O Governo Bolsonaro não está preocupado com a qualidade da carne que você consome. Mais um projeto da “boiadinha” do Senado acaba de ser votado, sem passar pelo plenário. Ele isenta do governo a responsabilidade de realizar a fiscalização sanitária do agronegócio. Ao invés de o governo aumentar sua capacidade técnica de fiscalização e controle, prefere deixar que o próprio agro cuide disso. Daí, é contar com a sorte, pois não será o Estado que vai dizer se a carne atende a padrões de qualidade ou a requisitos de segurança exigidos ao consumo, por exemplo.

Assim, o Projeto de Lei 1.293/2021 beneficia os gigantes do agronegócio, pois permite a aprovação automática de registro para produtos com padrões normatizados e prevê a contratação de especialistas da iniciativa privada para avaliar os casos.

O relator da proposta de autoria do Governo Federal é aliado de Bolsonaro, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS). O PL tramitou em caráter terminativo, ou seja, não precisou ser votado no plenário. Aprovado na Comissão de Agropecuária e Reforma Agrária (CRA), ele irá a sanção do Executivo, que teve a “ideia”.

Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que na comissão votou contra o PL, consumidores brasileiros estarão sujeitos a mais riscos a partir da “omissão estatal” em cumprir sua missão, enquanto a fiscalização estatal será mantida para os produtos exportados.

“Os produtos que vão ser exportados vão ter vigilância. Você que compra carne aqui no Brasil, no seu açougue, cuidado que não vai ter fiscal. O Estado não vai estar presente para dizer se tem brucelose, tuberculose”, afirmou à Agência Senado.

Mesmo com a aprovação do Projeto de Lei do Autocontrole (por 9 a 2), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários, o ANFFA Sindical, adianta que já está em contato com senadores contrários ao projeto para que entrem com recurso para levá-lo à apreciação no plenário. Tendo em vista o poder terminativo da CRA, será aberto prazo para a interposição de recurso, por pelo menos nove senadores, para que a matéria seja apreciada por todos os parlamentares.

Ao Brasil de Fato o presidente do ANFFA , Janus Pablo, disse que a iniciativa ameaça a segurança alimentar do país e compromete a qualidade dos alimentos ao transferir a terceiros a responsabilidade pela fiscalização, por exemplo, do manuseio da carne em frigoríficos.

“Estamos falando de hormônios, de antimicrobianos, de antiparasitários que deixam resíduos nas carnes, ovos, leite e outros alimentos que consumimos”.

Junto a outras 13 entidades, o ANFFA já havia alertado sobre a proposta antes da votação na Comissão de Agropecuária. O grupo que incluiONGs em defesa da causa animal, defesa de consumidores e representações dos auditores-fiscais, fiscais agropecuários e trabalhadores da indústria de alimentação, enviou uma carta aos senadores e senadoras alertando sobre os riscos para a saúde animal e humana caso fosse aprovado o Projeto de Lei 1.293/2021, que flexibiliza a fiscalização agropecuária por meio de programas de autocontrole geridos pelas empresas do setor.

“Prevê que as próprias empresas informem ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) sobre as condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos. Para as ONGs, os sindicatos e as entidades, porém, a proposta não só reduz a fiscalização, principalmente em abatedouros, como pode ampliar o sofrimento aos animais e trazer graves riscos à saúde da população brasileira.

O documento é assinado por Animal Equality, Proteção Animal Mundial (World Animal Protection), Mercy For Animals, Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Alianima, Sinergia Animal, Associação dos Fiscais Agropecuários do Rio Grande do Sul (AFAGRO), Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (ANFFA SINDICAL), Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), Núcleo de Justiça Animal da Universidade Federal da Paraíba,  Instituto Protecionista S.O.S. Animais e Plantas, Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba (AMVAP), Instituto Akatu e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).

O texto ainda cita que a falta de fiscalização adequada acaba contribuindo para que a capacidade plena de os animais sentirem dor e sofrimento seja negligenciada com operações inadequadas de abate. Também destaca que a indústria de produção de alimentos de origem animal “frequentemente não cumpre sua responsabilidade na preservação do meio ambiente e na proteção dos animais”.

Outro ponto mencionado no documento é que o governo federal vem reduzindo os investimentos destinados à fiscalização agropecuária. De acordo com dados do Portal da Transparência, o total investido em defesa agropecuária caiu de aproximadamente R$ 87,3 milhões, em 2014, para R$ 1,57 milhão, em 2022.

“Deixadas por si, as empresas só farão o suficiente para manter os animais vivos e no peso desejado até o momento do abate. A fiscalização externa governamental é, portanto, estratégica para assegurar o direito dos consumidores de terem sua saúde preservada e para proteger os animais da crueldade e de condições sanitárias e de bem-estar inadequadas que prejudicam sua saúde física e bem-estar psicológico”, concluem as entidades.