Professores de escola atacada em Aracruz divulgam carta aberta em solidariedade às famílias das vítimas fatais do crime e com críticas à Secretaria de Educação do Estado

Protesto dos professores da escola Primo Bitti. Foto: Divulgação

Por Mauro Utida 

O ‘Massacre de Aracruz’ completa um mês no próximo domingo de Natal, dia 25, com o corpo docente da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, divulgando uma carta aberta em solidariedade às famílias das vítimas fatais do crime de ódio por um adolescente de 16 anos que invadiu armado as escolas em Coqueiral de Aracruz, no Espírito Santo, e assassinou quatro pessoas, entre estudantes e professores, além de deixar outras 12 vítimas feridas, incluindo dois alunos de 14 anos.

A carta dos professores também faz críticas diretas a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo que, segundo o corpo docente, não realizou nenhum contato individualizado com a equipe de profissionais da escola, além de diversas outras críticas que deixaram os profissionais e estudantes se sentindo abandonados. (Leia a carta na íntegra abaixo).

A Secretaria da Educação enfatiza que desde a semana seguinte ao ocorrido tem desenvolvido uma série de ações, integradas com as Secretarias estaduais e municipais de Educação, Saúde, Assistência Social e Segurança, no sentido de dar assistência e acolhimento aos familiares das vítimas fatais ou não, estudantes, pais e responsáveis da EEEFM Primo Bitti. (Leia a resposta da Secretaria de Educação na íntegra abaixo).

A Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo informou que a investigação do crime cometido pelo adolescente feita pela Delegacia Especializada de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Aracruz foi concluída e encaminhada ao Poder Judiciário. “Outro procedimento foi instaurado pela DHPP de Aracruz para apurar o envolvimento ou a responsabilidade de terceiros no caso. Esta investigação segue em andamento, sem prazo para conclusão. Qualquer detalhe só será divulgado após a conclusão de toda a investigação”, informa a pasta.

O assassino que matou quatro pessoas e feriu outras 12 no ataque as duas escolas em Aracruz vai cumprir até três anos de internação. O tempo é o limite máximo estabelecido como de medida socioeducativa para adolescentes pela lei. A sentença foi dada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude de Aracruz, Felipe Leitão, no último dia 4 de dezembro.

O adolescente, que confessou os crimes, está internado desde o ataque em uma unidade do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases) de Cariacica, na Grande Vitória.

O assassino estudou até junho deste ano em uma das escolas atacadas. Ele foi apreendido horas após o crime.

Leia a carta na íntegra dos professores

O corpo docente da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, por meio desta carta, manifesta seu profundo pesar e sua solidariedade especial às famílias das vítimas fatais do crime de ódio ocorrido em 25 de novembro de 2022 em Coqueiral de Aracruz – professoras Cybelle Passos, Flávia Amoss e Maria da Penha Pereira, além da aluna Selena Sagrillo; bem como às vítimas ainda internadas e àquelas que estão em recuperação – professoras Aristênia Torres, Degina Fernandes, Bárbara Silva, Maria Cristina Nakayama, Priscila Marques, Sandra Regina Guimarães, e os alunos Thaís e Jhonata.

Nossa esperança é de que o tempo possa lhes trazer algum conforto e colabore com a sua recuperação física e psicológica.

Nossa solidariedade estende-se aos alunos e profissionais presentes nas escolas no dia dos ataques, e àqueles que fazem parte da comunidade escolar e que também foram impactados por essa tragédia. Sabemos que tal lembrança nunca será esquecida, mas temos esperança de que tempo e apoio institucional nos permitirão lidar com essa dor que nos foi imposta.

Com aqueles que se foram, uma parte de nós também se foi. E, junto das comunidades da orla de Aracruz atendidas pelas escolas, nos sentimos violentados em nosso local de trabalho, de refúgio, de formação de amizades… Local de formação educacional e social de nossos jovens, de garantia de assistência a muitas famílias.

Agradecemos pelo trabalho que vem sendo feito pela equipe da APOIE em parceria com instituições e empresas públicas e privadas para renovar a imagem da escola, para recepcionar as famílias e os alunos durante a sua reabertura, por estarem presentes e disponíveis para dialogar com a equipe escolar e com a comunidade desde o dia 7 de dezembro. A integração entre comunidade e equipe escolar é muito importante, especialmente, para avançar na compreensão de que a escola não é culpada pelo crime que lhe foi infligido, resultado da intensificação dos preconceitos existentes em nossa sociedade.

