Foto: Denisa Sterbova / Cimi

Por Maria Vitória de Moura

Produzido pelo núcleo de pesquisas do observatório De Olho nos Ruralistas, o relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas” revela, de forma inédita, o nome de pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de sobreposição de fazendas em territórios delimitados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A pesquisa foi feita a partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). De acordo com dados levantados, o observatório De Olho nos Ruralistas identificou 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas, o que corresponde a 1,18 milhão de hectares. Desse total, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação. Palco do genocídio do povo Guarani Kaiowá, Mato Grosso do Sul é o estado com maior número de sobreposições, com 630 invasões. Em seguida vêm Mato Grosso, com 247, e Maranhão, 189.

Entre as áreas de imóveis rurais sobrepostas em terras indígenas, 18,6% são atualmente destinadas à produção agropecuária. Dessas, 55,6% são ocupadas por pastas, destinadas à pecuária, e 34,6% são plantações de soja. O agronegócio é um dos principais responsáveis pela invasão de terras indígenas no Brasil, mas esse não está sozinho. O relatório mapeia que grandes empresas nacionais e internacionais estão por trás das sobreposições.

Os conflitos e assassinatos no campo são consequencias diretas das ações dessas invasores, que estão se volvatando cada vez mais aos indígenas. Segundo o relatório Conflitos no Campo 2022, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 2019 para cá os indígenas são os mais atingidos pelos conflitos rurais, estando na mira das armas, do fogo e do agrotóxico como forma de serem obrigados a deixar seus territórios. Além disso, o desmatamento e a destruição ambiental é outra face diretamente ligada às invasões. Entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas.

A demarcação de terras indígenas é um dos pontos centrais da luta dos povos originários. Cerca 281 das 764 áreas identificadas nos registros da Funai aguardam a conclusão de seus processos demarcatórios, isso porque existe uma grande pressão para o desmonte das demarcações, tornando os processos ainda mais demorados, devido aos interesses do capital agrícola.

Dentro da política brasileira, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) é a face institucional da bancada ruralista, colocando dentro do Estado os interesses majoritários dos grandes latifundiários. Porém, para além da presença política, existe toda uma estrutura responsável por manter impunes os invasores e, ao mesmo tempo, barrar os processos de demarcação. O lobby favorável ao agronegócio é financiado por empresas brasileiras e internacionais, que utilizam dos povos, da terra e dos bens naturais brasileiros para lucrar cada vez mais.

O relatório aponta as principais multinacionais ligadas a fazendas incidentes em terras indígenas, sendo elas  Bunge, Amaggi, Bom Futuro, Lactalis, Cosan, Ducoco e Nichio. Para além das empresas agrícolas, bancos e fundos de investimento também estão diretamente envolvidos na pressão econômica contra as TIs. Itaú (por meio da subsidiária Kinea) e Bradesco são os principais nomes da lista, seguidos por XP, Gávea Investimentos, IFC e Mubadala.

Entre os pecuaristas estão fornecedores da gigante JBS, com incidência em duas terras indígenas na região Centro-Oeste. Também participam da invasão o setor de cana e etanol, com casos em Mato Grosso do Sul, Maranhão e Paraná. Porém não apenas empresas locais lucram e investem em produções realizadas em TIs. O relatório do De olho nos Ruralistas identificou a origem do capital de 130 indivíduos e empresas com sobreposição em TIs, com ligações com multinacionais e investidores estrangeiros em 14 países, desde Paraguai até Nova Zelandia.

Em 2022, o International Finance Corporation (IFC), fundo de investimentos em desenvolvimento vinculado ao Banco Mundial anunciou um aporte de US$ 30 milhões na Usina Santa Adélia, destinado à renovação das áreas de cana e à efetivação de um projeto de irrigação, com o propósito de “mitigar mudanças climáticas”. Outros US$ 20 milhões foram levantados junto ao banco holandês Rabobank. Acontece que a Usina Santa Adélia pertence à família Bellodi, de Jaboticabal (SP), que por sua vez possui seis sobreposições na TI Dourados-Amambaipeguá I, em Amambai (MS), ocupando parte do território dos Guarani Kaiowá.

Esses são apenas alguns dos exemplos mapeados pela organização De Olho nos Ruralistas. O relatório completo traça uma gigantesca rede de invasões ligadas a grandes empresas e grandes financiadores nacionais e internacionais, demonstrando como os setores agrícolas mobilizam recursos para travar processos na Justiça e impedir o reconhecimento de novos territórios, ao mesmo tempo que lucram com a exploração econômica das TIs.