Desmatamento e queimadas na Amazônia. Foto: Christian Braga / Greenpeace

Largamente utilizado por grandes pecuaristas para abrir pasto e áreas de plantação de soja, o método de colocar fogo em área verde se transforma em uma das piores alternativas para o meio-ambiente, além de atingir em cheio a imagem do agronegócio brasileiro em pleno período de crise mundial.

Em 2020, os recordes de focos de calor tendem a superar todos os cenários anteriores desde que a contagem começou a ser feita pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A Amazônia e o Pantanal estão entre os biomas mais atingidos, enquanto o Estado de São Paulo registra o pior cenário de queimadas desde 2014.

O alerta de que a situação climática pode ficar bem mais grave vem de todos os lados, inclusive da Agência Espacial dos Estados Unidos, a NASA. O especialista Douglas Morton, cientista do Departamento de Ciências e Biosfera da agência espacial, verificou que boa parte da fumaça de queimadas existe devido ao desmatamento. Clique aqui para conferir a matéria completa.

Para Cristiane Mazzetti, do Greenpeace, o fogo que ocorre no Pantanal e na Amazônia é resultado direto do desmatamento. “Segundo análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em 2019, 34% dos focos do ano caíram sobre áreas recém desmatadas, 30% como incêndios florestais, ou seja, em áreas que ainda são floresta e 36% para o manejo agropecuário”, explica.

Na Amazônia foram detectados neste ano 62.627 focos de calor, 10% a mais do que no mesmo período do ano passado e um recorde desde 2010, em uma das análises feita pelo Inpe. O Pantanal apresenta um crescimento de 210% nos focos de calor, se comparado ao mesmo período de 2019. A região registrou 14.489 focos de calor este ano, contra 4.660 em 2019.

A razão do fogo

A coivara é utilizada por séculos por indígenas ao longo da América do Sul para o plantio de raízes que acabaram por ser domesticadas. Como é o caso da palmeira de açaí, buriti ou bacaba, explica o professor Armando Silveira, da Universidade Federal do Pará, entretanto, o agronegócio brasileiro, com incentivos fiscais públicos, turbinou a técnica e a utiliza em velocidade industrial, e quase suicida.

Silveira é um dos principais técnicos em manejo sustentável do Pará. Lidera o Centro de Análises de Solo, capaz de avaliar condições adequadas da terra para o plantio. Ele atua no Departamento de Agronomia da UFPA.

“É a velocidade, o diferencial é que a coivara indígena tem uma velocidade menos intensa e é, em si, sustentável. Já o método do fogo utilizado em grande parte das propriedades rurais é controverso. O solo fica preparado para receber novas sementes, mas a qualidade dessas sementes pode enfraquecer com o tempo. É um suicidio para a terra, o que muitos agricultores não sabem”, diz Silveira.

Além de afirmar que no cenário atual das queimadas, devido ao período de estiagem, é utilizado para abrir pasto, o especialista aponta alternativas para o fogo, como a que já vem sendo executada em Roraima, por exemplo.

Por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), agricultores deste estado da Amazônia utilizam sistemas agroflorestais, plantio direto, trituração da capoeira e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), como métodos considerados ‘limpos’, que emitem pouco ou nenhum gás que contribui com o aquecimento global.

Apesar das tecnologias estarem disponíveis, não há incentivos para que os agricultores tenham acesso facilitado aos serviços. Em 2019, uma portaria da Embrapa passou a concentrar em Brasília este tipo de autorização. Até então, o serviço poderia ser solicitado no polo da Embrapa mais próximo da propriedade, e contava, inclusive, com apoio de técnicos da empresa pública.

Brasil já penaliza prática irregular de queimadas, mas multas despencam em 2020

A multa para quem descumpre as normas, que inclui avisar com antecedência de um mês vizinhos e autoridades sobre o fogo, pode chegar até R$ 50 milhões. O valor é considerado alto devido aos graves problemas para o meio-ambiente e também para a saúde. Uma pessoa pode ficar até três anos presa, se a Justiça considera gravíssimo o delito.

No Brasil, as queimadas estão proibidas até final deste mês. Mesmo com o decreto federal em vigor, as chamas continuam avançando e já destruíram, por exemplo, mais de 40% do parque onde há maior concentração de onças-pintadas do mundo, no Mato Grosso.

Nos últimos meses, surgiram indícios de que as queimadas que atingem o Pantanal são, em sua maioria, provocadas pela ação humana. É o que indicam, por exemplo, perícias conduzidas pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman), um órgão do governo do Estado do Mato Grosso. Os levantamentos usam imagens de satélite para tentar identificar a origem dos incêndios. Um homem foi preso até o momento.

Ainda assim, as multas despencaram de maneira drástica em um dos estados mais atingidos pelo ciclo do fogo: o Mato Grosso do Sul. A queda se reflete nas multas aplicadas: autuações relacionadas à vegetação (como desmatamento e queimadas ilegais) caíram 22% em 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado.

De 1º de janeiro de 2020 até a segunda-feira (14), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) aplicou 50 multas contra infratores do Mato Grosso do Sul, por violações envolvendo a vegetação. No mesmo período de 2019, foram registrados 64 autos de infração. A maior parte (65%) do bioma do Pantanal fica no território sul-mato-grossense.

Brigadistas voluntários disseram à reportagem que este dado é um reflexo do desmonte que está ocorrendo nos órgãos de fiscalização ambiental desde que o governo brasileiro adotou uma postura pró-agronegócio, incentivando, inclusive, a prática de grilagem de terras, apontado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). como um dos três grandes fatores da prática de queimadas.

“O que está acontecendo é que estamos atuando com toda a nossa força para conter o fogo, sem equipamentos de proteção, e com uma ameaça constante do fim do financiamento destas ações de combate. É muito triste”, conta um brigadista que preferiu não ser identificado.