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A negligência do Estado brasileiro em adotar medidas urgentes de proteção às parlamentares brasileiras obrigou vereadoras negras, cis e transexuais, vítimas da violência política e eleitoral no Brasil, a formalizarem nesta terça-feira (23) denúncia contra o Estado Brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

A audiência teve como objetivo cobrar do Estado Brasileiro mecanismo de enfrentamento à violência contra mulheres negras e travestis

“Violência política priva mulheres negras e trans de manifestarem suas posições políticas”, ressaltou Anielle Franco, Diretora Executiva do Instituto Marielle Franco e irmã da vereadora assassinada em uma emboscada no Rio de Janeiro, em março de 2018.

Ana Lucia (PT), primeira vereadora negra eleita em Joinville (SC), protestou sobre as ameaças que sofreu logo após o resultado do pleito do ano passado.

“A violência dirigida a mim atinge diretamente meus filhos, amigos e meus eleitores”, sublinhou. “Sabemos que a omissão do Estado tem uma origem, a mesma que nega o racismo no qual a população negra sofre”, disse.

Representando a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), Bruna Benevides fez questão de ressaltar a importancia da denúncia à Comissão. Para ela é importante que a comunidade internacional tome conhecimento dos abusos que parlamentares negras e trans têm sofrido no Brasil. Ela lamentou que essa violência tenha aumentado de forma considerável após o início do governo Bolsonaro.

Tensões políticas nas eleições de 2020

O silenciamento pelo Estado das parlamentares negras e trans perante as denúncias revela a fragilidade da democracia brasileira diante do acirramento das tensões políticas que marcou o processo eleitoral de 2020 como um dos mais violentos dos últimos anos.

Carolina Iara (PSOL), co-vereadora negra e intersexo e representante do mandato coletivo Bancada Feminista em São Paulo, relatou um atentado político que teria sofrido na madrugada de 26/1.

Imagens obtidas por uma câmera de segurança mostraram um veículo Palio branco, com película escura nos vidros, parado em frente da casa de Iara por aproximadamente três minutos, entre 2h07 e 2h10 (horário de Brasília). Vizinhos disseram que foi esse o horário do som dos disparos.

“Que Estado é esse que além de se calar incentiva a LGBTfobia em declarações inúmeras do próprio presidente? Eu não vou nem quero ser mártir”, disse Carolina.

Erika Hilton, primeira vereadora trans e negra da cidade de São Paulo e a mulher mais votada do Brasil em 2020, relatou perseguição a defensores de direitos humanos e mulheres negras.

“Eu mesma fui perseguida na Câmara de Vereadores de São Paulo. Tentaram invadir meu gabinete. Iniciei meu mandato tendo que processar mais de 50 pessoas por ataques racistas e transfóbicos”, protestou. Ela relatou sobre as dificuldades de ser parlamentar no Brasil. “A situação das mulheres e defensores dos direitos humanos no Brasil é gravíssima e precisamos denunciar isso ao mundo”, disse.

Representantes do governo brasileiro na audiência minimizaram as críticas ao país, dizendo que a violência é um problema global, não exclusivo do Brasil.

A audiência, para tratar exclusivamente de denúncias dos casos brasileiros, é resultado da articulação das organizações Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Criola; Terra de Direitos; Instituto Marielle Franco; Justiça Global; Rede Nacional de Negras e Negros LBGT e o Instituto Raça e Igualdade, que protocolaram o pedido de audiência para visibilizar e reivindicar do governo brasileiro uma atuação coordenada para proteger a vida e os direitos políticos das candidatas eleitas, diante do fenômeno da violência política e eleitoral.

As parlamentares cobraram do Estado Brasileiro ações para uma agenda que combata a transfobia e o racismo e que permitam às mulheres negras e trans um exercício pleno de seus mandatos sem ameaças ou violências.