Foto: @jorgehenriquedf

Médicos, enfermeiros, assistentes sociais, fisioterapeutas, farmacêuticos, entre outros recém formados se reuniram em frente ao Ministério da Saúde, na Esplanada dos Ministérios, mantendo o distanciamento, e exibindo cartazes com frases de protesto.

O protesto acontece porque os residentes estão sem receber salários há dois meses, em todo o país. Cerca de 60 programas passam por esta situação, atingindo cerca de 10 mil residentes.

Um manifesto do Fórum Nacional dos Residentes em Saúde divulgado hoje afirma que muitos estão em processo de endividamento e sofrimento mental e que, em alguns casos, o atraso leva ao “próprio abandono do Programa de Residência pela impossibilidade de prover o sustento mensal básico”.

Leia o manifesto na íntegra

CARTA ABERTA DO FÓRUM NACIONAL DE RESIDENTES EM SAÚDE
PARALISAÇÃO NACIONAL DAS/OS RESIDENTES EM SAÚDE, EM DECORRÊNCIA DO NÃO-PAGAMENTO E ATRASOS NAS BOLSAS-SALÁRIOS DE RESIDENTES EM TODO O BRASIL

Ao Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, Conselho Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde, Coordenações de Residência em Saúde (COREMUs/COREMEs), Fórum Nacional de Tutores(as) e Preceptores(as), Fórum Nacional de Coordenadores(as) de Residência, Conselhos das categorias profissionais e população em geral.

Considerando a Lei No 7.783, de 28 de Junho de 1989;

Considerando que é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;

Considerando que a Residência Multiprofissional constitui modalidade de ensino de pós-graduação, o que NÃO retira o direito de paralisação das atividades, haja vista a busca por melhores condições e o cumprimento das legislações vigentes, assegurada pelo Código de Ética dos Conselhos de Classe aos quais os residentes – que são profissionais / trabalhadores – estão inscritos;

Considerando o Código de Ética dos Profissionais que integram as profissões da Saúde, de acordo com Resolução 218/1997 do CNS;

Considerando que compete aos Coordenadores dos Programas de Residência responsabilizar-se pela documentação do programa e atualização de dados junto às instâncias institucionais locais de desenvolvimento do programa e à Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde;

Considerando o NÃO pagamento das bolsas aos Residentes e/ou o pagamento irregular;

Considerando o período para pagamento das bolsas de Residência, conforme disponível no Manual de Orientações para Cadastramento de Residente no Sistema de Informações Gerenciais de Residências (Sigresidências) e Procedimentos para Pagamento de Bolsas;

Considerando o informativo sobre concessão da bolsa no mês de março e/ou abril, disponibilizado no site SIGRESIDÊNCIAS na data de 07 de Maio de 2020;

Considerando o fato de que muitas/os residentes se encontram sem condições concretas de realização das suas ações, agravadas pela não possibilidade de deslocamento, alimentação, aluguel, dentre outros custeios fundamentais;

Considerando a Resolução N° 3 da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde de 04 de Maio de 2010, que versa sobre a carga horária teórico-prática: “São conteúdos formativos, as ações de prática coletiva e políticas públicas do Sistema Único de Saúde – SUS”, sendo, portanto, assegurada a participação do (a) Residente em espaços de controle social e participação popular, mobilização em defesa do SUS, excluindo-se a necessidade de reposição,

O Fórum Nacional de Residentes em Saúde (FNRS) deliberou em reunião no último dia 08 de maio Paralisação Nacional de Residentes em Saúde, com início imediato para o dia 11 de Maio, frente o não pagamento integral das bolsas-salários de todas/os as/os residentes até o recebimento das bolsas por parte de todos os residentes do Brasil e respalda a todas as paralisações anteriores a essa data, devido a falta de recurso para locomoção até os serviços.

Desde nossas mobilizações organizadas no dia 24 de abril deste mesmo ano, expomos nossa indignação diante do descompromisso persistente colocado para milhares de profissionais da saúde devido ao não pagamento bolsas-salários atrasadas há dois meses. Entende-se que esse descomprometimento se dê por parte das instituições pagadoras das bolsas-salários como o Ministério da Educação, Secretarias Estaduais de Saúde, Secretarias Municipais de Saúde e, em destaque, o Ministério da Saúde, mas também por parte de diversas Instituições Formadoras e suas Coordenações de Residências Uniprofissionais, Multiprofissionais e Médicas que efetivaram tardiamente o cadastro dos residentes em saúde ou, ainda, que têm operado com pouca transparência diante da situação penosa em que se encontram aqueles/as sem salário e sem previsão de recebimento.

As residências em área profissional de saúde são iniciativas dos Ministérios da Saúde e da Educação, criadas a partir da promulgação da Lei no 11.129, de 2005 e orientadas pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), como modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, caracterizado por ensino em serviço, com carga horária de 60 horas semanais, duração mínima de 2 anos e abrangência para diversas profissões, sendo todas elas essenciais para a qualificação das práticas em saúde em todas as regiões do país e significativamente relevantes durante o contexto de pandemia do COVID-19, que se coloca há meses no reordenamento delicado da vida da população e dos serviços de assistência em saúde.

Conforme já denunciamos no mês de abril, o atraso de bolsas das residências em saúde para os residentes ingressantes nos programas foi banalizado enquanto processo comum e diminuído em sua importância, sob o pretexto de que o valor é integralmente depositado no dia de pagamento de bolsas em meses vindouros. Além de configurar uma grave quebra de direitos, compõe também uma condição de precariedade, tendo em vista que o contrato dos residentes é em sua ampla maioria determinado como dedicação exclusiva e desprovido de bonificações como vale-transporte e vale-alimentação. As principais consequências do não recebimento da bolsa-salário são: centenas de residentes em processo de endividamento, sofrimento mental e, em alguns casos, o próprio abandono do Programa de Residência pela impossibilidade de prover o sustento mensal básico e, inclusive, sem condições de ir aos campos de prática a trabalho. Esses, que já seriam transtornos em período típico, são intensificados em contexto de quarentena, no qual as dificuldades de locomoção e compras necessárias se tornam mais limitados e dispendiosos e, com o atraso de pagamentos, insustentáveis.