Apesar da gratidão pelo que tem sido feito, não podemos deixar de nos sentir abandonados como seres humanos. Até este momento, a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo não realizou nenhum contato individualizado com a equipe de profissionais da escola, tão pouco, acionou outros setores do Governo do Estado para que o fizesse; Não orientou as empresas terceirizadas responsáveis pelas equipes de limpeza, merenda escolar e vigilância a dar assistência a seus funcionários; Não prestou assistência inicial às famílias que estavam com seus entes hospitalizados e com dificuldades para se deslocarem às unidades de internação; Não elaborou um plano de atendimento psicológico individualizado e contínuo para os membros da escola; Não registrou de imediato a Comunicação de Acidente de Trabalho; Não enviou profissionais colaboradores para gerenciar a parte administrativa da escola; Não garantiu a seguridade dos empregos dos profissionais em designação temporária que fazem parte da equipe escolar e que estão passando pelo trauma; Não garantiu o direito ao luto aos professores que trabalham em mais de uma escola ou rede de ensino; E, por fim, solicitou que a própria equipe atingida se responsabilizasse pelo fechamento do ano escolar, incluindo o trabalho de fechamento de diários dos amigos perdidos ou impossibilitados.

Essas e outras atitudes fazem com que nos vejamos lançados à nossa própria sorte, sem garantias, sequer, de que teremos condições de trabalho mínimas em nossa escola para o próximo ano. A situação em que nos encontramos, de termos de lutar por respeito, condições dignas de trabalho e apoio institucional para todos aqueles que foram afetados por esse crime de ódio, não nos permite passar de forma adequada por nosso luto e por nossas angústias
pessoais.

Nestas circunstâncias, apresentamos as demandas que julgamos necessárias para passarmos por esse momento, a fim de que possamos garantir apoio para que a comunidade escolar se reestabeleça e para que a instituição tenha condições de prosseguir em seu funcionamento. São nossas demandas:

A garantia de direito ao luto a todos os profissionais da escola, incluindo trabalhadores terceirizados da limpeza, alimentação e vigilância, professores em designação temporária e efetivos, trabalhadores da secretaria, da educação especial e da gestão escolar. Para tanto, é necessário providenciar uma equipe externa, incluindo de limpeza e vigilância, para o fechamento do ano escolar e período de matrículas, com seguridade financeira para todos os trabalhadores em luto, em especial para aqueles que estão em designação temporária e que estão tendo seus contratos cessados apesar da gravidade do momento.

Compreendemos a necessidade de providenciar uma equipe de apoio para o próximo ano escolar, que inclua trabalhadores para as vagas em aberto na secretaria, diretor adjunto, aumento da equipe de professores, coordenadores e pedagogos. Assim como é necessário providenciar uma equipe de atendimento social e psicológico que atenda às demandas dos profissionais.

Apontamos a necessidade do apoio financeiro para as vítimas e famílias atingidas, para custeio de remédios, equipamentos, cuidadores, e psicólogos até então custeados de maneira particular. Assim como apoio financeiro na forma de indenização e aposentadoria dignas para os diretamente atingidos em exercício de sua função.

Por fim, reforçamos a importância da execução de uma reforma efetiva da escola, há tanto tempo adiada, que realize melhorias das condições físicas de segurança do prédio.

Pelos que ficam e por aqueles que se foram, afirmamos: Reparação sim, esquecimento jamais!

Equipe da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti.

Resposta da Secretaria de Educação

A Secretaria da Educação enfatiza que desde a semana seguinte ao ocorrido tem desenvolvido uma série de ações, integradas com as Secretarias estaduais e municipais de Educação, Saúde, Assistência Social e Segurança, no sentido de dar assistência e acolhimento aos familiares das vítimas fatais ou não, estudantes, pais e responsáveis da EEEFM Primo Bitti.

Inicialmente, na primeira semana após o episódio, foram oferecidos atendimentos psicológicos e realizadas rodas de conversas com professores, pais, responsáveis e estudantes interessados no acolhimento. Já na última semana, uma extensa programação foi desenvolvida na escola por uma equipe de psicólogos, inclusive especialistas em luto, vindos de outros estados. Atividades como oficinas de expressão de sentimentos, pintura corporal, atendimento individualizado com psicólogos, rodas de conversas sobre as emoções e várias outras ações foram oportunizadas à toda comunidade escolar durante esta semana.

A Sedu reforça que, em paralelo a todo o trabalho acima mencionado, foi viabilizada a distribuição de cestas básicas aos alunos cujo responsável esteja cadastrado no CadÚnico, além de todo um esforço no sentido de garantir intervenções físicas mínimas na sede da escola, de forma a ressignificar o espaço.

Informa que equipes da saúde realizaram a escuta da população enlutada na Unidade Básica de Saúde de Coqueiral de Aracruz, trabalho este realizado por equipes multidisciplinares composta por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e médicos de domingo a domingo.

Destaca ainda que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) instaurou, em sua Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRACES), um procedimento para, inicialmente, acolher e tentar auxiliar, naquilo que for possível ao Estado, as famílias das vítimas que foram a óbito, bem como – em momento posterior – àqueles que foram feridos e sobreviveram.

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