No mapa, mundo em 2100, segundo projeção da Agência Espacial Americana (Nasa)

 

Por: Júlia Machado, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP26

Em meio a tantas notícias falsas, teorias da conspiração, opiniões divergentes e desinformação pode ser confuso saber no que e em quem acreditar. De um lado, os jornais noticiam desastres causados pelo aumento de temperatura com a colaboração de pesquisadores do clima. De outro há a proliferação de discursos de que a mudança climática seria uma estratégia política e não passaria de uma mentira.

“Por que devemos acreditar na ciência?”.

É com essa pergunta que a historiadora da ciência, Naomi Oreskes provocou os presentes à sua palestra no TedSalon em 2014. Esse é um bom ponto de partida para compreender porque as perspectivas em torno da crise climática não são simétricas. A ideia comum de que o método é o fator que confere credibilidade à ciência é confrontada logo no início por Oreskes pela lógica da pluralidade metodológica que acompanha o trabalho de pesquisa.

A ciência pode não ser perfeita, mas é a maneira mais confiável de produzir conhecimento. Como toda atividade humana, ela também está sujeita aos interesses e às relações de poder, mas como Oreskes destaca, o que a confere a confiabilidade é consenso. Diferentemente do senso comum, o consenso científico é baseado nos julgamentos baseados em evidências e fornecidos pela própria comunidade de cientistas.

Para um estudo ser considerado relevante e até para conseguir uma publicação em uma revista bem qualificada, ele deve passar pela chamada revisão pelos pares, ou seja, deve ser aprovado pela maioria dos pesquisadores da área que irão analisar se a metodologia está compatível com o objetivo do trabalho e se os resultados são coerentes com o processo e o problema que guiou o estudo.

É importante entender que consenso científico não significa unanimidade. Como os cientistas também são humanos, podem ser movidos por valores pessoais, políticos e econômicos, e é comum que tenha um ou outro que negue a maioria. Mas o consenso é estabelecido pela força das evidências e os poucos pesquisadores que não concordam não mudam a realidade evidenciada no consenso científico.

O que acontece é que o discurso do “outro lado” fortalecido pelos negacionistas (aqueles que negam a realidade) é feito para confundir a população. Na literatura internacional já existem estudos dedicados a pesquisar sobre as “controvérsias científicas fabricadas”. Para quem está de fora o que parece é que há uma quantidade próxima de especialistas que defendem a existência da crise climática e aqueles especialistas que negam que a temperatura está variando por conta da atividade humana, mas isso não é o que acontece.

Mas afinal, a crise climática é real?

Sim! E os cientistas da área são categóricos em afirmar que a crise tem a ação humana como a principal responsável. O consenso entre os cientistas é semelhante ao grau de certeza que existe sobre a teoria da evolução e a tectônica das placas. De acordo com a pesquisa da Universidade de Cornell, uma das 8 mais prestigiadas nos Estados Unidos, as mudanças climáticas causadas pelas atividades humanas é afirmada por mais de 99% da literatura científica revisada pelos pares.

O último estudo realizado na tentativa de avaliar o consenso científico sobre a crise climática foi publicado em 2013 e após analisar artigos publicados entre 1991 e 2012, concluiu que 97% dos cientistas apoiavam o consenso.

A pesquisa publicada esse ano teve como objetivo verificar se houve mudança na maneira como a comunidade científica se posiciona sobre as mudanças do clima. Foram mais de 88 mil artigos publicados na língua inglesa entre os anos de 2012 e 2020 e pesquisados no site Web of Science através de palavras-chave ligadas à mudança climática. Por conta da quantidade de material, os cientistas analisaram uma amostra de 3 mil artigos na primeira parte do estudo e depois avaliaram a amostra completa. Dos 88.125 artigos analisados, apenas 28 eram céticos sobre a influência humana na alteração climática.

Os autores concluíram que não há um debate significativo na ciência sobre a crise climática, e os artigos que discordavam do consenso não tiveram impacto porque provavelmente não forneceram evidências fortes o suficiente para gerar discussões sobre o impacto das ações humanas sobre a mudança climática.

Recorra à lógica!

