Em viagem pelo principal corredor logístico de MT, equipe da Casa NINJA Amazônia vivenciou clima de medo imposto por manifestantes golpistas [e terroristas]

Motoristas que tentaram furar bloqueios foram alvo de ações criminosas (PRF)

 

Cenas de terror tomaram conta da rota da BR-163, passagem obrigatória pelo acampamento de bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições. No início de uma manhã de céu aberto, nossa equipe percebeu certa agitação em frente à 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Cuiabá, capital mato-grossense, onde permanecem homens, mulheres e crianças desde que Jair Bolsonaro foi derrotado na eleição.

Com uma estrutura montada digna dos grandes festivais, ali dormem, se alimentam, rezam, compram e vendem e ouvem o hino nacional em loop. Café da manhã tem todos os dias a partir das 6h, na “praça de alimentação” montada no canteiro central da Avenida Historiador Rubens de Mendonça, onde é servido pão francês com manteiga, ou queijo e presunto (mortadela não!), fatias de bolo e suco de laranja natural. A partir das 10h, o churrasqueiro prepara a brasa para assar a carne que servirá de almoço para centenas de pessoas, acompanhado de arroz e farofa. Para o jantar, mais churrasco de maminha, alcatra e, por vezes, cupim.

Além da “praça de alimentação”, playground para crianças, banheiros químicos, e espaço de reza (este localizado bem em frente ao portão da Brigada, sempre ocupado e em oração). Inúmeras barraquinhas praticam ali a livre concorrência, lá é possível comprar camisetas da seleção brasileira em duas opções de cores, o tradicional amarelo e a azul, além de bandanas, bandeiras, flâmulas e bonés com estampa do Brasil. Nem é preciso dizer que o estacionamento é amplo, já que se pode parar onde tiver vontade, em calçadas e canteiros centrais, principalmente.

Ainda que a gente se surpreendesse com o grande número de manifestantes, era uma sexta-feira, dia que comumente mais pessoas se unem à mobilização. Famílias inteiras seguem com cadeirinhas de praia e guarda-sóis, devidamente uniformizados com a camiseta da seleção brasileira de futebol e portando nas mãos, isopores e garrafas térmicas para o tereré. Mais tarde, deduziríamos que se tratava mesmo de uma reanimação da militância.

Eles estão lá desde que tiveram início os protestos de 31 de outubro, que se pulverizou também pelas rodovias do país. À ocasião, mais de 300 rodovias foram interditadas. Reações acaloradas viralizaram nas redes, vide caso do homem que viajou perigosamente grudado ao parabrisa de um caminhão. Até então, as ações bolsonaristas surpreendiam pelo exagero na dose.

Em seu primeiro pronunciamento após as eleições, no dia 1º de novembro, Bolsonaro reacendeu a fagulha com fala que reabriu brechas: “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de justiça”. Pronto. O estrago estava feito.

E eles então seguiram com a mobilização nos acampamentos. Era como se Bolsonaro não pudesse declarar publicamente para que continuassem, mas certamente que era o que ele queria. Como diz o ditado, para bom entendedor, meia palavra basta. Não que essas pessoas sejam bons entendedores. E assim foi. Assistiríamos a uma escalada de violência que inclui agressões, depredações de patrimônio público e privado, sabotagem, sequestro e tentativa de homicídio.

Caía por terra a defesa de Bolsonaro de que os manifestantes que pedem golpe, agiam com ordem e de maneira pacífica.

Na estrada

Finalmente conseguimos passar os limites da cidade e pegamos a estrada, adentramos a BR 163, trecho que liga Cuiabá a Sinop. Sob os cuidados da concessionária Rota do Oeste, que cobra entre R$ 3,70 e R$ 6,90 por pedágio, a estrada está um tapete. Tinha tudo para ser uma viagem plena e confortável, o céu estava azul e o setlist do Spotify selecionado.

Mal podíamos esperar que enquanto aquele grupo amanhecia agitado, aquela sexta-feira marcaria o início de um fim de semana de terror nas estradas de Mato Grosso. Rondônia também reativava bloqueios.

Era sexta-feira (18 de novembro) quando partimos pelo principal corredor logístico de Mato Grosso. Nosso destino foi Novo Progresso (PA), onde quase 83% dos eleitores votaram em Bolsonaro. Temíamos chegar lá, mas o caminho foi muito pior. A viagem transcorria normalmente, passando por Rosário Oeste e as entradas para Nobres e Diamantino. Em Nova Mutum, a mobilização dos manifestantes golpistas parecia tranquila e até aquele momento, a via estava livre.

