Andrea Riseborough. Foto: Vianney Le Caer/Invision/AP

Por Lilianna Bernartt e Sabrina Ventresqui para cobertura colaborativa da Cine NINJA

As edições do Oscar são sempre polêmicas. Seja pela escolha dos apresentadores, dos filmes ou dos vencedores, é sabido: tem polêmica. Neste ano não foi diferente.

A problemática da vez foi a nomeação da atriz Andrea Riseborough na categoria de Melhor Atriz por sua atuação no filme, ainda pouco conhecido, “To Leslie”. A falta de notoriedade do longa não foi a causa da estranheza pela indicação da atriz, mas sim, a campanha de marketing realizada para que isso acontecesse.

Em meados de 8 de janeiro de 2023, houve um verdadeiro bombardeiro de pedidos feitos diretamente aos votantes para que Riseborough fosse indicada, tomando conta das redes sociais.

Algo similar aconteceu aqui no Brasil, quando várias atrizes passaram a publicar fotos delas mesmas em florestas, rios, cachoeiras, para que fossem consideradas ao papel de Juma Marruá, uma das mais disputadas e desejadas personagens das telinhas nos últimos tempos.

Sem qualquer juízo de valor quanto à obra e à atuação de Andrea, a desconexão entre o rápido e forte burburinho criado em torno do filme se agravou quando foi notado que as matérias acerca do filme possuíam o mesmo título sequencial ou textos extremamente semelhantes, contendo frases idênticas como: “Um pequeno filme com um grande coração”.

Este tipo de flagrante reafirma o comprometedor processo de transparência da Academia. E não estamos falando de atrizes desconhecidas. Grandes nomes do cinema estadunidense clamavam pela indicação de Andrea. As premiadíssimas Cate Blanchett (que concorre contra Riseborough), Charlize Theron e Kate Winslet são apenas algumas artistas que publicaram elogios a “To Leslie”.

Divulgações pelas redes sociais à parte, já que as redes são de fato uma plataforma através da qual as pessoas conseguem se apresentar ao mundo, o tema ganha outra camada quando percebemos que a maioria das atrizes envolvidas nas massivas postagens eram brancas.

Isso porque havia grandes esperanças acerca da indicação da poderosa e talentosa atriz Viola Davis por conta de seu papel em “A Mulher Rei”, o que foi descaradamente minado por Hollywood já que, apesar do filme ter feito uma vasta campanha, o ignorou. A hipótese é de que seria Davis a indicada na categoria de Melhor Atriz, vaga que, provavelmente, ficou com Riseborough.

Aliás, vale ressaltar que esse descaso vem desde a estreia do filme “A Mulher Rei”, época em que Viola teve de se defender publicamente de parte da crítica que a acusara de racismo e romantização da escravidão.

A crítica foi formada majoritariamente por pessoas hétero, cis, brancas, europeias. Elas acusaram a diretora Gina Prince-Bythewood e a atriz Viola Davis, protagonista e produtora do filme, de apagar a gravidade da violência sofrida por um grupo de mulheres africanas. A polêmica, inclusive, acarretou o cancelamento do filme no Oscar 2023.

A pergunta que não quer calar é uma só: haveria a mesma mobilização que houve pela indicação de Andrea se fosse em benefício de uma mulher negra ou não branca?

A premiação do Oscar acontece há 95 anos e nesse tempo apenas Halle Berry levou a estatueta de melhor atriz em 2002, mais de 20 anos atrás. Nesta edição, aos 60 anos, a veterana Michelle Yeoh, é a primeira atriz amarela a ser indicada na categoria, sendo essa também sua primeira indicação.

 

View this post on Instagram

 

A post shared by @cine.ninja


Apesar de já ter estrelado vários longas ‘mainstream’, como Tigre e o Dragão (2000) e Memórias de Uma Gueixa (2005), só agora Yeoh teve seu talento notado pela Academia. Ela concorre na categoria ao lado de outras três mulheres brancas. (Vamos desconsiderar Ana de Armas, porque apesar de que ela seria considerada como branca no Brasil, nos Estados Unidos essa leitura funciona de forma diferente e não entraremos nesta discussão).

As demais atrizes não são culpadas pela falta de diversidade nas premiações, mas certamente se beneficiam de um sistema racista que rege os bastidores da premiação e que reverbera um problema social e estrutural.

Os artistas e filmes eleitos pelos membros votantes da Academia têm sempre algo em comum: a cor da pele. Isso mudou ao longo dos anos, principalmente depois do “Oscar so White” em 2016 e a retaliação que a premiação recebeu quando indicou apenas pessoas brancas naquela edição. Mas aparentemente não foi o suficiente.

É necessário relembrar o histórico de polêmicas da Academia quanto à segregação racial e de gênero. Um caso emblemático que explicita o racismo da premiação é da atriz Merle Oberon, que nasceu em Mumbai e passou a vida inteira se passando por uma mulher branca. E ela fez isso porque sabia que não seria aceita pela elite hollywoodiana se revelasse sua verdadeira origem.

Ela foi indicada a Melhor Atriz por ‘The Dark Angel’ em 1936, concorrendo com grandes nomes como Katharine Hepburn e Bette Davis. A atitude de Oberon é compreensível. Se hoje em dia, mesmo com a conscientização mais dissipada da sociedade quanto à inclusão e diversidade, as minorias ainda não atingiram a igualdade ou o exercício de seus plenos direitos, imagine naquela época?

Na edição de 1940, a ganhadora do Oscar, Hattie McDaniel, foi impedida de participar da Cerimônia.

As indicações de mulheres fora da branquitude hollywoodiana são um pouco mais numerosas na categoria de Atriz Coadjuvante, o que nos leva a outra reflexão: Por que a escolha de uma pessoa não branca se torna mais aceitável apenas em uma categoria secundária?

Claro que isso não é mero acaso. Existe o pacto da branquitude, em que os brancos se protegem a qualquer custo. As conquistas, vitórias e maior diversidade racial, de gênero ou de orientação ameaçam o sistema dominante, composto principalmente por homens brancos, heterossexuais e cisgênero.

Assim, as pessoas que “estão no comando” fazem de tudo para não perder a hegemonia e seus privilégios. Bem como o patriarcado, a branquitude também faz de tudo para “se manter no topo” e enfraquecer as minorias, conforme elas avançam.

O privilégio é nítido quando percebemos que depois de Halle Berry, nenhuma outra atriz não-branca levou o prêmio de Melhor Atriz e em seu discurso, a atriz discursou desejando que sua vitória ajudasse a abrir portas o que, bem, não ajudou. Berry acabou sumindo dos holofotes e nunca mais foi indicada à outra estatueta dourada.

Até hoje a situação segue de forma injusta e não satisfatória, sabendo que somente cerca de 20 estatuetas foram entregues a mulheres negras no decorrer dos anos.

Enquanto isso, as atrizes brancas seguem tendo novos papéis todos os anos, novas oportunidades e participando de inúmeros filmes. Já atrizes não-brancas precisam de algo excepcional, que fure a bolha e mesmo assim, se não ganharem quando indicadas, muito provavelmente nunca mais serão lembradas pela Academia, pois no ano seguinte outra atriz branca ocupará o pódio.

A Academia luta para disfarçar sua manipulação realizada para garantir a manutenção e favoritismo da hegemonia europeia e a busca da reparação de sua credibilidade junto ao público, mas se perde descaradamente em exemplos como a controversa indicação da atriz Andrea Riseborough que acaba por prejudicar não só a imagem da própria atriz, bem como o filme e equipe.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2023