Foto: Tainá Xavier / Mídia NINJA

Por Dauto Nogueira / Mídia NINJA

O antropólogo Douglas Rodrigues (UNIFESP) apresentou sua palestra “Antes sós do que mal acompanhados” que visa informar a existência de povos indígenas em isolamento voluntário no Brasil.

Os Povos Isolados ou não contactados do Brasil

Na inauguração da Nave Coletiva, nova sede da Mídia NINJA em São Paulo, entre dezenas de rodas progressistas, numa amálgama positiva de arte, lutas e informação; o antropólogo Douglas Rodrigues, coordenador do Projeto Xingu, apresentou no Espaço Galpão sua palestra “Antes só do que mal acompanhado” que externou a existência de povos originários isolados.

Povos não contactados, também chamados povos isolados ou tribos perdidas, são comunidades que, por escolha ou por circunstâncias, viveram em isolamento total ou sem contato significativo com a sociedade colonizadora. São estes povos que conservam a impermeabilidade entre a cultura colonizadora e a cultura indígena. O antropólogo afirma que sua pesquisa mapeou “111 comunidades isoladas (…) o que vai contra a afirmativa que são poucos. Desde a colonização portuguesa esses povos não tem contato conosco.“

São mais de quinhentos anos resistindo à predação cultural da colonização, aponta os estudos.

Como o próprio antropólogo afirma, muitas dessas 111 tribos indígenas optaram por não ter contato conosco. O Projeto Xingu até sabe onde eles vivem, a Funai também os mapeia, “é também uma forma de proteção” pondera Douglas Rodrigues, uma vez que sabendo da existência dessas comunidades que temos a possibilidade de protegê-las “dos garimpeiros, da grilagem e dos madeireiros”, mas não se pode fazer mais nada além do mapeamento e da pesquisa à distância, em respeito à escolha da comunidade indígena que quis se isolar. Antes só do que má companhia.

“Sabemos muito dos povos originários isolados através dos povos originários que tem contato conosco. É assim que se estima quantos vivem em cada comunidade isolada e como eles são.” Douglas Rodrigues

‘Belo Monte é uma catástrofe’

Quando perguntado sobre Belo Monte, Douglas Rodrigues não titubeou ao afirmar que a construção da barragem para fins energéticos é uma “catástrofe”! O mesmo contesta inclusive a capacidade desta em produção de energia, os dados “não oferecem bases para sua construção. É uma usina com baixa produção energética” pondera.

O antropólogo ainda ressalta o medo de afetar tribos isoladas no Vale do Xingu.

“Existe um grupo isolado naquela região no rio eufrisios, afluente do Xingu, felizmente bastante isolado e até agora não temos notícia de ameaça direta por conta de Belo Monte, mas é óbvio que isso irá acontecer e rapidamente. Até porque não tem ninguém vigiando.”

A ideia de Belo Monte nasce no governo Lula com inúmeras controversas e ganha destaque já no governo Dilma através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que articulou rapidamente sua construção. A jornalista Eliane Brum em ‘Brasil Construtor de Ruínas’ (2019) destaca que ‘as violações de direitos humanos e ambientais, promovidas durante os governos do PT, são literalmente visíveis” referindo-se à Belo Monte.

Eliane destaca que o coração do Brasil se chama “Amazônia” e é por causa dela, da grande floresta e sua biodiversidade única, que o Brasil se encontra atualmente no centro das discussões mundiais. Não pelo seu poder econômico ou energético, mas pela sua reserva ambiental. Proteger as florestas é mais que um dever brasileiro, “tem que ser nosso objetivo”, destaca Eliane Brum em seu novo livro, mas construindo essas obras faraônicas estamos dando passos largos “em direção à nossa ruína”.

“Agora, há uma grande concentração de grupos indígenas naquilo que chamamos de ‘Volta Grande do Xingu’. É um lugar absolutamente maravilhoso porque é onde o Xingu faz uma curva bonita e não é à toa que lá existem muitos grupos (indígenas), porque é lugar de muito peixe, e aquilo secou. É simples assim, secou. Então o impacto disso – Belo Monte – é absurdo.“Belo monte é uma catástrofe!”

“Principal questão indígena sempre foi a terra”, Rodrigues alertou ainda que atualmente, existem 101 referencias a povos isolados na Amazônia brasileira e 28 confirmados.

Rodrigues alertou para o risco de novos genocídios e o desmonte da política indigenista, como o novo chefe da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) indicado por Bolsonaro que é assessor especial da bancada ruralista, Marcelo Augusto Xavier. “Ele é ligado ao agronegócio e já se comprometeu a tomar áreas indígenas.”

“Para falar o impacto direto da barragem. “ acrescenta o antropólogo.

“Os impactos indiretos são difíceis de serem medidos”, mas invariavelmente irão atingir as comunidades entorno do vale do Xingu. O antropólogo nos conta que a Norte Energia, consórcio que venceu a licitação de Belo Monte, usou de maneira indevida a compensação que os indígenas impactados tem por direito. A compensação “se transformou em listas de compras mensais no valor de 30 mil reais pra cada coisa comunidade” o que chega ser um escárnio, explica:

“Como índio ‘não sabe fazer compras’ destinaram a um ‘antropólogo’ a lista de compras. Então eu vi chegando para eles refrigerantes, açúcar refinado, bebidas alcoólicas…”

Rodrigues revela que é sabido por toda comunidade de antropólogos que a mudança de dieta muito rápida causa doenças. “Para se ter uma ideia, no Brasil, em Mato Grosso (MT) grupos Xavantes, 30% dos adultos são considerados diabéticos. De cada 10 Xavantes adulto, três tem diabetes. Isso é o que vai acontecer rapidamente com as tribos que foram impactadas por Belo Monte.”

“Sangue indígena, nenhuma gota a mais!”

Foto: Renato Cortez / Mídia NINJA

No mesmo dia na Nave Coletiva, houve um ato em homenagem à Paulo Paulinho Guajajara que foi brutalmente assassinado a tiros no dia 1 de novembro deste ano, ocorrido no interior da Terra Indígena Ariboia (MA) sendo esta região cobiçada pelos madeireiros.

Este ato, em repúdio às mortes dos “guerreiros da terra” e à luta de Paulinho, foi liderado por Sônia Guajajara e Célia Xakriabá entre outras lideranças indígenas, todas em uníssono vociferaram aos quatro cantos da Nave:

⁃ Sangue indígena, nenhuma gota a mais!
⁃ Demarcação Já!

E nós, da equipe de jornalismo colaborativo, reiteramos nossas vozes nesses votos.

“Nós somos povos que resistem,
Nossa luta que nunca termina,
Porque nós temos a grande capacidade
De fazer da luta, melodia.” Célia Xakriabá encerra sua intervenção poética com essas palavras.

Pelo fim do extrativismo predatório da Amazônia! Pela vida e pelo direito dos povos originários de viveram conforme suas culturas determinam. Por nenhuma gota indígena a mais! Por Paulinho! Pelos povos ribeirinhos do Xingu! Por justiça!

Sangue indígena! Nenhuma gota a mais!