Por Lilianna Bernartt

Dizer que o cineasta Japonês Hirokazu Kore-eda figura entre um dos mais talentosos e prolíferos da atualidade é uma obviedade.

Pais e Filhos (2013), Assunto de Família (2018) e Broker (2022) são alguns poderosos filmes do cineasta.

Uma das características da obra de Kore-eda é o dilema moral/estrutural, sempre proposto em suas histórias, que provoca a flexibilização do julgamento individual – tanto das próprias personagens, quanto do espectador – que é colocado como participante ativo da narrativa.

Em “Monster”, o diretor vai ainda mais fundo nessa provocação, ao dividir a narrativa sob diferentes pontos de vista, o que cria a instabilidade, colocando constantemente em xeque todo e qualquer juízo de valor que se possa cogitar criar acerca dos fatos.

O filme começa com Saori (Sakura Ando) e Minato (Soya Kurokawa), mãe e filho, respectivamente, que possuem uma ótima relação, até Minato começar a frequentar uma nova escola e agir de forma cada vez mais reclusa e estranha ao seu comportamento de costume. A mãe, então, confronta os responsáveis e acusa Hori (Eita Nagayama), o professor do garoto, de maus tratos a seu filho.

Ao contrário de sua expectativa, Saori não é auxiliada por ninguém da direção da escola, encabeçada por uma diretora em luto, que recém retomou seu posto, por assistentes e pelo professor em questão.

O centro da questão foca nos meninos Minato (Soya Kurokawa) e Yori (Hinata Hiiragi). Yori é alvo de bullying no colégio e na vida. Aos cuidados de um pai negligente, Yori é daquelas pessoas que tem de desenvolver rápido suas camadas de proteção, para garantir sua sobrevivência. E ele o faz através da maneira mais pura possível: a empatia – com os outros e consigo. Minato e ele criam uma relação de profundo respeito e conexão, mas são cercados pela crueza da realidade da vida: os constantes ataques à individualidade alheia.

Uma sociedade que não está interessada em propagar a autonomia existencial do individuo, mas sim em suprimir todos de forma massiva em sua engrenagem.

A partir de então, a trama se desdobra sob a perspectiva dos envolvidos para tratar de temas como capacitismo, machismo, homofobia, bullying.

Em uma dinâmica perversa contra o indivíduo, perpetuada por todos – de forma consciente ou não – fica difícil saber quem de fato é o Monstro em questão.

Ainda que o roteiro não seja assinado pelo cineasta, o mesmo é responsável pela qualidade estética impecável e essencial para que a história nos atravesse de forma avassaladora, nos tirando da impassividade e nos inserindo em um ambiente de constante reflexão acerca da movimentos cíclicos de uma sociedade que sufoca a nossa individualidade, ao invés de perpetuar o coletivo de fato.

Kore-eda eleva o cinema como ferramenta social de forma espetacular, tanto que o filme está em cartaz desde novembro e permanece como um dos mais assistidos no Brasil, distribuído pela Imovision.

O filme foi aplaudido de pé no Festival de Cannes de 2023 e segue como forte candidato ao Oscar. O filme segue em cartaz nos cinemas.