Ressaltamos o agravante colocado, ainda, para uma quantidade expressiva de profissionais residentes que pertencem a grupos de risco, a exemplo de gestantes e lactantes, que não contam com o devido amparo protetivo a ser garantido pelas coordenações, tutorias e preceptorias dos programas, como a alternativa de trabalho remoto, possível e pertinente por experiências já compartilhadas entre residentes nos diversos níveis de atenção à saúde e especialidades. Além disso, reforçamos a garantia do direito de afastamento para casos suspeitos ou confirmados de coronavírus como questão indiscutível na atualidade, uma vez que a superexposição é uma realidade insalubre que foi intensificada no trabalho em saúde. Para todas as situações elencadas, reivindicamos que não ocorra desconto salarial nem exigência de reposição de carga horária. Esta pauta emergente diante da pandemia se alinha ao obstáculo histórico do assédio, pois já foram constatados casos de constrangimentos e medidas arbitrárias, como aqueles de programas que pretendem impor aos residentes um período de férias de modo compulsório.

No último dia 24 de abril, as/os residentes estavam em paralisação nacional devido ao não pagamento das bolsas-salário de todas/os ingressantes em 2020. Mesmo aqueles que receberam, se juntaram às mobilizações on-line. Desde então, nosso acompanhamento dos casos registra o pagamento de alguns, mas para muitos a situação ainda permanece, isto é, profissionais atuantes na saúde já estão há mais de dois meses com suas bolsas-salários atrasadas ou receberam somente o valor correspondente a 01 bolsa, sem compensação do retroativo do primeiro mês trabalhado. Resgatamos que o atraso no pagamento das bolsas e as inúmeras inconsistências ocorrentes nos cadastros de residentes e nos devidos trâmites financeiros revelam não só o despreparo dos órgãos responsáveis sob atual gestão, mas também evidencia o sucateamento das condições de trabalho no Brasil. Persistem difusas as respostas de coordenações acerca da justificativa coerente para o não pagamento e sem afinidade com os pronunciamentos do Ministério da Saúde, que retorna à responsabilidade das instituições formadoras no cadastro fora de prazo ou equivocado.

Em recente publicação do Ministro da Saúde Nelson Teich, em uma de suas redes sociais, compromete-se a realização da regularização das bolsas-salários até o dia 15 de maio, alegando inconsistência nos dados das contas bancárias e CPF dos residentes, em cadastro realizado pelos/as próprios/as residentes ou pelas instituições de ensino de milhares de residentes, o que já aponta que a justificativa apresentada é no mínimo inconsistente, rasa e contraditória.

Para assumir as residências e trabalhar no campo da saúde, os profissionais vinculados cumpriram etapas e prazos dos processos seletivos, se comprometeram com o custeio de deslocamento de cidade e até Estado, habitação, transporte, alimentação e outros, para atender adequadamente os expedientes de trabalho e o cumprimento de carga-horária teórica, na garantia de recebimento da bolsa salário regularmente. Desse modo, é absurdo que até o presente momento as instituições não tenham cumprido os pagamentos nas datas anunciadas, assim como são os desvios nas explicações que não assumem falhas de sua competência e apelam à culpabilização individual de centenas de residentes por supostos cadastros mal efetuados. Lembramos que a suspensão da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), que cumpriria papel importante na articulação e resolução dos atrasos das bolsas, consolida um conjunto de ataques aos mecanismos de defesa de nossas pautas. O valor das bolsas não tem reajuste desde 2016 e passou, a partir de 2020, por diminuição no seu valor líquido, devido ao reajuste da alíquota de contribuição ao INSS de 11% para 14%.

Reiteramos que o recebimento da bolsa-salário se faz absolutamente indispensável para sobrevivência material dos residentes, já alocados nos seus respectivos campos de serviço e disponíveis para atividades diversas em todos os níveis de atenção.

Reafirmamos a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) alinhado com os princípios da Reforma Sanitária e denunciamos a situação de precarização do trabalho dos residentes e de todos os trabalhadores da saúde.

Declaramos nosso apoio aos coletivos estaduais e residentes que já iniciaram ou estão discutindo para a paralisações nos campos de práticas devido ao atraso de pagamentos, que se soma a muitas precariedades no cotidiano de enfrentamento a COVID-19 e a todas as outras demandas em saúde, como a falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).

Neste sentido, solicitamos integral apoio e manifestação a esta nota, por parte das Coordenações de Programas, Conselhos Profissionais, Movimentos Sociais e demais organizações, em cobrança de uma resposta efetiva junto a Coordenação Nacional de Residências (CNRMS) e ao próprio Ministério da Saúde.

Reforçamos que a Paralisação Nacional de Residentes em Saúde reivindica o pagamento integral das bolsas-salários de todas/os as/os residentes do Brasil, condições de trabalho e EPIs para todas/os as/os trabalhadores da saúde e a retomada da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS).

Já não é possível naturalizar o não cumprimento das atribuições mínimas por parte dos órgãos competentes, frente a problemas levantados há tempos que ainda permanecem sem resposta e caminham para o descrédito das declarações dos respectivos órgãos responsáveis.

A vida acima dos lucros!

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Brasil, 09 de maio de 2020.