Por Igor Fonseca

Ainda que seja uma premiação da indústria cinematográfica estadunidense, voltada para reconhecer uma cadeia de produção específica, o Oscar é um importante instrumento de repercussão do cinema a nível mundial. Portanto, a seleção dos filmes costuma refletir de qual maneira a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas – responsável pelo prêmio – articula suas preferências artísticas e ideológicas com a safra distribuída naquele ano. E na 96ª edição, que acontecerá no próximo domingo (10), esse cenário não é diferente.

Três dos dez indicados a categoria de Melhor Filme tem um elo em comum: a representação do genocídio em suas narrativas. Considerando a atual escalada da crise humanitária na região de Gaza, e o extermínio em curso do povo palestino pelo governo de Israel, essas escolhas demonstram a capacidade da premiação, a sua maneira, de dialogar com acontecimentos da realidade e propulsionar obras que a espelhem.

Dos longas em questão, o mais próximo à situação da Palestina é “Zona de Interesse”, coprodução entre o Reino Unido e a Polônia, dirigido por Jonathan Glazer. O filme retrata uma família alemã durante a Segunda Guerra Mundial, que vive aos arredores de Auschwitz, o mais emblemático complexo de campos de concentração da Alemanha Nazista. Por meio de escolhas estéticas que privilegiam o choque entre o Holocausto e o cotidiano bucólico de seus executores, na qual o horror é sugerido através do som, temos um tenso lembrete de um dos eventos que marcaram a história recente da Europa.

Não é incomum ao Oscar reconhecer obras sobre a Segunda Guerra na categoria principal. Porém, chama a atenção termos um filme que trata tão diretamente, apoiada na subjetividade, sobre o extermínio de um povo. A abordagem oposta é encontrada em “Oppenheimer”, ambientado na mesma temporalidade de “Zona de Interesse”. Ao concentrar sua história em J. Robert Oppenheimer, pai da bomba atômica, o diretor Christopher Nolan também trata de um genocídio sob o ponto de vista do algoz, mas dentro de um gênero que muito agrada a Academia – a cinebiografia.

Assim como o filme de Glazer, “Oppenheimer” nos priva de testemunharmos visualmente a monstruosidade executada por seu protagonista. Só que ao contrário do olhar provocativo do outro longa, temos aqui uma clássica jornada de ascensão e queda, em que os impactos das ações do cientista reverberam em várias esferas, desde o seu estado psicológico até a sua reputação política. Em nenhum momento Nolan acessa a perspectiva dos japoneses, abordando a tragédia apenas como âncora do desenvolvimento da narrativa que escolheu contar.

Martin Scorsese parte da mesma premissa para conduzir o seu “Assassinos da Lua das Flores”. O público acompanha o massacre da nação Osage sob a ótica dos colonizadores brancos. Porém, há uma complexidade na abordagem que distancia esse filme dos outros dois. Ao invés da sugestão ou da omissão, o filme decide escancarar os mecanismos de controle social e territorial, assim como as práticas de extermínio e as motivações eugenistas de William King Hale (personagem de Robert De Niro) e sua máfia. Isso sem negar a perspectiva do povo indígena, reconhecendo, dentro das limitações impostas pelas escolhas narrativas, a agência dessas pessoas nos acontecimentos retratados.

A tendência da categoria Melhor Filme, de por vezes servir como termômetro da atmosfera social, pode ser observada em outros anos. A histórica edição de 2017 premiou “Moonlight”, um filme de elenco 100% preto, após um 2016 repleto de discussões sobre a representação de pessoas negras no audiovisual e da iminente eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Outro exemplo é a edição de 2010 elegendo “Guerra ao Terror”, uma glorificação do imperialismo estadunidense, no auge da campanha bélica contra o Oriente Médio iniciada no governo Bush, em 2003.

No dia 10, o Oscar revela os seus vencedores, e a presença dos três filmes citados diz muito sobre o tipo de cinema que a Academia valoriza, e como ela responde às narrativas sociopolíticas de diferentes épocas, em um esforço para se manter relevante.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024