Mas chegando em Lucas do Rio Verde, em trecho próximo ao km 649, logo depois de uma curva – em uma subida íngreme -, por pouco não chocamos com uma montanha de aterro jogado ao acaso na estrada.

Acaso? Não, este era o primeiro indício de uma série de atos criminosos no entorno de pelo menos dez pontos de bloqueios que ouviríamos falar. Então, rapidamente, acessamos o grupo de WhatsApp da PRF em conjunto com a concessionária Rota do Oeste para confirmar o que suspeitávamos.

No grupo, jornalistas questionavam sobre a ocorrência de bloqueios nas rodovias federais de Mato Grosso. E então, veio a confirmação, pela concessionária, de que dois trechos da BR, no município de Lucas do Rio Verde (km 683 e 691), estavam bloqueados por manifestantes que depositaram na pista, montes de terra, toras de madeira e pneus para obstruí-la e impedir a passagem de quem transitava por ali.

Logo, ao km 683. Enquanto pneus eram queimados, conseguimos contornar os obstáculos, mas tivemos que parar no km 691, de frente ao acampamento. A Polícia Rodoviária Federal estava presente e uma equipe de limpeza retirava os obstáculos que foram queimados há pouco. Enquanto isso, manifestantes contemplavam todos os lances, enquanto outros não tiravam os olhos dos celulares.

Como não havia trânsito, deixamos o carro no mesmo lugar e descemos para nos aproximar, para tentar obter informações da PRF. Neste momento, um homem saiu da área do acampamento, conversou com um agente e na sequência seguiu livremente pelo bloqueio enquanto caminhoneiros e carros de passeio aguardavam liberação da PRF. Questionamos porque nossa mobilidade era obstruída enquanto integrantes do movimento tinham acesso liberado.

O agente ficou sem palavras e rapidamente uma policial rodoviária federal que compunha a equipe, justificou: “A mulher dele está grávida [ela estava no carro], está grávida e sangrando”. Mas afinal, um acampamento, por mais estrutura que tenha, é mesmo lugar de uma mulher prestes a dar à luz? Questionamos.

Em um misto de revolta e angústia pelo que ainda enfrentaríamos, voltamos aos nossos lugares para aguardar a liberação da pista e então, meia hora depois, seguimos viagem.

Ao chegar em Sorriso, testemunhamos a formação de cordões humanos em que os manifestantes paravam por um tempo a pista para que os motoristas pudessem ler suas faixas exigindo “liberdade” ao tempo em que os impediam de passar, e ainda, intervenção militar e federal, o que é crime.

Imagem de bloqueio em Nova Mutum

Depois do fim da ditadura e com a promulgação da Constituição Federal Brasileira, em 1988, a intervenção militar passou a ser proibida, inconstitucional e tal movimento configura um golpe de Estado. Portanto, a reivindicação dos manifestantes não tem amparo legal. Eles também ferem o direito constitucional dos cidadãos, de “ir e vir”, mas liberdade é uma das palavras mais usadas por essas pessoas.

E então, ao mesmo tempo que passávamos por Sorriso, novos pontos de bloqueio eram divulgados pela concessionária, em sua área de cobertura. Existiam então bloqueios em Diamantino – onde jogaram tambores de óleo na pista –, na BR 174, em Pontes de Lacerda, onde era liberada a passagem apenas para motoristas com cargas de remédio e oxigênio, carros de passeio e ônibus interestaduais – e em Lucas do Rio Verde, onde havia sido obstruído novamente, o km 691.

A concessionária Rota do Oeste, via assessoria divulgou: “Há manifestantes, e agressivos no local, a pista se encontra interditada totalmente, ninguém passa”.

Então, a partir daí, foi um boom de bloqueios e recrudesceu também o nível de violência. No km 700, entre Primaverinha e Lucas do Rio Verde, jogaram óleo na pista e pregos em descidas, claramente, com o intuito de causar acidentes. E se há acidentes, pode haver morte, não é mesmo?

Em uma parada, iniciamos um bate-papo informal com o dono de um restaurante que fica em um dos postos Trevão – que ostenta a bandeira brasileira sinalizando apoio a Bolsonaro – ele reclamou dos protestos: “Votei em Bolsonaro, mas não aguento mais isso. O homem (Lula) já ganhou, não tem mais o que fazer. Os bloqueios estão nos tirando a paciência, porque ninguém mais está parando. Tentam ganhar o tempo perdido nos bloqueios, seguindo viagem”, reclamou.

