Izabella avalia, que pela falta de habilidade do governo brasileiro, a conta fica para o próximo (Mídia Ninja)

 

Fake news, populismo, desconhecimento da causa e a defesa de processos produtivos ultrapassados corroem a agenda ambiental brasileira. O país, que antes tinha poder na agenda internacional, só se preocupa com a imagem e para isso, “embarca na onda” de acordos que estabelecem metas que ao que parece nem sabe como vai fazer para cumprir. Planejamento, não há. A falta de compromissos mais assertivos, dá vazão também, para que tudo não passe apenas de palavras ao vento.

Ao analisar o cenário do Brasil frente às negociações e também, dos outros países, a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse à equipe de reportagem da MÍDIA NINJA, que está em Glasgow, que o Brasil chegou à COP26, corrigindo meta, assinando acordos para 2030 sem saber se vai cumprir pois não há por exemplo, qualquer projeção para 2025.

“Ele não estabelece meta pra 2025, então pode sugerir um processo aberto de desmatamento. Passa a impressão que está empurrando a conta para frente”, avalia. Ela também analisou a situação do Brasil em relação a um tema que é o calcanhar de Aquiles. “A importância da agenda de uso da terra e da agricultura nesta COP, ela emerge como uma agenda estratégica particularmente para os países do sul. A agricultura brasileira, para ela dar certo, tem que deixar o desmatamento para trás”.

Para Izabella, que hoje é co-presidente do International Resource Panel, da ONU, A agricultura tem que olhar não só para a questão da produtividade, mas tem que trabalhar a eficiência dos recursos naturais. “Ela tem que ser inclusiva e social, ela tem que garantir o direito das populações tradicionais, dos pequenos produtores, dos indígenas, dos quilombolas, ou seja, é uma mudança muito grande, uma nova relação do homem com a natureza”.

Confira parte da entrevista. Ao final da matéria, está disponível também, vídeo com a entrevista.

 

Quais suas impressões sobre essa COP?

Há alguns diferenciais, como o anúncio da declaração de floresta, dos recursos, dos fundos adicionais para as populações indígenas e para essa disputa agora da declaração de metano. Tem a história dos 100 bilhões anuais, ajuda financeira que talvez ainda não esteja clara no processo e não acho que vai ficar clara – tomara que eu esteja errada -, mas eu acho que tá muito mais para você adicionar recursos em função da progressividade de ambição, do que os países envolvidos cumprirem o que eles prometeram no passado.

Nada diferente do que aconteceu, por exemplo, no Protocolo de Quioto, quando os países envolvidos tinham o compromisso de cumprir o Protocolo de Quioto e desembarcaram de Quioto e criaram um ambiente de divisão, de desconfiança entre os países em envolvimento, dos países envolvidos.

Você acha que diante da crise climática, os países estão mais engajados?

Aqui, tem um forte peso nessa divisão, embora o mundo esteja num outro contexto, por que além da agenda de mitigação, tem a agenda de adaptação. As mudanças climáticos já estão acontecendo, vivemos extremos climáticos, segundo o IPCC já acontecem. Nós já estamos com o anúncio de situações irreversíveis, melhor dizendo em relação às questões climáticas. Por outro lado, a notícia na mídia, era que os compromissos feitos na COP podem viabilizar 1,5º C.

Então, abalizar abaixo de 2 ° C que é a linguagem de Paris. Isso significa um avanço do início do ano quando teve a Cúpula do presidente Biden que fez progressos nessa ambição que estava estacionada lá atrás, desde Paris. Então me parece que tem um engajamento de países, de aumentar a ambição nessa década chave, que é a década de 2030 e portanto querer trabalhar com desafios econômicos do mundo fazer essa mudança numa transição para uma economia de baixo carbono.

Agenda social, uso da terra, desmatamento… Quais são suas percepções sobre esses assuntos?

Então, tem um forte componente social ambiental com os indígenas, com as florestas… A importância da agenda de uso da terra e da agricultura nesta COP, ela emerge como uma agenda estratégica particularmente pros países do sul, onde são os países de Brasil, país essencial nesta equação.

A agricultura brasileira pelo cenário, responsável pela segurança alimentar de até um bilhão de pessoas,  tem que dar certo pra segurar a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas. E pra dar certo tem que deixar o desmatamento para trás. Ela tem que ter um olhar não só pro agronegócio, ela tem que trabalhar a eficiência dos recursos naturais, ela tem que ser inclusiva e social, ela tem que garantir o direito das populações tradicionais, dos pequenos produtores, dos indígenas; ou seja, dos quilombolas, é uma mudança muito grande para você lidar com esse mundo , de uma nova relação do homem com a natureza.

