Por Lilianna Bernartt

A democratização do cinema nacional é uma questão importante, antiga, extremamente pulsante e complexa. O filme “Pedágio”, da diretora Carolina Markowicz, foi pirateado uma semana após sua estreia nacional nas salas de cinema, e a diretora foi atacada sob o argumento da “necessidade da democratização do cinema nacional”.

O caso acende uma discussão importantíssima!

De início, nos posicionamos no sentido de que o uso de uma pauta social importante e complexa há anos, como meio raso, irresponsável e unilateral de justificar o crime de pirataria é um desserviço à discussão acerca do acesso à cultura no nosso país, além de reforçar a marginalidade com a qual a arte sempre foi tratada, contribuindo para a perpetuação da alienação socio-econômica-política-cultural de nossa sociedade.

Uma vez estando em foco a questão, importante que o debate seja instaurado. Desse ponto, partimos da representação máxima da democracia em nosso país: a Constituição Federal do Brasil, que em seu artigo 215 prevê: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Há uma grande rachadura entre o que prevê a Carta magna que nos rege como sociedade democrática e o que vivenciamos efetivamente na realidade da cultura em nosso país.

A democracia cultural no Brasil é historicamente rasa e oscilante. Faltam políticas públicas, tanto de fomento para realização dos projetos culturais, quanto para garantia da distribuição e acesso da população aos mesmos.

Questões básicas de democratização da cultura, como a relevância de um Ministério da Cultura, a acessibilidade da produção nacional, a necessidade de cotas de tela e de políticas públicas para incentivo e regulamentação da produção cultural nacional, são pautas de discussões diárias.

Contudo, reduzir a solução de uma problemática enraizada em nossa sociedade à barbárie é agir de forma essencialmente contrária ao que se propõe. Enquanto não houver o reconhecimento e defesa da relevância – social e econômica – da produção cultural do nosso país, não conseguiremos avançar em discussões fundamentais.

A arte precisa ser tratada com a seriedade e interesse político, social e econômico garantido a outros setores, e precisa ser encarada para além de sua função de entretenimento, mas também como ferramenta social de extrema importância para que possamos nos analisar como indivíduos e como coletivo.

Enquanto a ideia do “pão e circo” prevalecer, a arte continuará sendo desamparada. Nosso cinema nacional é carente.

São inúmeras as produções nacionais que não conseguem sequer chegar às salas de cinema, tomadas por blockbusters. As produções que conseguem, salvo exceções, são reduzidas a um tempo de exibição que mais se parece a um prêmio de consolo.

Para piorar, ainda temos os preços elevados dos ingressos, o que colabora para a escassez de público, fazendo com que salas de cinema e teatros sejam fechados por conta de especulação imobiliária, sem qualquer análise e/ou estudo de impacto geográfico e social. Os streamings, com exceções, seguem preferindo produções estrangeiras a nacionais.

A chama do cinema nacional acende de forma coletiva quando há possibilidade de se concorrer a um Oscar. E ainda nestes casos, as exigências e privilégios estrangeiros superam as políticas de incentivo nacional e a conta dificilmente fecha favorável a nós, brasileiros.

Dentro de toda essa problemática, são vitais as ações e projetos que visam o incentivo e a democratização do nosso cinema nacional. A cinemateca brasileira é um grande exemplo de resistência e acessibilidade cultural. Além de restaurar e conservar nosso patrimônio histórico, ainda disponibiliza o acesso ao cinema nacional através de mostras, festivais e uma programação completamente gratuita, abrangente e ininterrupta.

Plataformas de streaming, como Itaú Cultural Play, Plataforma do Sesc Digital, Streaming do CCSPlay, são também plataformas gratuitas que garantem difusão e acesso ao nosso cinema.

No que diz respeito a movimentos privados, grandes distribuidoras vêm se atentando à discussão, pensando e promovendo novas possibilidades e ferramentas para acessibilidade do cinema nacional. É o caso da Vitrine Filmes, por exemplo, que por anos mantém a Sessão Vitrine, com sessões especais de filmes nacionais a preços populares, visando o acesso e difusão do conteúdo nacional.

O incentivo público e privado em Festivais e Mostras de cinema também são fundamentais como forma do acesso democrático a nossa produção. Ações sociais como a promoção de exibições culturais gratuitas também contribuem nesse processo, a exemplo do trabalho realizado pela Nave Coletiva e a própria Cine NINJA, afluentes da Mídia NINJA, que exibem de forma gratuita, produções nacionais, seguidas de debates, como forma de garantir a acessibilidade das produções, bem como, de incentivar a descentralização do debate de temas de relevância social, promovendo a integração direta entre a obra e o público.

Neste sentido, inclusive, foi promovida uma sessão gratuita do filme em questão, “Pedágio”, que contou com a presença da própria diretora Carolina Markowicz e da atriz Maeve Jinkings.

Para encerrar, quando falamos de acessibilidade, de democratização do cinema nacional, estamos falando da nossa produção chegar ao seu consumidor-fim, ou seja, sua própria população. Para isso, são fundamentais ações do Governo nesse sentido. Uma possibilidade seria a criação de uma plataforma pública, na qual os filmes realizados através de incentivo público, sejam disponibilizados ao mesmo como contrapartida, após a sua comercialização.

Por que sim, temos também que entender e visualizar a cultura como uma indústria, extremamente potente, geradora de inúmeros empregos e responsável pela movimentação de grande setor econômico de nosso país.

Enfim, a única coisa que podemos concluir de forma inquestionável neste momento é que essa é uma discussão urgente e que deve ser realizada de forma democrática, e não através do reforço da marginalização, que contribui para a perpetuação da desigualdade.

Vale dizer que esse texto é meramente reflexivo e opinativo – longe de qualquer conclusão impositiva – apenas com a intenção de promover a discussão. E você, o que acha?