Sentença declarou que o Estado brasileiro é o principal fomentador e incentivador de empreendimentos que afetam área costeira e marinha

Leitura da sentença. Foto: Divulgação/Thomas Bauer CPP/H3000

Por Mauro Utida

Dragagens feitas no Porto de Suape em Pernambuco, projeto de eólicas Offshore para o litoral do Piauí, derramamento de petróleo na costa do nordeste, implantação de resorts que incentivam o turismo de massa em vários pontos do litoral brasileiro, são apenas alguns dos empreendimentos denunciados na Audiência Nacional do Tribunal Popular da Economia do Mar, que aconteceu esta semana, na cidade de Luziânia (GO).

O evento realizado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) e pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) reuniu cerca de 400 pescadores e pescadoras artesanais, além de pesquisadores e ativistas de 19 estados, com o objetivo de denunciar empreendimentos que acontecem na zona costeira brasileira e que colocam em risco o modo de vida das comunidades pesqueiras.

O Tribunal é uma das ferramentas que têm sido utilizadas pelos pescadores e pescadoras artesanais no mundo, filiadas à WFFP (World Forumof Fisher Peoples), para fazerem enfrentamento às várias violações sofridas. Nesta audiência, o juri popular indiciou o Estado brasileiro como maior incentivador da exploração econômicado litoral brasileiro na costa e nas áreas marinhas, dentro da chamada “Economia do Mar”. Este crescente avanço ameaça a permanência dos povos nos seus territórios e causa fortes impactos ambientais, informa.

Projetos como o “Amazônia Azul”, proposta da Marinha do Brasil que pleiteia junto à Organização das Nações Unidas (ONU) a ampliação do que é chamado de Zona Econômica Exclusiva (ZEE) em mais 2 milhões de km², é um dos exemplos de como o Estado tem atuado para a expansão do capital nessa nova fronteira.

Confira a sentença na íntegra! https://cutt.ly/GM5Pghu

Acusações

Foto: Divulgação/Thomas Bauer CPP/H3000

Nos relatórios realizados através de audiências regionais realizadas entre os meses de agosto e outubro, as mulheres e os jovens da comunidade pesqueira das regiões litorâneas são alguns dos grupos mais impactados pela chamada “Economia Azul”.

“Esses empreendimentos chegam nas nossas comunidades pesqueiras, causam bastante impacto e nos expulsam. Destroem o nosso meio ambiente, nossa cultura, nossos territórios e nossa tradição”, critica a Secretária do MPP, Martilene Rodrigues.

O objetivo do julgamento do Tribunal Popular do Mar é tirar esses impactos da invisibilidade e apresentar as violações denunciadas pelas comunidades pesqueiras. “A proposta é que a sentença possa subsidiar processos de incidência no sistema de justiça do Brasil, mas também nos sistemas de justiça internacional”, explica Ormezita Barbosa, secretária-executiva do CPP e uma das organizadoras do evento.

Ela também acredita que a sentença pode auxiliar no processo de incidências públicas. “A exemplo dos tribunais que aconteceram na Ásia, queremos usar a sentença para incidência em políticas públicas. Ao final, a ideia é que a gente construa uma agenda propositiva de incidência nacional e internacional, mas também que ajude nesse tipo de proposição de políticas públicas”, defende.

Como funciona

Foto: Divulgação/Thomas Bauer CPP/H3000

Realizado no formato de um Tribunal do Júri, os casos são apresentados pelo Conselho de Acusação, formado em sua maioria por pesquisadores e colaboradores que ajudaram a montar as peças de acusação a partir das denúncias que foram apresentadas pelos pescadores. Em seguida são chamadas as testemunhas dos casos relatados: comunidades que têm sofrido com os empreendimentos violadores de direitos.

Há também o Conselho de Sentença, responsável por dar o veredito final. Entre os seus integrantes estão o Procurador da República Felício Pontes e a socióloga e militante da Coalizão Negra por direitos, Vilma Reis, que preside o Conselho.

Ormezita Barbosa diz que as sessões regionais que foram realizadas, já ajudaram algumas comunidades no enfrentamento aos empreendimentos. “É importante ressaltar o quanto que o Tribunal está sendo potente para visibilizar os conflitos e o quanto que isso tem conseguido chamar a atenção dos poderes públicos para atuarem já em defesa da comunidade”.

Sobre o Tribunal Popular da Economia Azul

Foto: Divulgação/Thomas Bauer CPP/H3000

O Tribunal Popular da Economia do Mar teve início, ainda na sua fase de pesquisa e preparação, no ano de 2017, com organizações de pescadores e pescadoras artesanais filiadas à WFFP (World Forumof Fisher Peoples). No ano de 2020 aconteceu a Audiência do primeiro Tribunal, que foi realizada com comunidades tradicionais pesqueiras, pesquisadores/as e diversas ONGs regionais do Oceano Índico, envolvendo cinco países: Indonésia, Tailândia, Bangladesh, Sri Lanka e Índia.

No Brasil, o pontapé inicial para o Tribunal do Mar foi dado em novembro de 2021, durante a realização do Grito da Pesca Artesanal. O começo do ano de 2022 foi de intensa preparação e discussões. A partir de agosto de 2022, começaram a acontecer as audiências regionais, 3 no total. A primeira audiência regional foi na região Sul-Sudeste, depois na região Norte e em outubro, aconteceu a última audiência na região Nordeste. Em todo o processo, mais de 200 pessoas foram envolvidas, entre pescadores, pesquisadores e ativistas.

“Lançamos o Tribunal em 2021, no Grito da Pesca Artesanal, a partir daí caímos em campo, junto com as comunidades, no corpo a corpo com os pescadores e pescadoras artesanais. Foi um processo muito árduo, mas também foi um processo de oficinas e de fortalecimento da luta do movimento. A gente sentiu a partir daí um empoderamento das comunidades para falarem o que é a Economia do Mar e os impactos que ela traz para a nossa vida. Então isso foi muito importante para termos conhecimento do que isso significa para as nossas vidas”, explica a pescadora e coordenadora do MPP, Josana Pinto.