Penitenciária do Distrito Federal apresenta 775 confirmações de casos de covid-19, o que representa 35,4% do total de casos no sistema carcerário brasileiro. O Estado de São Paulo tem o maior número de mortes, 13 óbitos, cerca de 26,5% do total

Foto: Gláucio Dettmar / CNJ

Por Mauro Utida para Mídia NINJA 

O Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, é o presídio com o maior número de casos do novo coronavírus (covid-19) do país, com 775 confirmações, o que representa 35,4% do total no sistema penitenciário brasileiro. Até o momento, três óbitos foram confirmados na Papuda, sendo dois detentos e um agente penitenciário, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública do DF da última terça-feira, dia 16.

A situação do presídio do Distrito Federal é preocupante, mas também peculiar em relação aos outros estados. Cerca de 50% dos testes no sistema prisional brasileiro aconteceram no DF. Em São Paulo, o Estado possui o maior número de óbitos por covid-19, são 13 óbitos para 116 casos confirmados. As mortes pela doença em São Paulo, representa 26,5% do total do país. Ao todo, são 49 óbitos registrados no sistema penitenciário do país, conforme dados do Depen (Departamento Penitenciário Federal), até o dia 16 de junho.

Com uma população carcerária de um total de 760 mil detentos, o Brasil realizou apenas 8.708 testes (1,14%) nos detentos, até o momento. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos EUA, com 2,1 milhões, e China, com 1,7 milhões. Em Minas Gerais, onde está concentrada a segunda maior população carcerária do país, o número de detentos com coronavírus triplicou em apenas três dias no presídio de Ribeirão das Neves, em Belo Horizonte, com 33 casos confirmados no total. O Estado tem cerca de 60 mil presos e perde apenas para São Paulo, com uma população carcerária de 231 mil.

A superlotação é o principal problema que preocupa a saúde das pessoas privadas de liberdade e atinge presídios de todos os estados, com a falta de mais de 312 mil vagas no sistema prisional brasileiro. Na Papuda, um dos maiores sistemas carcerários do país, há uma população de 16.500 presos para 7.500 vagas disponíveis. “A superlotação dos presídios inviabiliza a principal recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) para evitar o contágio, que é o distanciamento social”, alerta Gabriel Elias, secretário da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

Elias ressalta que a principal medida para diminuir o impacto do coronavírus nos presídios brasileiros é o desencarceramento, conforme a recomendação 62 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), editada em 17 de março. A medida, renovada por mais três meses, no último dia 12 de junho, recomenda que magistrados considerem a soltura de presos, substituindo penas, por conta do auto contágio da pandemia. A medida incentiva os juízes a reverem caso a caso a prisão de pessoas inseridas em grupos de risco e em final de pena, que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça, como latrocínio, homicídio e estupro.

Segundo informações do secretário da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF, cerca de 1.300 presos da Papuda estão dentro do grupo de risco, porém até o momento apenas 63 pessoas conseguiram autorização para cumprir prisão domiciliar humanitária, conforme decisão da Vara de Execução Penal do DF. “A Defensoria Pública do DF continua insistindo caso a caso. É muito grave o que está acontecendo. O governo e o judiciário estão assumindo o risco dessas pessoas morrerem por covid-19 para que elas cumpram a pena. Estas instituições estão priorizando a pena acima da vida das pessoas”, denuncia Elias.

A Organização Mundial de Saúde já recomendou que os governos busquem alternativas à prisão, visto que lugares fechados e aglomerações facilitam a transmissão do vírus

Bomba biológica

Conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça, os casos de covid-19 em presídios saltou de 245 para 2.212 casos, entre maio e junho. Um crescimento de 800% no número de detentos contaminados pelo novo coronavírus nos presídios brasileiros. E entre os servidores que trabalham nos presídios, o crescimento dos casos segue ritmo parecido: subiu de 327 casos para 2.944.

Desde março de 2020, 32.530 detentos deixaram o sistema penitenciário após a recomendação do CNJ em 19 estados. Isso representa 4,8% do total de presos no país, sem contabilizar quem já está em regime semiaberto ou detido em delegacias. De acordo com a organização Human Rights Watch, cerca de 5% das pessoas privadas de liberdade do mundo deixaram as prisões em razão da pandemia.

Os números do CNJ não incluem cinco unidades da federação – Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo e Rio de Janeiro -, onde o CNJ identificou que houve decisões em atendimento à Recomendação 62/2020, mas não foi possível quantificar o número de pessoas atendidas.

