2020 foi um ano que além do registro recorde de candidaturas de mulheres na disputa para assumir as prefeituras e câmaras municipais, também foi inédito o número de mulheres eleitas, reeleitas ou que, naquele período, ainda iriam disputar o segundo turno.

Os dados são do TSE e mostram também que mulheres foram eleitas em cerca de 12% das prefeituras do Brasil. Um crescimento significativo que reforça o quanto a política institucional tem deixado de ser um espaço masculinizado e excludente.

Entretanto, a medida que cresce a presença das mulheres nas Casas Legislativas, também cresce a violência de gênero na política.

Segundo um levantamento do GLOBO, oito a cada dez parlamentares já sofreram ataques. A pesquisa foi feita através de um questionário distribuído para 78 deputadas, onde 59 (80,8%) relataram já ter passado por algum episódio de violência durante o mandato.

O Instituto Marielle Franco, lançou no fim do ano passado a pesquisa “Violência Política de Gênero e Raça no Brasil 2021”, realizada com depoimentos de onze mulheres parlamentares negras e LGBTQIA+, buscando denunciar a situação dos direitos políticos das mulheres negras e contribuir para a construção de mecanismos de prevenção e enfrentamento à violência na política institucional e nas eleições de 2022.

Confira algumas das parlamentares ao redor do país que sofrem constantemente com a violência de gênero na política.

Andreia de Jesus / MG

Foto: Mídia NINJA

“As mulheres vêm sofrendo várias violências políticas. O nosso corpo aqui é para denunciar que não havia uma democracia de fato enquanto a gente não podia participar.”

“Seu fim será como o de Marielle Franco”. Essa foi uma das ameaças que a deputada estadual recebeu ao longo da sua carreira política. Em carta aberta divulgada em 2021, a parlamentar denunciou as mensagens que recebeu de ao menos 35 perfis. Andreia foi eleita com mais de 17 mil votos e atualmente é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Os ataques não ocorrem somente através das redes sociais. Dentro da casa legislativa, a deputada também é atacada pelos colegas eleitos. Ano passado, ela foi alvo de representantes de extrema direita após um pronunciamento onde pedia um minuto de silêncio por justiça por Kathlen Romeu. Os deputados Coronel Sandro (PSL) e Bruno Engler (PRTB) fizeram uma série de ataques sexistas à deputada do PSOL e a acusaram de estar mal informada sobre a segurança pública no Brasil.

Benny Briolly / RJ

Benny Briolly

“É inadmissível que essas mulheres se coloquem a disposição pra legislar, pra estar nesse lugar que é tão tóxico pra elas e passem por ameaças antes, durante e depois das eleições. Assim, elas são impossibilitadas de ocupar e exercer seu cargo”.

A primeira vereadora trans eleita em Niterói, com mais de 4 mil votos e também a quinta candidata mais bem votada para ocupar a casa legislativa, já foi alvo de ameaças de morte.

Um dos casos mais emblemáticos foi através de um e-mail enviado por um grupo autoproclamado de extrema direita. No conteúdo exigiam que a vereadora renunciasse ao cargo, caso contrário, iriam até sua casa matá-la. Benny foi obrigada a mudar de residência e em maio do ano passado e posteriormente a deixar o país.

O cenário de violência política não se resume às ameaças. Dentro do plenário, a vereadora já foi desrespeitada inúmeras vezes. Inclusive, na última semana, Benny foi vítima de racismo religioso por parte do vereador bolsonarista da casa.

Natália Bonavides / RN

Foto: Lula Marques

“Essas ameaças e ataques covardes não ficarão impunes. O apresentador utilizou uma concessão pública para cometer crime. Vamos acioná-lo judicialmente, inclusive criminalmente”.

A deputada federal potiguar foi recentemente alvo de ataques em rede nacional durante um programa de televisão, com frases ofensivas disfarçadas de crítica a um projeto de lei de sua autoria, que propõe alterar os termos “marido e mulher” na celebração de casamentos civis.

O apresentador Ratinho, afirmou, se referindo a deputada: “A gente tinha que eliminar esses loucos. Não dá para pegar uma metralhadora?”.

A deputada irá recorrer ao Judiciário após o apresentador se negar a veicular direito de resposta em seu programa de rádio.