Já era noite quando na entrada do município de Matupá passamos por novo bloqueio. Neste, pudemos contornar os pneus queimados que ainda estavam em chamas. Ficamos aliviados quando vimos uma viatura da polícia, mas os PMs estavam ali numa interação amistosa, aos risos em conversa com os manifestantes.

Diante de tantas paradas, não conseguimos chegar ao nosso destino no tempo habitual. Tivemos que dormir em cidade na divisa do Pará com Mato Grosso. De manhã, seguimos viagem, receosos pelo que encontraríamos em Novo Progresso (PA). Lá, no dia 7 de novembro, manifestantes colocaram a PRF para correr, atacando tropa de choque com tiros e pedras, daí, por lá, esse evento violento ficou conhecido como a Revolta da Baladeira, porque manifestantes usaram estilingues.

Em Novo Progresso, não havia nenhum sinal de mobilização ativa, apenas marcas de pneus queimados em vários pontos do asfalto. Ao sondar com um dos moradores da cidade, este disse que “depois que a PF passou a investigar o atentado contra a polícia, tudo ficou calmo”.

Então, no dia 24 de novembro, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisão temporária. Seis pessoas foram presas.

Voltando à nossa incursão pela BR-163, soubemos por fontes oficiais, que a Rota do Oeste havia sido acionada para atendimento de ocorrência no km 582 da BR-163, em Nova Mutum. Foi registrado um engavetamento de carretas, causado por monte de terra na pista, colocado pelos bolsonaristas. Poderia ter sido conosco.

Até então, a PRF de MT não havia se manifestado e um colega compartilhou um vídeo do assessor de comunicação de Rondônia, Andrei Milton. Era começo da noite da sexta-feira:

“Infelizmente poucas pessoas confundindo o que é direito de manifestação com crime de impedir as pessoas de ir e vir. Existem comerciantes que estão tendo prejuízos, pessoas que não estão conseguindo atendimento médico, estudantes que não estão conseguindo ir até sua escola. Falando em estudantes, no domingo, muitos fazem o Enem, quantas pessoas podem ser prejudicadas pelas atitudes impensadas de um grupo de pessoas que está descontente com uma situação e que por isso pode restringir a liberdade de outras pessoas”.

E prometeu que no sábado liberaria todas as BRs. Assim, em Mato Grosso e Rondônia, todas as vias seriam liberadas. Não foi o que aconteceu.

No sábado (19), ao meio-dia haviam bloqueios totais na BR-163 em Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop; na BR-364 em Campo Novo do Parecis, Sapezal e Campos de Júlio, além de bloqueios parciais na BR-174, em Cáceres e Pontes e Lacerda e na BR-158, em Confresa e Água Boa.

Em Sinop, manifestantes atiravam pedras nos parabrisas dos caminhões que tentavam furar o bloqueio.

Naquela mesma cidade, a Polícia Rodoviária Federal teve que agir mais energicamente, no caso de dois motoristas que passaram pelo acampamento gritando “aceita que dói menos”. Eles foram perseguidos e por pouco, sob a custódia da PRF, não foram linchados.

“Vieram aqui humilhar todo mundo, agora tão aí ó”, disse um dos manifestantes que registrava a cena. O homem dizia que a dupla havia atirado contra eles. A polícia os levou então, foram detidos e o motorista preso, porque o teste do bafômetro apontou 0.95 miligramas de álcool em seu sangue.

Mas segundo o site Mídia Jur, os jovens alegaram ter sido eles, e não os manifestantes, vítimas de disparos feitos de dentro de uma caminhonete Hilux. A PRF vasculhou o carro e não encontrou nenhuma arma, contradizendo a acusação dos manifestantes. Um dos disparos teria acertado a lateral direita do veículo.

De noite, por volta das 20h, a violência começava a acentuar, quando homens encapuzados invadiram uma base da concessionária Rota do Oeste. Uma ambulância e um guincho foram queimados e a base que fica próximo a Lucas do Rio Verde, depredada. Tocaram fogo nos veículos.

Homens encapuzados e armados depredaram base da Concessionária Rota do Oeste (Reprodução)

“Quebraram o rádio, jogaram gasolina em tudo”, fala um dos funcionários da concessionária, enquanto vai mostrando a destruição de equipamentos de comunicação. Ele tem de sair abruptamente do local sob risco de explosão. Os manifestantes haviam jogado gasolina dentro da base. Além dele, outros dois colaboradores estavam lá. Desesperado ele diz: “Eles vão atacar a base em Nova Mutum”. Foram momentos de terror.