Fiscalização

Com as visitas suspensas ao sistema prisional brasileiro desde o dia 11 de março, milhares de detentos se comunicam com os familiares praticamente por cartas, apenas. A falta de comunicação agravou a situação da população carcerária e diversas entidades já se manifestaram preocupação com um possível aumento de violações dos direitos humanos aos internos durante a pandemia.

Segundo o Depen, a suspensão das visitas – renovada até o dia 29 de junho – é uma forma de prevenção, controle e contenção de riscos do novo coronavírus. Porém, poucos presídios criaram alternativas de comunicação entre internos e familiares, como as vídeos conferências, por exemplo.

A suspensão das visitas em todo território nacional, inviabilizou a entrega de  alimentos e dinheiro pelas famílias, o chamado cobal, que é uma prática comum. Na opinião de Gabriel Elias, quem de fato fiscaliza o sistema prisional brasileiro são os familiares e pessoas que visitam toda semana para entregar o “cobal” e saber o que está acontecendo. Ele se diz preocupado com um possível aumento da violência e tortura nos presídios brasileiros.

“É fato que o sistema prisional é um lugar propício a prática de tortura e violações dos direitos humanos e as instituições são insuficientes para evitar que essas violações aconteçam. Quando há a interrupção dessas visitas, aumenta muita a chance de que essas violações ocorram em maior número”, declara o secretario da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF.

Denúncia na Fundação Casa

 A Fundação Casa de São José do Rio Preto, em São Paulo, manteve um menor de 15 anos com coronavírus isolado durante uma semana em um banheiro em condições precárias. Uma sindicância está apurando o caso e o diretor da unidade foi afastado nesta quarta-feira, dia 17.

O jovem foi transferido para a unidades depois de ser apreendido no dia 2 de junho em uma cidade da região. Seis dias depois apresentou sintomas da doença e foi submetido ao teste, que confirmou positivo ao covid-19. Ele ficou no banheiro apenas com um colchão e teve de tomar banho gelado durante a quarentena.

A Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), do governo do Estado de São Paulo, já tem 48 adolescentes contaminados em quatro unidades da instituição carcerária.

Na unidade do Jardim São Luiz, um jovem de 20 anos permanece internado com covid-19 com outros 80 adolescentes. A própria unidade recomendou que o jovem fosse para casa, porém, a juíza de 1ª instância Calila Radamilans, analisou o caso e manteve a internação. A medida foi posteriormente confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

O STF (Supremo Tribunal Federal) vai analisar – em data ainda não informada – o pedido de habeas corpus do advogado do jovem detento. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

Ao menos seis funcionários da unidade do Jardim São Luiz também estariam contaminados pela covid-19. Para piorar, os dois médicos que atendem no local estão afastados.

Visitas virtuais

Em São Paulo, o Tribunal de Justiça do Estado determinou uma tutela de urgência para realização de visitas virtuais aos presos. A liminar determina a utilização de telefones públicos nas unidades prisionais e a visita virtual através de aparelhos de telecomunicação, garantindo que os presos tenham pelo menos uma hora de contato com seus familiares.

Também foi solicitado que o Governo do Estado elabore um plano de retorno das visitas presenciais ao preso para garantia dos direitos fundamentais.

A decisão, datada de 31 de maio, solicitou cinco dias para que o Governo do Estado garantisse o direito a comunicação aos presos, sob pena de multa em caso de descumprimento da ordem. “Entendo que há violação ao direito de visitas, com verdadeira incomunicabilidade dos presos nos estabelecimentos prisionais estaduais, eis que a comunicação com o meio externo exclusivamente por carta não parece ser suficiente para que o contato com o ambiente externo e o direito de acesso à família esteja preservada”, relatou a juíza Paula Fernanda de Souza Vasconcelos Navarro.

Por meio da Procuradoria Geral do Estado, o Governo de São Paulo alegou improcedente a tutela antecipada do TJSP e solicitou a sua revogação. O Estado alegou que não há condição de investimento e ampliação do ambiente virtual, em virtude da quantidade de presidiários nos estabelecimentos penais. O Estado solicita 90 dias para inserir as visitas virtuais por videoconferência.

Para Danielle, esposa de um detento que está preso há 12 anos em um presídio de São Paulo, as famílias do internos estão desesperadas por informações. “Precisamos de atenção, não temos nenhum respaldo das autoridades. As cartas estão demorando praticamente um mês para chegar e não sabemos se nossos parentes estão vivos. Muitos estão ficando doentes, sendo internados e as famílias, aqui fora, nem ficam sabendo”, lamenta.