Talíria Petrone / RJ

Foto: Mídia NINJA

“É um ataque frontal à democracia. Eu, como parlamentar eleita, ser ameaçada com o intuito de limitar minha atuação política. Ainda mais eu estando afastada exercendo meu direito à licença maternidade. É lamentável. Preservar a democracia, não é um problema meu, mas de todas as instituições”.

Há quase dois anos, Talíria Petrone trouxe à público as inúmeras ameaças de morte que recebeu depois de eleita e decidiu se afastar um período das atividades parlamentares.

A violência política vivenciada pela deputada acontece desde o seu primeiro mandato como vereadora de Niterói e a fez deixar a cidade do Rio de Janeiro devido a insegurança e as ameaças contra sua vida dentro e fora do ambiente institucional.

Em 2020, Talíria recorreu à Organização das Nações Unidas (ONU) através de uma carta em inglês, enviada às relatoras de direitos humanos da entidade, pedindo explicações do governo brasileiro, não apenas sobre seu caso, mas também sobre a morte de Marielle Franco.

No mesmo ano, a parlamentar passou a receber escolta policial legislativa, mesmo estando em licença maternidade e em isolamento social.

Érika Hilton / SP

Foto: Mídia NINJA

“Ameaças assustam, trato em terapia, mas não penso em recuar”.

Erika foi a 6º vereadora mais votada durante as eleições em São Paulo, eleita pela Forbes uma das políticas negras mais influentes do mundo abaixo dos 40 anos e ainda a primeira mulher trans na Câmara dos Vereadores da capital paulista. Mas tudo isso não a blindou das inúmeras ameaças de morte e ataques que a parlamentar relata receber diariamente.

Em abril do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou a quebra de sigilo de 49 contas do Twitter e do Facebook, todas acusadas de promover ataques contra Érika. Um dos acusados, que se apresenta como ‘Garçon Reaça’ e propagava descriminações transfóbicas contra a parlamentar, chegou ao ponto de visitar o gabinete da vereadora em janeiro do mesmo ano como forma de intimidação.

O homem foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público de SP e uma investigação da Polícia Civil o enquadrou no artigo 65 da Lei das Contravenções Penais, que versa sobre molestar alguém ou perturbar a tranquilidade.

Apesar de todo o risco, Érika resiste.

Vereadoras da bancada preta de Porto Alegre / RS

Karen Santos, Daiana Santos, Laura Sito e Matheus Gomes.

“A luta antirracista precisa ter uma agenda, mas acima de tudo precisa de um pacto social, de defesa da vida dos parlamentares negros e negras, mas também do combate ao racismo na sociedade”, Bruna Rodrigues.

Daiana Santos, Karen Santos, Bruna Rodrigues e Laura Sito são vereadoras eleitas da Bancada Preta de Porto Alegre e, no fim de 2021, foram ameaçados de morte através de uma mensagem enviada para os seus respectivos contatos institucionais.

Na mensagem o homem dizia que compraria “uma pistola 9 mm no Morro do Engenho e uma passagem só de ida para Porto Alegre”, onde mataria, na própria Câmara Municipal, as vereadoras e quem mais estivesse com elas.

Matheus Gomes, vereador que também compõe a bancada, afirmou que a mensagem com uso das expressões “aberrações”, “símios” e “macacas fedorentas” são nomenclaturas semelhantes às utilizadas no fórum extremista Dogolachan.

“Esse mesmo fórum já tinha ameaçado companheiras de luta como Talíria Petrone, Manuela D’Ávila, Duda Salabert, Carol Dartora e muitas outras. Não irão nos intimidar e nem impedir nosso exercício parlamentar”, afirmou o Matheus em seu Twitter na época.

Um boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de Repressão aos crimes informáticos da Polícia Civil da capital gaúcha.

Das quatro, duas estão entre os dez mais votados da cidade em 2020. Karen Santos foi a mais votada com 15.702 votos e Laura Sito, em décimo, com 5.390 votos. Matheus Gomes ficou em quinto, com 9.869 votos.

Para Bruna Rodrigues “a Câmara de Vereadores deveria ser altiva na manutenção de nossa segurança, mas não é porque relativiza o racismo.”.

Carol Dartora / PR

Foto: Joka Madruga

“Não vão nos calar!”

Desde o primeiro dia de mandato, a vereadora Caroline Dartora (PT), a primeira mulher negra eleita para o cargo na capital paranaense, sofreu com ameaças e ataques.