No dia seguinte, 20 de novembro, foram divulgadas imagens da ação criminosa, capturadas por câmeras de segurança. O grupo armado rendeu os funcionários e jogou coquetéis molotov sobre os veículos no pátio.

Naquele mesmo dia, estudantes que fariam o Enem foram proibidos de seguir viagem e para não perder a prova, tiveram que caminhar 5 km até o local do teste. Eles foram achincalhados pela militância que dizia “faz o L”, em menção ao mote de campanha de Lula.

Eram alunos de Nova Nazaré, que tiveram que descer na entrada do município de Querência para chegar aos locais das provas. Uma aluna, dentro do ônibus teria feito o L e assim, o ônibus foi impedido de passar.

Alunos tiveram que caminhar até chegar ao local de prova (Reprodução)

“Descemos debaixo de palavrões e vaias mandando a gente mostrar o L, mandando a gente tomar naquele lugar e um monte de coisas e tivemos que nos locomover a pé, alguns conseguiram carona, mas já chegando ao local da prova. No final das contas, não conseguimos nos concentrar bem na prova”, disse uma das estudantes ao Estadão.

No dia 21, pela manhã, nada dos bloqueios serem liberados, como prometeu a PRF. Na BR-158, haviam bloqueios parciais em Vila Rica e Confresa e total em Água Boa; Na BR-163, parcial em Sorriso e totais em Lucas, Sinop e Matupá; Total na BR-174, em Pontes e Lacerda e na BR-364, parcial em Diamantino e total em Campo Novo, Sapezal e Campos de Júlio.

Em trecho entre Itaúba e Sinop, quando já estávamos de volta, tivemos a viagem interrompida novamente. Desta vez, equipe da Concessionária Via Brasil – que cobre Mato Grosso e Pará – retirava da pista, dois caminhões que foram queimados horas antes. Bateram nas portas dos motoristas com uma arma, mandando que descessem. O intuito também era de obstruir a rodovia.

“Os caras encapuzados, armados, meteram fogo nos dois caminhões. Um dos motoristas estava desolado com as balas que guardou no bolso”, dizia homem em áudio que circulou pelo grupo do PRF no WhatsApp. Eles também sequestraram um funcionário da concessionária que teve o uniforme roubado, além do veículo de inspeção, usado para interditar a pista. O homem foi libertado no município de Cláudia, próximo a esse local.

Os caminhões foram queimados em reação à tentativa de furo de bloqueio (Reprodução)

Tivemos que aguardar na fila a remoção dos caminhões

Em uma parada para conversar com moradores da cidade de Terra Nova do Norte, um comerciante desesperado testemunhou que o clima era de medo. Desabafou que não havia votado em Bolsonaro e que um familiar havia levantado a suspeita para bolsonaristas da cidade, de que eles eram ‘esquerdistas’.

“E essa pessoa está colecionando armas. Temos muito medo pelo que pode acontecer conosco. Ele está ensandecido e faz aulas de tiro em Sinop. Temos medo dentro de casa, medo da vizinhança. Estamos dobrando a segurança dentro de casa com receio do que pode acontecer enquanto estamos dormindo”.

Àquela altura recebemos mais notícias ruins. Em trecho que fica entre Itaúba e Sinop, próximo à entrada do município de Cláudia, homens armados haviam abordado dois caminhoneiros e com o uso de fogo, incendiaram os caminhões. Quando chegamos lá, poucas horas depois, tivemos que parar mais uma vez, para que a concessionária Via Brasil, que cobre o trecho, desobstruísse a pista. Vimos de perto o resultado da ação criminosa que ouvimos falar.

Atrás de nossa equipe, havia um caminhão. O motorista desceu do carro para assim como nós, acompanhar de longe o trabalho da concessionária. Ele usava uma camiseta com o rosto de Bolsonaro. Se virou para nossa equipe e disse:

“Isso aí é a PTzada que está fazendo. São esquerdistas infiltrados”. A esta altura, corria nos grupos de conversa a acusação de que quem estava cometendo os crimes, como óleo na pista, incêndios, depredações e aterro eram pessoas de esquerda, mas logo, confirmou-se que se tratavam de pessoas do mesmo movimento golpista, inclusive, produtores rurais endinheirados.

Enquanto isso, em Sinop, uma caminhonete interpelava motoristas que tentavam furar o bloqueio. Um dos ocupantes, como registra vídeo que circulou nas redes sociais, jogava fogo sobre o tanque. Logo, foi perseguida pela polícia e os homens levados para a delegacia da cidade.

