Foto: Pedro Souza/Atlético-MG

Por Ben Hur Samuel Santos para NINJA Esporte Clube

Existem dois mitos pertencentes à mitologia iorubá, que antes de qualquer eventual comentário sobre o jogador Paulinho, seria interessante analisá-los.

O primeiro concerne a um episódio frívolo do orixá Oxóssi, que junto de seu ofá (tipo de flecha em iorubá) derrotou um pássaro enviado por feiticeiras que buscavam trazer miséria ao seu povo. A segunda, refere-se à avidez de Exu, outro orixá iorubano que por sua vez não possuía coisas materiais e posteriormente encontra abrigo na casa do orixá Oxalá e, depois de serviços prestados a este, é lhe dado eventualmente o título de dono das encruzilhadas e guardião da porta da casa de Oxalá. Creio que ambos os contos avidamente têm algo em uma propriedade coletiva com a jornada do jogador de futebol Paulinho, que atualmente joga no Atlético Mineiro e consequentemente é um dos maiores porta-vozes da cultura iorubá brasileira. Ambos contos unem uma jornada de acontecimentos extraordinariamente imprevisíveis repletos de dubiedades que em seu fim, existe a vitória prolífica de um orixá contra o mundo perverso que o cerca. Assim é Paulinho, guerreiro das matas brasileiras, um guerreiro iorubano que se veste com as roupas e armas de todos os orixás para se proteger do preconceito religioso que ainda (inimaginavelmente) existe no Brasil. Bi báyô Paulinho!

Um dos maiores porta-vozes da cultura iorubá brasileira foi algum dia Vinicius de Moraes. Tamanho era seu respeito pelas jornadas afro-brasileiras que certa vez o poeta afirmou que era o “preto mais branco do Brasil.” Normalmente, quando se trata de profissionais culturais, abordamos a obra-prima destes como o maior trabalho de uma vida. Guimarães Rosa, por exemplo, tem “Grande sertão: veredas”; Kafka tem “Metamorfose”; Angela Davis tem “Women, race and class”; dentre outros. Vinicius, contudo, tem dois trabalhos que unanimemente são categorizados como um magnum opus. A sua peça teatral “Orfeu Negro” e seu álbum de música “Afrosambas”, ambos compostos de elementos do candomblé e da cultura afro-brasileira.

“Orfeu negro” é baseado no conto grego de Orfeu, um herói que tenta salvar sua amada do inferno, contudo, morre ao se aproximar da terra e quebrar uma promessa que havia sido feita outrora entre ele e Hades de que Orfeu em hipótese alguma, olharia para trás. Essa versão de Moraes, entretanto, é localizada nas favelas brasileiras. Orfeu é o porta-voz de uma escola de samba carioca que, ao perceber a morte de sua amada, vai para um terreiro de candomblé pedir para ver Eurídice, que havia sido morta. Graças a uma epifania, é possível ver sua amada, que possessa espiritualmente o corpo de um dos integrantes do terreiro local e se despede do herói.

“Os afro sambas” é um dos maiores álbuns de toda a história da música popular brasileira. Tamanha é sua grandeza, simplicidade e sutileza com elementos africanos que foi considerado o 29º maior álbum brasileiro de todos os tempos pela Rolling Stone. Cada canção remete a fatores pertencentes da África, como por exemplo a faixa mais notória do álbum: a canção “Canto de Ossanha” ou outras menos conhecidas mas extremamente compatíveis com as expectativas que possuímos sobre o álbum como “Bocoché”, que narra uma pessoa procurando seu amor no fundo do mar, ou “Tempo de amor”, uma canção cuja letra seria estranhamente similar à letra da canção “Samba da benção” ao narrar o quão sofrível mas tão prazeroso o amor pode ser para um indivíduo.

Estes dois exemplos do mesmo artista só demonstram o quão grande a cultura iorubá é, mas o tanto que ela é desprovida de informação por parte da sociedade brasileira. O cinismo cultural contra palavras de origem afro-brasileira e manifestações religiosas iorubanas pode ser letal, danoso e perverso. Infelizmente, somos incapazes de maximizar nossa fé com medo de tentativas perversas de coação ao esquecimento de nosso povo. Contudo, existe um guerreiro hodierno que combate a mentira jogando bola prolificamente. Se Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que jogou apenas hoje, Paulinho, nosso guerreiro, matou a tirania perversa do preconceito amanhã, quando aparecerá nos livros de história com o futebol que joga hoje. Paulinho é um guerreiro de luz que derrota o mal inserido nas raízes brasileiras apenas jogando bolas. Lembra Pelé, que parou uma guerra jogando tal esporte. Ele, contudo, não é apenas um jogador brasileiro que exerce sua fé. Ele é um jogador brasileiro prolífico que exerce sua fé e derrota o mal.

O mal perverso que é responsável pelo ódio no Brasil atualmente. Tudo isso ele faz jogando bola. Paulinho é único e implacável. Um tesouro nacional. Axé.