Ao longo de 96 anos, apenas 5 diretores negros foram indicados a “Melhor Direção”

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Por Maria Antônia Diniz

A resposta para essa pergunta pode parecer bem óbvia. Afinal, dentre tantas produções que ganharam notoriedade em 2023, por qual outra razão não é preciso muito esforço para contar a quantidade de vezes que profissionais negros obtiveram destaque? Em 2024, os negros indicados nas categorias de maior destaque não somam mais do que 3% naquela que é tida como a premiação mais importante do cinema mundial. Mas, por quê? 

Balanço Histórico

A relação dos profissionais negros com o Oscar foi traçada ao longo de muitas décadas, atravessando inúmeras questões políticas, sociais e econômicas. Criada em 1927, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas tinha como objetivo principal a valorização do cinema enquanto indústria e arte respeitável, fomentando seu desenvolvimento. Logo, o Oscar foi criado para ser uma premiação anual que homenageia os filmes e os profissionais de maior destaque. A honraria não demorou muito para atrair atenção do público no mundo todo e ganhou grande visibilidade ainda no início da década de 1930. 

Se para profissionais brancos as perspectivas de trabalho eram difíceis de alcançar — muito em razão do mercado de oportunidades fechado — para os negros elas eram ainda mais reduzidas. Desde o início do século XX, a representação do negro em Hollywood era pautada em estereótipos negativos, como: submissão, preguiça e atrapalho cômico. 

Além disso, as convenções sociais influenciavam as relações de trabalho e impediam que, por exemplo, um ator negro aparecesse em cena ao lado de uma atriz branca sem que houvessem homens brancos no mesmo enquadramento. Por isso, muitos personagens de ascendência africana eram interpretados por atores brancos que recorriam ao blackface.  

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Para reforçar a segregação, o Código de Censura Oficial adotado por Hollywood em 1930 proibia papéis de protagonismo a atores negros, permitindo apenas papéis de submissão. Desse jeito, Hollywood se desenvolveu e se consolidou como uma indústria cinematográfica predominantemente branca e voltada para um público branco. 

Como exemplo da censura, “Aleluia” (1929) de King Vidor — sobre um agricultor que teve sua vida arruinada por uma jovem ambiciosa — contou com um elenco em sua maioria negro. Porém, mesmo sendo um grande sucesso de crítica e de público, o filme recebeu apenas uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Direção. Vale ressaltar que Vidor era um homem branco e foi duramente criticado pelo movimento negro por reforçar representações estereotipadas. 

Não demorou muito para que alguns diretores contornassem a censura imposta pelo código. Em 1940, Hattie McDaniel se consagrou como a primeira afro-americana a ser indicada e ganhar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua performance em “… E o vento levou” (1939) com a escravizada “Mammy”

Apesar da comoção, a vitória de McDaniel teve um sabor amargo: ela continuou sendo chamada para interpretar serventes e foi acusada pelo movimento negro por ajudar a propagar estereótipos. Certa vez, disse “Prefiro interpretar uma criada a trabalhar como criada”. 

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O número de indicados negros ao Oscar cresceu nos anos 1950, contudo, ainda com papéis atrelados à representações negativas. A exceção à regra foi Sidney Poitier, que alcançou prestígio junto à crítica e passou a receber grandes ofertas de trabalho por sua indicação à categoria de Melhor Ator pelo drama “Acorrentados” (1958), onde interpretou um prisioneiro em fuga preso a um criminoso branco. Em 1963, Poitier se tornou o primeiro negro a ganhar um Oscar de Melhor Ator, por sua atuação em “Uma voz nas sombras” (1963).

O processo de indicação

Para entender um pouco mais os debates raciais que rodeiam o Oscar, é preciso saber mais sobre como funciona o processo de nomeação. Basicamente, para ser considerado para uma nomeação, a produtora ou distribuidora do filme deve submeter à Academia um documento chamado Official Screen Credits (OSC) até o início de dezembro do ano que precede a cerimônia. 

Não basta conter apenas os créditos, mas deve provar que o filme cumpre os critérios básicos: ter mais de 40 minutos, ter sido exibido com cobrança de ingressos no Condado de Los Angeles e ter ficado em cartaz por pelo menos 7 dias seguidos. Tais regras se aplicam aos longa-metragem, a especificação muda conforme o tipo de filme. 

A partir do envio dos documentos, a PwC (empresa de auditoria) monta a lista de candidatos. Quem escolhe são os membros da academia. Cada membro pode escolher até cinco nomeados que devem ser categorizados a partir de suas preferências. Atores só podem nomear atores, diretores nomeiam diretores e assim por diante. 

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Geralmente, os membros fazem parte da indústria do cinema: roteiristas, produtores e diretores precisam ter no mínimo dois créditos em longas, e atores precisam ter tido papéis em pelo menos três produções. Para fazer parte, é preciso receber um convite ou ser indicado por um membro votante. 

Atualmente, a Academia conta com 17 setores específicos e 10,5 mil membros votantes das mais variadas nacionalidades. Destes, 39% são negros. Apesar de estar longe do ideal, a porcentagem representa um avanço, tendo em vista que até 2012 cerca de 94% dos membros era composto por pessoas brancas. 

Esnobados pelo Oscar 2024

Para finalizar, aqui estão listados algumas performances e filmes negros que foram esnobados pelo Oscar 2024: 

Wish – O poder dos desejos:

O filme, que foi totalmente esnobado pela Academia, é uma animação criada pela Disney para comemorar o centenário da marca. O longa, que tem como protagonista uma princesa negra latina, não foi indicado em nenhuma categoria do Oscar, nem mesmo em Melhor Canção Original. 

Foto: Divulgação

Viola Davis por “Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”:

Apesar de ter tido sua performance aclamada pela crítica, Viola Davis não foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e mesmo tendo feito muito sucesso com os fãs, a obra não empolgou os críticos e não foi indicada a nenhuma categoria do Oscar de 2024.

Foto: Reprodução

Fantasia Barrino por “A Cor Púrpura” 

O trabalho da atriz e cantora arrancou elogios da crítica, mas isso não foi suficiente para que a Academia a reconhecesse e a indicasse ao Oscar de Melhor Atriz. Além disso, apesar de ter sido lembrado com a indicação de Danielle Brooks na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, a Cor Púrpura está entre os ausentes. 

Foto: COURTESY WARNER BROS. PICTURES

Das 200 indicações de 2024, pessoas brancas são cerca de 80% do total. Ainda assim, o Oscar de 2024 é o 3º mais diverso em questão de representatividade, sendo superado apenas para a de 2021, quando o movimento Black Lives Matter estava a todo vapor. Certamente podemos contar nos dedos a quantidade de vezes que negros se destacaram no Oscar.

 Até quando?

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024