Ato de indigenistas em frente à Funai, em Brasília (INA)

O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips causou revolta no Brasil e internacionalmente, e expôs, novamente, a fragilidade que defensores da Amazônia e das florestas passam no país ao lutar contra o avanço do agronegócio, o garimpo e caça ilegal, contra grileiros e madeireiros e uma série de ameaças que rondam a região e outros biomas brasileiros ameaçados. Um grupo de sertanistas e indigenistas escreveu uma carta criticando o governo brasileiro e lembrando do trabalho importante de Bruno e de Dom, que perdeu a vida nesse crime bárbaro e, infelizmente, comum na região.

Leia a nota

É com imensa tristeza, revolta e indignação que nos somamos a tantas vozes nesse momento de profunda dor. Bruno Pereira e Dom Phillips tiveram suas vidas interrompidas de forma brutal por acreditarem e lutarem por um Brasil mais justo, com respeito às populações tradicionais e seus modos de vida, por uma floresta em pé.

Atividades ilegais e ameaças já haviam sido denunciadas por Bruno às autoridades e nada foi feito. Em um governo que é conivente com madeireiros, garimpeiros, invasores de terras indígenas, a omissão não foi descaso, mas método.

Não é de hoje que vemos defensores dos direitos humanos, ambientalistas, indigenistas, indígenas, jornalistas, extrativistas sucumbirem. O Brasil, aliás, na gestão de Bolsonaro bateu recorde de violência contra comunidades tradicionais e de agricultores familiares, como revelou recentemente o último relatório sobre o tema elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em 2021, cresceram em 1.110% as mortes consequentes de conflitos no campo dos quais se destacam dois massacres de indígenas e sem-terras. Foram mais de duas execuções por mês na Amazônia Legal e se instalou o pior cenário já registrado pela CPT desde que o levantamento começou a ser feito, em 1985.

Bruno e Dom agora se somarão a esses números que escancaram a trágica realidade do nosso país. Mas não podemos deixar que essas histórias de lutas e compromissos sejam esquecidas. Dez dias depois do relato do desaparecimento de Bruno e Dom, as investigações levaram a restos mortais dos nossos companheiros. Mas não fosse a omissão e morosidade do Estado no início das buscas talvez a angústia durasse menos. Não fosse o esforço hercúleo das equipes indígenas da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) talvez ainda aguardássemos por notícias.

Diferentemente do Estado, para o qual Bruno serviu por tantos anos na defesa dos povos isolados, como servidor da Funai, a Univaja não mediu esforços para encontrá-los. Repudiamos a forma como as equipes oficiais de buscas ignoraram, na coletiva realizada na última quarta-feira (15), esses importantes e incansáveis agentes, cujo trabalho foi essencial para o andamento das ações.

Repudiamos ainda o vergonhoso papel desempenhado pelo representante maior do Governo Federal neste caso, seja diminuindo o trabalho que Bruno fazia naquela região, seja desqualificando a Univaja. A Funai, ao contrário do que aconteceu, deveria ter colocado seus recursos à disposição das buscas. No entanto, o desmantelamento do órgão e o alinhamento político com questões contrárias à missão que deveria seguir, impedem que este esteja a serviço dos povos indígenas e seus servidores.

Neste momento, cabe esperar que os trabalhos investigativos tenham, de fato, continuidade. São muitas as perguntas sem respostas. Foi um crime político? Quem mandou matá-los? Qual o plano de proteção desses territórios pelo atual governo? Por quanto tempo as equipes continuarão na região? Há segurança para os povos indígenas e populações tradicionais que lá vivem e transitam por estes rios?

Em respeito a mais de um século de política indigenista, em solidariedade aos povos indígenas e aos indigenistas que permanecem compromissados com a causa, não poderíamos ficar calados diante de tal atrocidade cometida contra um legítimo representante dos povos indígenas.

Confiamos que as comissões recém formadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal nos ajudem a manter o assunto na ordem do dia e que as respostas sejam encontradas. Não podemos permitir a banalização da violência como em curso no nosso país. Com dor e pesar por Bruno e Dom, por tantos que já tombaram, não podemos permanecer calados, inertes.

Exigimos respostas.

Eloísa Meireles                                    Hugo Meireles
Cildo Meireles                                      Sydney Possuelo
Bolivar Soares de Meirelles                 Noel Villas Boas
Tainá Meireles