No fim de tarde, houve uma coletiva da PRF. O superintendente, Francisco Élcio resgatou o histórico dos atos dos manifestantes e destacou que a violência havia aumentado.

“No período de manifestação tivemos dois momentos. No primeiro momento, do dia 30 de outubro ao dia 08 de novembro, a PRF atuou juntamente a outras forças de segurança, com negociações, desobstruindo 44 pontos nas rodovias federais e reestabelecendo a fluidez do trânsito. Num segundo momento, a partir de quinta (17), depois de ficarmos quase oito dias sem qualquer tipo de bloqueio, houve um recrudescimento acentuado, que extrapolou qualquer capacidade operativa da PRF, porém mesmo assim coisas piores foram evitadas, dentre elas o colapso da ponte de Rondonópolis (ponte do Rio Vermelho)”.

À ocasião, disse que a PRF havia se reunido com representantes da Secretaria de Segurança Pública e estabeleceu um plano de ação. A prioridade era desarticular a mobilização em Sinop, Sorriso e Lucas do Rio Verde.

“Ficou ali alinhado que Sinop seria o primeiro município a atuar. Encontramos grande quantidade de caminhões que estavam impossibilitados de se movimentar (contra a vontade do motorista) – as ‘bicas’ foram abertas e derramaram mais de 100 toneladas de óleo na rodovia, demandando um esforço monstruoso. Neste dia aconteceram prisões de pessoas envolvidas”, disse o inspetor da PRF.

Ele destacou ainda que na BR-174 haviam sido instalados artefatos explosivos “com a finalidade de causar risco lesivo à integridade física e ao patrimônio da população” e foi registrada ainda, “depredação da ponte na BR 158, utilizando cortes ortogonais com o objetivo de derrubar a estrutura da mesma”.

Ao depredar ponte, manifestantes poderiam ter causado acidente e impedido totalmente o trânsito (PRF)

Francisco Elcídio explicou que “o modo de atuação usado atualmente pelos manifestantes é diferente do que acontecia anteriormente. Hoje há o núcleo central e os núcleos acessórios. Nos acessórios estão pessoas cometendo crimes, dentre eles ameaça e até possibilidade de homicídio”.

A essa altura, 11 pessoas foram conduzidas e encaminhadas às Polícias Judiciárias competentes e mais de 50 pessoas foram identificadas e encaminhadas para apuração e aprofundamento nas investigações.

Ele alertou: “precisamos que todos trabalhem, pois, as manifestações estão também nos centros urbanos. Devemos trabalhar em nível federal, estadual e municipal”.

Na madrugada do dia 22, um pai que levava o filho para uma cirurgia, sob risco de ficar cego, foi impedido de passar.

“Que fique cego”, disse um dos manifestantes.

Em reportagem à Folha do São Paulo, o autônomo Eder Boa Sorte, se declarou eleitor de Bolsonaro e disse que mesmo após o episódio, apoia o presidente e as manifestações pelo país, que pedem golpe militar. “Toda manifestação justa é direito de todos, desde que não impeça o direito de ir e vir. Não desaprovo, mas é preciso ser feito com respeito”, afirmou.

Mas mesmo depois de um fim de semana de terror, foi só na terça-feira (22), que o governo do estado entrou em cena. O Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual já haviam recomendado o uso da Força Nacional, como forma de pressionar o estado a atuar contra os bloqueios.

Quem estava à frente do Executivo era o vice-governador, Otaviano Pivetta, de Lucas do Rio Verde. Ele chegou a dizer que os atos violentos haviam sido causados por “infiltrados” nos movimentos bolsonaristas. Depois do início da operação, em coletiva de imprensa, ele disse inclusive, que aliados da cidade haviam reclamado da ação das forças de segurança. Pivetta, assim como os aliados e empresários de Lucas do Rio Verde envolvidos nas manifestações, é defensor de Jair Bolsonaro (PL).

Já de volta ao nosso destino, paramos para acompanhar a ação de desobstrução da pista em Lucas do Rio Verde, nos misturando aos manifestantes. Dois funcionários de multinacional da cidade acompanhavam a cena. Quando nos aproximamos, um deles comentou: “Eles estão agindo como se fossem bandidos. Nem se tivesse tudo isso de bandido aqui tinha tanta polícia. Sinceramente, não sei mais o que devemos fazer. Acho que só uma guerra civil mesmo”, reproduzindo a fala de muitos.

