Christian Rodriguez, reconhecido fotógrafo uruguaio é denunciado por 36 mulheres

Foto: Cosecha Roja

Conteúdo traduzido de Cosecha Roja

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A fotógrafa Violeta recebeu uma mensagem no inbox do Instagram. Quem lhe escrevia era um de seus fotógrafos favoritos. “ Um desses que publica fotos em Every Day Latinamerica, Nat Geo, trabalha com Escuela Efti e mais e mais”, contou. Um tipo compromissado, desses que viajam pelo mundo, ganham prêmios, levantam bandeiras. O fotógrafo a elogiou: eu acredito em seus olhos, disse a ela. Eu posso ajudar. Eu quero que você trabalhe comigo.

Eles se reuniram para o almoço em seguida. Se despediram com promessas. Na mesma noite, ele escreveu novamente. Enviou-lhe uma selfie do hotel onde estava. Estou sozinho e minha cama é grande, disse. Ela o repreendeu: eu quero trabalhar, lhe disse. E nada mais do que isso. “Se liga” ele respondeu. “Não tolero criancices”.

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Violeta demorou um ano para contar. Fez isso em uma postagem no Instagram. Ela não colocou o nome do fotógrafo, mas imediatamente todos sabiam de quem ela estava falando. No começo, foram três, depois outras cinco que se somaram ao seu testemunho. Hoje, existem 32 mulheres que compartilharam suas experiências, algumas publicamente, muitas entre elas. São mulheres da Argentina, Colômbia, Uruguai, Espanha. Tudo aponta para o mesmo: “manipulação, ponderação do trabalho alheio para alcançar esses fins e, em muitos casos, abuso sistemático e invisibilização do trabalho das mulheres para ganho pessoal”, disseram em um comunicado.

“Essas situações referem-se a um abuso de poder por ele, onde ele aproveita seu status dentro do circuito fotográfico para fazer propostas para publicações conjuntas em troca de sexo virtual e fotografias eróticas”, disseram.

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O  World Press Photo, o prêmio com maior relevância do mundo, anunciou seus finalistas neste ano: de 48 indicações, apenas cinco são ocupadas por mulheres. A fotografia é um dos muitos mundos dominados por homens. Nessas áreas, os abusadores se sentem à vontade para agir sem se preocupar.

A busca é sistemática e os mecanismos de recrutamento são refinados. Várias das mulheres que relataram a manipulação do fotógrafo que está na linha de tiro hoje receberam e-mails muito similares, quase copiados e colados.

A situação se repete com variantes em todas as áreas: diretores de cinema, organizadores de eventos literários, editores, curadores de arte. A mensagem é sempre a mesma. Eu posso te levar à glória se fizer o que eu digo. Eu posso destruir seu trabalho – e você mesma  – se você não aceita minhas propostas. O cenário de dominação masculina é o teatro de operações perfeito para essas práticas. O mundo da fotografia é apenas o exemplo de hoje.

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Às vezes – muitas vezes – o assediador tem duas caras: posa como feminista em redes sociais ou inventa projetos para parecer como tal. O fotógrafo acusado fotografou mães adolescentes em todo o mundo. Ele ganhou prêmios, fez exposições e deu palestras sobre esse assunto. Em tudo o que estava fazendo, ele e sua obsessão eram o “like” massivo. Tudo, afinal, girava em torno de seu próprio ego.

“Estamos particularmente preocupadas com o potencial perigo que implica a impunidade do denunciado por seu trabalho com  mulheres em situações de vulnerabilidade e seu papel no circuito fotográfico internacional”, disseram as mulheres que o denunciam.

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Quando o abusador cai, os efeitos são variados. A exposição pública funciona como uma catarse e permite que as vítimas falem, reconheçam-se mutuamente, para começar a se curar.

O abusador recorre aos amigos que ele considera poderosos, se defende com veemência, tenta minimizar o que ele fez e reduzir seu currículo, como se sua vida profissional justificasse seu comportamento privado. Basicamente, o que ele tenta recriar é aquele mecanismo de cumplicidade que lhe garantiu a impunidade: o cotovelada cúmplice, o silêncio ante a prova repetida, a celebração de suas conquistas.

Para cada abusador que cai há milhares e milhares de homens que usam os mesmos mecanismos em maior ou menor grau. Enquanto as vítimas falam, o que esses homens sentem é um suor frio escorrendo pelas costas. Eles têm o medo íntimo de serem apontados, de serem os próximos. Esse medo é saudável? Talvez seja. Talvez sirva para os homens começarem a rever de verdade suas práticas, a acabar com a cumplicidade.

O que eles sentem não tem nem comparação com o que uma mulher sente caminhando sozinha à noite na rua. Ou com o desgosto que Violeta sentiu o dia em que quiseram mudar seus sonhos de fotógrafa por uma cama fria de hotel.