Por Fernanda Damasceno

De acordo com a pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, desenvolvida pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e a Terra de Direitos, a média anual de assassinatos de integrantes de comunidades quilombolas no Brasil praticamente dobrou nos últimos cinco anos, se comparado ao período de 2008 a 2017. 

O Brasil tem 1,3 milhão de pessoas que se identificam como quilombolas, de acordo com o Censo do IBGE e cerca de um terço dessa população vive na Amazônia Legal.

Dados Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pelas titulações dos territórios quilombolas, a região amazônica possui 148 quilombos titulados, que abrigam 11.754 mil famílias. Além disso, existem outros 583 processos de titulação em andamento na região.

O que são quilombos

Censo 2022 traz dados inéditos sobre população quilombola – Foto: Jessica Cândido Agência/IBGE Notícias

Tradicionalmente, os quilombos surgiram na época do Brasil Escravagista, quando os portugueses trouxeram a força milhares de pessoas da África, submetendo-os à escravidão quando chegavam no Brasil. 

Aqueles que conseguiam fugir, formavam os quilombos, territórios onde viviam em comunidade, criando um espaço de luta e resistência onde podiam viver com outras pessoas de seu antigo continente e, até mesmo, indígenas que também se encontravam em situação de fuga. Nesses espaços, as pessoas podiam, ainda que com limitações, exercer com mais liberdade sua cultura, religião e idiomas.

Cem anos depois da abolição da escravidão, a Constituição de 1988 criou a nomenclatura “comunidades remanescentes de quilombos” para se referir aos descendentes desses povos que ainda viviam nos quilombos. 

Os quilombolas atuais teriam, portanto, ligação direta com pessoas negras que resistiram à escravidão portuguesa no Brasil, e mantém em seus territórios o respeito à ancestralidade e às histórias das lutas que os antecederam. 

Escudo ambiental

De acordo com levantamento feito pelo InfoAmazonia, as taxas oficiais de desmatamento de 2008 a 2021 do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (Prodes), do Instituto Espacial de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que:

99% dos territórios quilombolas estão com a vegetação preservada e criam escudos de preservação na Amazônia.

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a InfoAmazonia teve acesso aos dados com os limites geográficos de 144 terras quilombolas, entre tituladas e em processo de titulação.

“Os moradores dos territórios não têm grande capacidade de investimento, eles abrem pequenos roçados, muitos localizados, para plantar mandioca, pimenta, para subsistência. Você pode observar que esses registros são muito pequenos, de menos de um quilômetro na maioria das vezes”, explica Luis Maurano, tecnologista sênior do Inpe.

Ainda de acordo com a InfoAmazonia, a regularização das terras pode ser um poderoso instrumento para manter a floresta em pé. 

Os quilombolas defendem que os processos sejam desburocratizados e que o governo federal invista nos órgãos de regularização e proteção da memória dos quilombos.

“A titulação integral dos territórios é garantia de segurança à vida dos quilombolas, uma vez que retira suas terras do mercado e aumenta a autonomia de gestão das áreas, e com isso diminui o assédio de grileiros, da especulação imobiliária. No entanto, para enfrentar a violência contra quilombos é necessário também que os territórios quilombolas também sejam local de desenvolvimento de políticas públicas, como de prevenção à violência contra a mulher, de proteção a defensores e defensoras de direitos humanos, e outras políticas em que se reconhece as realidades específicas deste público”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Kathleen Tiê.

Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil

Imagem: pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, da Terra de Direitos e Conaq.

A pesquisa desenvolvida pelo Conaq em parceria com a Terra de Direitos, citada no início desta matéria, mostra a importância de proteger os territórios e os quilombolas da violência

O Quilombo Cedro, em Arari, no Maranhão, é um triste exemplo disto. Juscelino Fernandes Diniz e Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes, lideranças da comunidade que denunciavam o conflito agrário com grileiros, pai e filho foram assassinados na frente da família por pistoleiros encapuzados que invadiram sua residência.

Mesmo depois dessa brutalidade, o problema ainda não foi resolvido pelas autoridades e, ano passado, José Francisco Lopes Rodrigues, conhecido como Quiqui, também do Quilombo Cedro, foi assassinado em sua residência por um pistoleiro.

De acordo com a Fundação Palmares, há 1.805 processos abertos no Incra para regularização fundiária de territórios quilombolas.