Sem querer, um dos membros da nossa equipe deixou escapar: “Mas se fosse uma manifestação de professores, já estaria todo mundo com bala de borracha na cara (!)”. O homem desconfiou quase que instantaneamente e indagou: “desculpe perguntar, mas vocês trabalham com o quê?”. “Somos vendedores de roupas, fomos fazer compras em Santarém”, disse nosso parceiro que usava uma camiseta do Ramones. Saímos de fininho, antes de a situação se agravar.

Passamos no momento em que a polícia liberava a pista

 

Os manifestantes que ali estavam, além de estarem abraçados à bandeira do Brasil, tinham também camisetas com os dizeres: “Movimento conservador de Lucas do Rio Verde – Deus, Família, Pátria e Liberdade”. Mas a gente sabe que em primeiro lugar, vem Bolsonaro.

Chegando no próximo destino, Nova Mutum, mais um tempo na fila: bloqueio total, até que líderes do movimento na cidade definissem o destino dos motoristas. Então, uma viatura da PRF surgiu e de megafone, anunciou que estava liberado para carros de passeio. Foi a deixa.

Rastros de atos de vandalismo foram deixados ao longo da rodovia. Este, próximo a Nova Mutum

Contornando o bloqueio na rodovia, no perímetro urbano da cidade, avistamos aqueles que acreditamos, sejam os tomadores de decisão. Transitamos por lá e ao perguntar para o primeiro caminhoneiro na fila no lado contrário há quanto tempo estava ali – era aproximadamente 13h – ele disse que estava lá desde às 10h. “A PRF esteve aqui, mas não deu nada. A gente continua sem poder seguir viagem”, disse em tom abnegado.

Em Nova Mutum, grupo parecia definir o destino dos motoristas

A propósito, perguntamos para alguns produtores rurais que encontramos pelo caminho o que Bolsonaro havia feito por eles. Ninguém soube explicar. De maneira leviana, o máximo que conseguiram alegar foi a criação do Pix, porém, nem isso, já que o Pix é um projeto que vem sendo desenvolvido desde o governo de Michel Temer. Mas aqueles que já passam a olhar o governo de Bolsonaro de maneira mais crítica – muito chateados com a ausência dele – revelam que a única coisa que mais esperaram, não aconteceu: titulação de terras.

Mas será mesmo que esse pesadelo nas estradas havia acabado com as novas intervenções das forças de segurança?

No dia 22 de novembro, logo que os bloqueios foram liberados, uma mensagem que circulou no WhatsApp dizia: “a brincadeira acabou. A partir de hoje vamos fazer diferente. A polícia são covarde (sic). Agora vai ter derramamento de sangue”.

Elencou várias empresas, em que botariam fogo nos caminhões, como a Martelli, Transporte Transoeste, Transcal Rodovia, Rodo Líder, Transvall, Belluno Transporte, Cimento Votorantim, Lucesi, G10, Comando Diesel, Amaggi, Bom Futuro, Comelli, entre outros.

E assim foi feito, no mesmo dia, atiraram em um caminhão da Martelli e, recentemente, no domingo (27), um comboio de caminhões do Grupo Amaggi foi alvejado com tiros em Novo Progresso. Para os golpistas, empresas que não aderiram, são empresas apoiadoras de Lula.

Caminhão da Martelli à esquerda e da Amaggi, à direita (Reprodução)

“E é só uma alerta para as empresas que não aderiram ao movimento e são de esquerda. Vamos ponhar (sic) fogo nesses caminhões e nas bases das polícias rodoviárias federais porque eles não têm efetivo para combater o bom combate”.

Em post no Instagram, o ruralista Raijan Mascarello havia ameaçado novas ações terroristas. Disse que caso até dia 30 de novembro, caso as eleições não fossem anuladas, iriam fazer uma paralisação nacional em todas as rodovias. Todos os veículos de carga serão parados”. O que não ocorreu. Mas quando chega o fim de semana, vem a insegurança de viajar pelas estradas de Mato Grosso.

“Agora é paz ou guerra! Não teremos nenhum receio com enfrentamentos. Onde não existe a lei, o que manda é a coragem. Ou lutamos agora, ou morremos depois”, diz ao encerrar a mensagem.

Enquanto a organização criminosa que financia esses atos não é desarticulada num todo – Bolsonaro, como um vampiro, seguirá se alimentando dessa alucinação coletiva. Mas seu tempo acaba em 31 de dezembro, quer os golpistas queiram, quer não.