Enchentes e secas representam 75% das catástrofes climáticas, que se multiplicarão devido ao aquecimento global, aponta ONU

Bairro em Rio Branco atingido por enchente. Foto: Pedro Devani/Secom-AC

Por Cley Medeiros

As chuvas que causam uma série de enchentes e deslizamentos de norte a sul do país estão se tornando cada vez mais perigosas devido ao grave cenário de desordenamento urbano, falta de planejamento e omissão das autoridades em implantar métodos eficazes de atendimento rápido, como a instalação de sirenes e notificações que chegam à tela do celular com pelo menos 1 hora de antecedência.

Só um terço das cidades brasileiras classificadas como críticas para enchentes tem sistema de alerta de riscos para esse tipo de evento, como alarme e sirenes. Os dados, informados em 2020, são de levantamento feito pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

É consenso de que, mesmo com os sistemas de alerta implantados, ainda ocorrem falhas, como nos casos de São Sebastião (SP) e do deslizamento no Rio de Janeiro. Em ambos os casos, moradores afirmam que as sirenes não tocaram, e, em alguns locais, só tocaram minutos após o desastre ter feito a primeira vítima.

“Normalmente, envia-se um alerta por SMS quando alguma emergência vai acontecer. Mas o que significa a informação de que irá chover 600 mm em uma hora? Será que as pessoas entendem o sentido disso?”, questiona Victor Marchezini, professor do Programa de Pós-Graduação em Desastres Naturais da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp).

Nos dias que se seguiram à tragédia no litoral norte de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) reconheceu que o sistema de alerta por SMS, usado para avisar a população quanto ao risco de acidentes devido à chuva, não funcionou, e que isso contribuiu para as mortes. Segundo a Defesa Civil de São Paulo, 14 alertas foram enviados por mensagens de texto a 34 mil telefones cadastrados.

O prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), foi questionado por jornalistas sobre a ausência de um sistema de sirenes na cidade, que registrou 65 mortos devido aos deslizamentos. “Você acha que sirene salva vidas?”, respondeu o prefeito.

Segundo dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE, somente 6,2% dos municípios brasileiros têm planos para lidar com a redução de riscos de desastres.

Agentes da Polícia Militar e Defesa Civíl fazem trabalho de busca e desobstrução em encosta na Barra do Sahy, em São Sebastião. Crédito: Sérgio Barzagui/Governo do Estado de São Paulo

ONU quer sistemas de alerta em todo o mundo contra catástrofes climáticas

Em 2021, a ONU estabeleceu uma meta ambiciosa de que até 2027 todas as pessoas do planeta fossem alertadas para a iminência de uma catástrofe climática, um programa orçado em 3,1 bilhões de dólares (cerca de R$ 16,3 bilhões no câmbio atual).

O investimento bilionário para conter enchentes e secas representa 75% das catástrofes climáticas, que se multiplicarão devido ao aquecimento global, diz ONU.

O princípio das estruturas de alerta parece simples: avaliar a ameaça com base na coleta sistemática de dados, detectá-la por meio de modelos de previsão meteorológica, preparar previamente a população e prevenir o perigo para que possam adaptar seu comportamento.

“Alcançar os pobres, o último quilômetro, e fazer com que ajam e se preparem é um grande desafio”, disse Stefan Uhlenbrook, diretor de água da OMM, à AFP.

Desastres podem ser evitados

Desastres como o ocorrido em Manaus, no Amazonas, que deixou centenas de desabrigados e mais de onze mortes, e as enchentes no Maranhão, que isolaram comunidades quilombolas e rurais, se tornam recorrentes na medida em que a adoção de políticas públicas, como a de moradia popular, é ignorada.

Já está claro que o modo como ocorre a expansão urbana em uma determinada localidade será um elemento determinante para mitigar ou potencializar os efeitos de um eventual evento extremo. Se menos pessoas naquela população tiverem acesso à moradia, maiores são as chances de que ocorra a ocupação de zonas de risco, como áreas de morro, suscetíveis a deslizamentos, ou áreas alagadiças, com perigo de inundações, como aponta o jornal da Unesp.

“Nós tendemos a culpabilizar a chuva, um fenômeno natural, como se ela tivesse a racionalidade de causar mortes. Mas assim deixamos de pensar de quem é a responsabilidade por essas mortes, seja dos governos municipais, estaduais e federal, das empresas, dos loteadores ou de outras entidades”, afirma o professor Victor Marchezini.

Dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres apontam que, entre 2013 e o início de 2023, foram realizados 28.033 registros decretando situação de emergência e estado de calamidade pública. Apesar do alto número, Marchezini ressalta ao jornal da Unesp, que nenhum desastre pode ser considerado “natural”.

Para o pesquisador, é preciso que as autoridades dobrem a preocupação com cenários de risco e implantem métodos que incluem itens como:

  • Envolver a comunidade em um processo de ‘alfabetização’ sobre os alertas e cenários de risco
  • Implantar um sistema nacional para gestão de riscos
  • Emergência permanente

    A ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, disse que o governo debate internamente a edição de um decreto para reconhecer estado de emergência climática em 1.038 municípios mapeados como mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.

    Ao lado do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, ela visitou os municípios de Rio Branco (AC) e Manaus (AM) neste domingo, afetados pelas chuvas no fim de semana.