Isso significa que o Brasil tem uma responsabilidade  muito grande de parar de falar sobre o passado, é, saber que desmatamento tem que ficar no passado, não é mais desmatamento legal ou ilegal, é desmatamento zero, ou esse desmatamento controlado abaixo de zero, como a gente fala, é, residual, né? E produzir a partir não só das áreas degradadas, produzir a partir dos ativos da agricultura brasileira, com incremento na produtividade, geração de emprego e com redução de conflitos e de desigualdades sociais local. É preciso mudar a renda do produtor, é preciso entender isso, e parar de falar só na perspectiva dos grandes empresários do agronegócio. O Brasil é um país que tem alternativa pra todos os lados, eu não sei por que insiste em cuidar de apenas de uma alternativa.

Você acredita em um bom desfecho?

Aas decisões precisam ser tomadas hoje, você precisa trazer o futuro paro presente, você não pode mais adiar, você não mais usar isso como posições fake; A ciência está dizendo e nós estamos experimentando as vulnerabilidades dessa mudança no planeta. Por outro lado, essa COP acontece também num contexto de uma pandemia. Portanto, na nossa sociedade uma perspectiva de que nós pela primeira vez entendemos, pelo menos na minha geração, o que é uma crise global. O mundo parou. E essa crise, ela independentemente do desastre que foi no Brasil e é no Brasil – e poderia ter sido muito diferente -, mostra que o mundo para.

E ela é menor que uma crise climática porque há uma degradação e punição e exclusão social sem precedentes. Porque você está lidando com migrações, você vai lidar com mudanças de  qualidade de vida, como é que as pessoas estão se relacionando… Então, é desafiador também. Porque você expõe dessa forma, por exemplo, a desigualdade de vacina no mundo. Está muito sensível, porque nós estamos discutindo soluções que parecem que não são aplicadas a curto prazo. Então essas contradições estão ficando expostas é quase, vou usar uma expressão delicada, visceral, da insuficiência das instituições no mundo para lidar com desafios com a humanidade.

O que é preciso mudar?

Nós temos que mudar, então não adianta ficar com as soluções no passado. Podem ter sido soluções vitoriosas no passado, mas não dialogam com o desafio do futuro. E para mudar é preciso ter sociedade para entender a diversidade das situações dos países. E num país feito o Brasil, o que acontece no Amazonas não acontece necessariamente na mata atlântica ou no cerrado. Em funções dos perfis sociais, dos perfis ambientais e dos perfis econômicos.

Então é um processo onde as necessidade locais contam com os benefícios globais, e não mais uma coisa desconectada, que você discute globalmente e depois você vai como é que isso acontece com o seu país, não, a sociedade vem para dizer, “está apertando aqui” e tem que influenciar como é que você vai decidir globalmente.

Isso significa dizer, que as mudanças que nós precisamos só vão acontecer se a sociedade estiver engajada. Isso significa dizer, a importância da democracia que é outra coisa relevante. Países democráticos, são países que na realidade sabem trabalhar suas ambiguidades, são países que sabem trabalhar sem as suas ambições. Países autossuficientes pra elaborar NDCS não concretas, NDCS que ambições manipuladas. Isso não é suficiente. Então mostra também a importância da democracia da renovação dos espaços democráticos do mundo e sair do populismo. Ou somos omissos isso, ou não conseguimos resolver o problema.

E então, aí entra o Brasil?

E aí entra o Brasil. O Brasil é um país importante, não só pela sua tradição, mas por deter a Amazônia dessa geopolítica climática. A Amazônia põe o Brasil no mundo e a Amazônia tira o Brasil do mundo. Agora, a Amazônia ela é importante não só pela sua biodiversidade, mas pela segurança e estabilidade climática do planeta. Então não é que o mundo nos deva, nós temos que proteger a Amazônia por soberania. Soberania se exerce, se protege! O meio ambiente é um bem público pela constituição brasileira e se você está fazendo isso, você tá degradando a Amazônia, você esta entregando a Amazônia, você está degradando isso para o crime, então você não está cuidando. E ao cuidar dessa Amazônia, você está oferecendo paro mundo, a estabilidade climática. Então você vai cooperar com o mundo com base na instabilidade climática, e não por que o mundo nos deve que a gente estoque o carbono, isso é uma leitura equivocada de realinhamento da contemporaneidade do Brasil, completamente equivocada. O mundo não discute isso, não discute como eu sou parceiro. Eu sou seu parceiro por que mantenho a estabilidade climática, então eu quero cooperar pra ter desenvolvimento sustentável; eu tenho 27 milhões de pessoas que precisam de desenvolvimento; é o menor PIB do Brasil. É o menor IDH do Brasil e eu tenho que respeitar as vozes dessas populações pra promover o processo de desenvolvimento sustentável.