As explicações sobre o efeito estufa como um fenômeno natural já são bem conhecidas, afinal é ele que retém o calor necessário para a existência de vida na Terra. Mas muita gente não conhece como funciona esse processo, e entendê-lo pode ser de grande utilidade para conter o avanço dos discursos negacionistas.

O Sol emite radiação em diferentes comprimentos de onda, parte dessa radiação ao alcançar a terra é refletida de volta e outra parte é retida pelos gases que compõem a atmosfera terrestre como o gás carbônico ou dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O), os clorofluorcarbonos (os famosos CFC’s), o ozônio (O3) e até o vapor de água (H2O).

Ao analisar os principais gases que contribuem para esse fenômeno dá para notar que o carbono (C) está presente na formação da maioria dos gases do efeito estufa, e é encontrado principalmente na forma de gás carbônico (o CO2 é responsável por cerca de 60% do efeito estufa).

Consegue adivinhar onde mais o carbono está muito presente? Nos seres vivos! Todos os seres vivos compartilham características em comum e uma delas é o carbono. E como Lavoisier bem observou no século XVIII, “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.

É só lembrar que os cálculos feitos para determinar a idade de uma amostra arqueológica de uma espécie são feitos com base no carbono (nesses casos calcula-se segundo o decaimento de carbono 14), mesmo após a morte e até a decomposição os componentes químicos não desaparecem. Podem se unir a outras substâncias  alterar a sua combinação, mas não deixam de existir como em um passe de mágica.

De acordo com as análises científicas publicadas por David Hall em 1989, houve um aumento de 27% na emissão de CO2 entre o período pré-industrial e o ano de 1986. Esse aumento foi resultado do uso de combustíveis fósseis, do desmatamento causado pelo desenvolvimento urbano e pelas mudanças no uso da terra.

Como tudo que é orgânico possui o carbono na sua composição, dá para imaginar que quando um material é queimado ou decomposto, por exemplo, o carbono tem que ir para algum lugar.

A queima dos combustíveis fósseis faz com que o carbono que é liberado se junte ao oxigênio do ar na forma de CO2.  Outro problema está na queima das florestas. O ecossistema florestal está entre os maiores repositórios de carbono, que é fixado no processo de fotossíntese, e podem carregar de 20 a 100 vezes mais carbono por unidade de área em comparação às plantações ou pastos. Quando ocorre o desmatamento e a queima da biomassa florestal para o uso da terra na agricultura, o CO2 também é liberado diretamente para a atmosfera terrestre.

O CO2 é um dos principais responsáveis pelo efeito estufa, aumenta a proteção ao redor da Terra que faz com que menos radiação solar seja refletida. Ou seja, com mais radiação no planeta, a temperatura tende a aumentar. 

A elevação da média de temperatura na Terra causa uma descompensação climática e como tudo na natureza é interligado, isso gera um efeito em cascata que aumenta a amplitude térmica (a diferença de valores máximos e mínimos fica maior) e afeta a presença da biodiversidade e gera uma queda na disponibilidade de alimentos. 

A partir desse simples pensamento lógico é possível entender que o meio ambiente não sai ileso frente às atividades humanas e como o discurso negacionista que questiona a crise climática não se sustenta. 

Pressão sobre os governos

Entender o consenso científico na crise climática é importante na mobilização da população para pressionar os governos e fomentar a tomada de ações sustentáveis. Entender o posicionamento da comunidade científica também ajuda os tomadores de decisão mais importantes internacionalmente em conferências pelo clima como a COP26 que acontece em Glasgow na Escócia até o dia 12 de novembro.

É importante lembrar da responsabilidade individual e coletiva existente no compartilhamento de teorias e ideias contrárias à ciência. Para te ajudar nessa tarefa aqui vão algumas dicas:

Como saber se o discurso possui credibilidade na comunidade científica?

  • Procure estudos publicados sobre o tema em revistas reconhecidas e qualificadas. 
  • Lembre-se que mesmo que esteja publicado em outro idioma isso não significa que o estudo seja confiável. Procure saber se a revista que publicou o estudo tem impacto científico na área e se os autores são conhecidos na comunidade científica. Uma dica é ver se mais de um veículo de comunicação confiável compartilhou os resultados do estudo e como a mídia divulgou a pesquisa.

 

  • Em caso de dúvida sobre a veracidade da informação, não compartilhe ou reforce a desinformação.

 

@MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!