Em nova atualização a OMS “reconhece a diversidade de gênero e sexo” para “além do binário”, entende a “identidade de gênero como um continuum” e que “o sexo não se limita ao masculino ou feminino”

Getty/Aldara Zarraoa

Por Valentini Luccan Petrovsky

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou em seu site oficial a nova atualização do Manual de Integração de Gênero – um manual de abordagem prática para gestores de saúde – reconhecendo a diversidade de gênero e sexo para além do binário, compreendendo a identidade de gênero como um continuum e pontuando que o sexo não se limita ao masculino e feminino. O anúncio que aconteceu no mês do orgulho não-binário (14 de Julho, dia internacional do Orgulho Não Binário) veio na primeira semana do mês, na quarta (06/07), e representa um avanço no reconhecimento da não-binariedade de gênero e das intersexualidades.

A equipe departamental da OMS disse que está modernizando seu “manual de integração de gênero” com base em “novas evidências científicas e progresso conceitual” sobre gênero, saúde e desenvolvimento. A orientação é usada por profissionais de saúde em todo o mundo e foi publicada originalmente em 2011. A revisão e atualização do manual está sendo realizada em parceria com o Instituto Internacional de Saúde Global da Universidade das Nações Unidas.

O processo de revisão e atualização se baseará no extenso trabalho já apresentado no manual de 146 páginas de 2011. Tendo como foco: “1. Atualizar conceitos-chave em torno do gênero; 2. Destacar e expandir o conceito de  interseccionalidade , que analisa como as dinâmicas de poder de gênero interagem com outras hierarquias de privilégio ou desvantagem, resultando em desigualdade e resultados diferenciais de saúde para diferentes pessoas. Os fatores de interseção incluem sexo, etnia, raça, idade, classe, status socioeconômico, religião, idioma, localização geográfica, status de deficiência, status de migração, identidade e expressão de gênero, orientação sexual e situação política.”

Além do foco em: “3. Ir além das abordagens binárias  de gênero e saúde para reconhecer  gênero e diversidade sexual,  ou os conceitos de que a identidade de gênero existe em um continuum e que o sexo não se limita ao masculino ou feminino; 4. Introduzir  novas estruturas e ferramentas de gênero, equidade e direitos humanos  para apoiar ainda mais a capacitação em torno desses conceitos e a integração de suas abordagens no trabalho da OMS.”

O atual manual “Gender Mainstreaming for Health Managers: A Practical Approach” é anunciado como um “guia fácil de usar” para aumentar a conscientização e desenvolver habilidades em análise de gênero e planejamento sensível ao gênero nos cuidados de saúde. Ainda não está claro quando o manual revisado será finalizado e distribuído, mas o site da OMS aponta que será entre agosto até o final de 2022, dado que seu planejamento começou desde o mês de maio deste ano e vai até após agosto conforme imagem divulgada. 

Créditos: OMS. Fonte: who.intO departamento da OMS informa ainda que “durante o verão e outono de 2022, as pessoas (cientistas) estão tendo a oportunidade de fornecer contribuições e feedback das revisões das atualizações e participar de um workshop de validação e/ou dos pilotos”.

Algumas especialistas críticas ao anúncio da OMS consultadas pelo Daily Mail afirmam que “a ideia de que existem mais de dois sexos é um entendimento pós-moderno e não científico que não deve ser apoiado pela OMS”. Outra ainda disse que “é uma rejeição da biologia básica – e [um] erro”. O site Daily Mail não trouxe parte da comunidade científica (especialistas) favoráveis a alterações a luz de novas evidências científicas, e acaba corroborando com uma visão unilateral como se o reconhecimento de pessoas intersexo e trans não binárias  já não fosse uma realidade reconhecida pela Associação Americana de Psicologia, em artigos científicos na PubMed, dentre outros órgãos nacionais e com atuações internacionais de saúde. 

Pessoas trans não binárias e intersexo são pessoas biológicas tanto quanto pessoas cisgêneras, a concepção de uma “biologia básica” que exclui as variações biológicas e psicossociais é uma abordagem imprecisa, ultrapassada e ignora dados antropológicos, psicológicos e socioculturais. A OMS em seu site já compreende “o gênero como uma construção social” e que “o gênero varia de sociedade para sociedade e pode mudar ao longo do tempo.” Compreende também a dimensão e a relação do sexo e gênero como coisas distintas e intercambiáveis. Esse debate interdisciplinar não é exclusividade da biologia e tem dialogado com uma vasta bibliografia e dados de diferentes partes do mundo. 

Em janeiro deste ano, a OMS deixou de figurar transexualidade/transgeneridade na categoria de transtornos mentais e passou a constar no setor de direito à saúde, assim como a gravidez e a velhice, em nova edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 11), anunciada em junho de 2018. Para concluir, a nova atualização do Manual de Integração de Gênero – pelo menos até o momento divulgado – poderá abranger pessoas não binárias dentro da categoria de incongruência de gênero, abrangendo pessoas trans ou que tenham inconformidade de gênero, além de reconfigurar a compreensão sobre as variações de pessoas intersexo.