E sobre o debate que estão fazendo sobre governança internacional sobre as florestas?

Bom, saiu uma declaração. A declaração na realidade é uma retomada da importância das florestas nessa equação de estabilidade climática. Melhorou a declaração, consultaram mais, mas por exemplo, não consultaram os indígenas. Agora tem que entender como é que esse mecanismo internacional vai dialogar com nossas realidades. Como é que as instituições que cuidam disso no Brasil vão ter acesso, como vão entregar resultados, como é que é a transparência? Não é muita coisa, mas é importante o reconhecimento de que você não tem 1,5ºC sem uma Amazônia protegida. Agora você também não tem uma Amazônia protegida se o mundo não mudar.

Como o Brasil faz para mudar sua imagem?

A imagem não se corrige com fake news, me parece. Aumentou o estoque, virou um relatório internacional que o Brasil que trouxe uma pedalada ambiental nesse relatório internacional e o Brasil vem aqui e corrige a direção. Ele fala, paramos, reconhecemos, colocamos na direção do mundo, isso é importante de observar, faz declaração de redução de emissões até 2050, mas não diz como faz isso e faz duas coisas inexplicadas.

Uma, é, corrige meta, na verdade ele fez uma aritmética, ele corrigiu a meta em função desse novo inventário, para ser a mesma  de 2015, a mesma, não mudou a missão, então fala que é 50%, na realidade fosse certo se fosse 51%, mas não mudou a emissão, não mudou a emissão.

Ele chega com a mesma entrega. E a segunda coisa que o Brasil faz, ele não estabelece meta pra 2025, então pode sugerir um processo aberto de desmatamento. Passa a impressão que está empurrando a conta para frente. E porque que faz isso? Por que oferece uma estratégia de redução de desmatamento linear. Não existe redução de desmatamento numa progressão linear. Em cada 15% eu reduzo. Isso é desconhecer completamente a realidade do desmatamento.

Por que se fosse assim seria mais fácil, mas não é assim. Então isso provocou uma grande desconfiança , vem provocando uma grande desconfiança dos números que o Brasil traz, e mesmo como é que vai fazer restauração florestal de 15 milhões, 18 milhões sem dizer como. Isso mostra a distância de um país que sempre dialogou com sua sociedade e sua democracia, para um país hoje que decide em gabinetes por parte  do empresariado sem dialogar com a realidade do país.

E sobre a redução de metano prometida? Diante do contexto atual, o Brasil consegue atingi-la?

O Brasil está discutindo concessões para ampliar participação do gás natural na matriz energética brasileira, para substituir velhos combustíveis fósseis mais pesados. Qual a estratégia? Como é que a energia vai lidar com isso? Na pecuária ninguém sabe como é que ele vai reduzir, inovação tecnológica… Olha! Quem financiou o laboratório de monitoramento de emissões da pecuária brasileira fomos nós. Na Amazônia, como é que você lida com mais de 50% da produção de gado da Amazônia do pequeno produtor que você não tem transparência no controle e da rastreabilidade desse pequeno produtor, que vem do desmatamento ou não vem do desmatamento.

A pecuária fora da Amazônia tem outra dimensão. Então, como é que isso chegou? Como é que faz o Brasil topar um acordo como esse, além da questão de resíduos sólidos. Me parece muito mais uma postura de topar para melhorar a imagem, estamos juntos, e a conta vem para o próximo governo que terá que colocar isso na realidade e mostrar como é que o governo vai fazer isso.

E não há capacidade política e nem técnica do atual governo brasileiro de dizer como é que se faz. O que eles entregam é retrocesso, eles não conseguem entregar num contexto de uma tradição climática e ter uma governança climática. Eles estão entregando contendo danos. Me parece muito  mais uma estratégia de conter os danos e tentar melhorar a imagem num curto prazo, sinalizar que o Brasil não vai ser um bloqueador, do que ser um Brasil que tinha nessa agenda um lugar de poder internacional. O Brasil perdeu o poder na agenda internacional, tá tentando fazer controle, vai deixar a conta pro próximo governo.

 

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