Em 2020, ela compartilhou em suas redes sociais um email em que recebeu uma ameaça de morte, na qual o autor dizia saber onde ela morava e fazia ameaças de que compraria uma arma, seguido da afirmação de que “nada do mundo vai impedir” de matá-la.

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“O que assusta é que meu endereço real estava ali. Recebi vários ataques racistas desde que fui eleita, mas uma ameaça deste tipo é a primeira vez. Apesar disso, não vão nos calar”, afirmou.

Na época, Carol registrou um boletim de ocorrência e a policia civil do estado passou a acompanhar o caso.

Duda Salabert / MG

Foto: Midia NINJA

Desde sua vitória nas eleições para a vereança na Câmara Municipal de Belo Horizonte, Duda Salabert vem relatando os ataques constantes que recebe.

As mensagens de ódio são compostas por ameaças de morte e de um atentado terroristas contra uma escola onde a mesma trabalhava.

“Vou invadir uma sala de aula do Bernoulli e vou matar todas as vadias, todos os negros (que, infelizmente serão bem poucos, 1, ou 2 cotistas) e depois vou te matar”.

O homem que enviou o e-mail foi identificado e segundo a vereadora, o nome do indivíduo está associado a um grupo neonazista. Outras ameaças de morte na internet teriam sido feitas pelo mesmo autor, em episódios recentes. A vereadora prestou queixa à Polícia e exigiu que o crime fosse investigado.

Quando assumiu o cargo, Duda afirmou que gostaria muito de conciliar a vida política com a docência na escola. No entanto, após a mensagem recebida, a vereadora foi demitida do Bernoulli, grupo em que atuou por 13 anos como professora de literatura.

“Posso estar na política, mas sou professora”.

A vereadora mais votada da história da capital mineira não pretende parar de lecionar, ela afirma que tem planos para a construção de um curso de educação adulta voltado para mulheres encarceradas.

Mariana Conti e Paolla Miguel / SP

Mariana Conti e Paolla Miguel

A vereadora Mariana Conti foi alvo de uma série de ataques através de ligações telefônicas com ofensas de cunho machista e outras intimidações. O episódio ocorreu em novembro do ano passado.

“Fala pra ela parar de criticar Bolsonaro porque o bicho vai pegar pra ela”, é o que dizia o homem que vem fazendo as ameaças à vereadora. Ele também dizia estar sendo orientado por alguém a realizar as ameaças. Na época, a Câmara de Campinas informou que ofereceu todo o suporte à vereadora.

Mas esse não é um caso isolado. Outra parlamentar do município, Paolla Miguel, foi chamada de ‘preta lixo’ quando discursava sobre projeto voltado para a comunidade negra durante uma sessão da Câmara de Vereadores.

A Polícia Civil decidiu intimar a mulher apontada como a autora da frase racista. Segundo testemunhas, a mulher estava com um grupo de direita no Parlamento, que marcava presença para protestar contra a adoção do passaporte de vacina em grandes eventos em Campinas.

Moara Saboia / MG

Moara Sabóia

“Era gente mandando eu ir para Cuba, Venezuela, me chamando de esquerdista. Só que o tom foi mudando. Passei a receber mensagens bem machistas me mandando estudar, me chamando de burra. Coisas que não falariam com um homem”.

Após ser vítima de ataques racistas durante uma sessão virtual da Câmara Municipal, Moara Sabóia, vereadora de Contagem, na Grande BH, procurou a polícia, que passou a apurar o caso.

Na ocasião, ela discursava sobre a reabertura de academias e templos religiosos na cidade, e após a votação, a vereadora contou que passou a receber inúmeras mensagens nas redes sociais de cunho racista e machista.

Um boletim de ocorrência foi registrado pela parlamentar e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil. A Casa Legislativa lamentou o ocorrido.

Moara também afirma que passou a receber mensagens nas quais faziam menções ao seu nariz. “A pessoa disse que ele era ‘amassado’ e isto é uma forma de racismo”. Mensagens com ameaça de violência física também foram compartilhadas nas redes.

“Teve uma mulher que compartilhou o meu voto dizendo que era uma ‘pena’ estarmos em distanciamento social, pois assim não pode ‘partir a minha cara”, contou a parlamentar.