeira autora do estudo e pesquisadora da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da OMS.

Leia a pesquisa completa.