Cientista de fogo reúne aqui algumas fake news que chegam a irritar de tão absurdas

(Inpe/Queimadas)

Ane Alencar, cientista de fogo, esclarece algumas fake news sobre fogo que são ditas por aí. Para você combatê-las, trazemos aqui dados científicos.

“Satélite pega as pessoas queimando lixo atrás de suas casas. É por isso que tem tanto fogo no mapa”.

Tem gente que diz que esses focos aí no mapa são pessoas queimando lixo. Na verdade, o satélite utilizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para detectar fogo ativo, pega frentes de fogo de no mínimo 30 metros, uma queima de lixo de 30 metros seguindo adiante na linha de visão, não dá nem pra imaginar. Seu churrasco não vai pegar.

Hoje a gente tem muito mais condições de identificar o que que está acontecendo em tempo quase real do que sempre tivemos, inclusive dá até para identificar o CPF da pessoa, o nome. Então, se não são responsabilizados, é muito mais uma questão de impunidade mesmo. É preciso que haja encaminhamento dos processos, se não, essas pessoas vão achar que o crime está compensando.

“A Amazônia não queima”

A Amazônia não queimaria se não tivesse o bicho homem. O ser humano e as atividades humanas mudando a estrutura da paisagem, mudando as condições em que a Amazônia não queimaria, ela não era pra queimar. Porquê é uma floresta tropical úmida, mas acontece que o desmatamento causa uma fragmentação da paisagem. A borda dessa floresta fica mais sensível ao fogo, as pessoas usam o fogo por isso tem a fonte de ignição que vai escapar e entrar na borda dessa floresta.

As pessoas exploram a madeira de uma forma que não é uma forma sustentável, é convencional, que tira muitas espécies por hectare e deixa a floresta toda estragada, abrindo o dossel, a copa das árvores, entrando mais ar quente com aquele material quente, quebrado… Um material combustível perfeito para o fogo. Realmente, se não existisse atividade humana mexendo com essa floresta e impactando a resiliência dessa floresta ao fogo, não teria fogo na floresta.

Ou então, “ribeirinhos estão queimando a Amazônia”

Essa é a pior de todas. Primeiro que os ribeirinhos são uma população pequena comparada a dos pequenos, médios e grandes produtores da região em termos de área que ocupam. Eles desmatam no máximo 1 hectare por ano para subsistência em áreas que são normalmente bem florestadas, onde a floresta é mais resistente ao fogo. Muito diferente de hectares e hectares de floresta sendo desmatados. No Sul do Amazonas, em áreas de floresta pública, tipo 2 mil hectares desmatados. Você acha mesmo que quem faz isso é ribeirinho? Precisa de logística, equipamento, dinheiro pra fazer isso. O que um grileiro desmatou, como 2 mil hectares, precisaria de 2 mil famílias de ribeirinho pra fazer, no mínimo. Então, essa comparação é desproporcional.

Os indígenas também levam a culpa, não é?

O fogo é uma ferramenta de manejo tanto dos indígenas quanto dos pequenos produtores. Só que os indígenas dominam a técnica. Se a gente olha para a Amazônia, tem várias vegetações do tipo Cerrado e os indígenas dominam manejo do fogo, nunca queimam no período de seca extrema. Eles sabem que se isso sair do controle, a casa deles vai estar em perigo, a comida deles vai estar em perigo. Tem consciência e sabedoria ancestral. Então, queimam em outro período, por exemplo, quando vai chover. Eles têm essa noção do manejo integrado do fogo como parte de sua cultura. Queimar no período errado significa perder fonte de comida, perder sua casa, sua fonte, material que cobre a sua casa, com o qual você faz artesanato.

“Boi bombeiro reduz incêndios?”

A área de pastagem e o numero de cabeças de gado tem aumentado nos últimos anos. E isso de nada impacta na redução do fogo. Não ajudou a reduzir o fogo de 2019, nem de 2020, por exemplo, quando o Pantanal foi assolado por tragédia histórica. Além disso, ficou comprovado que os incêndios iniciaram em propriedades privadas que tinham como principal uso da terra, justamente a pecuária. Também houve corte orçamentário para o Prevfogo que acabou impactando a mobilização, o numero de brigadistas e a infraestrutura para o combate ao fogo.

“Outros países falam do Brasil, mas lá não param de queimar”

Bem, primeiro que os incêndios que afetaram a Europa esse ano e os Estados Unidos, como na Califórnia, são decorrentes principalmente da forte onda de calor que tem afetado esses países. Apesar de serem incêndios desproporcionais, a vegetação atingida tolera o fogo. Ecologicamente falando são ecossistemas que são adaptados ao fogo. Totalmente diferente da Amazônia que é um ecossistema sensível ao fogo. Em todo o caso, independentemente do que as pessoas de fora do Brasil pensam do fogo aqui, nós brasileiros deveríamos nos preocupar com o desperdício que tem sido gerado pelo desmatamento descontrolado que acaba gerando mais queimadas e mais incêndios.