Líder de indicações, a obra de Christopher Nolan é favorita nas principais categorias da 96ª edição do Oscar.

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Por Marcos Santiago

Oppenheimer é um forte candidato a levar as estatuetas mais importantes da Cerimônia de Premiação do Oscar 2024, entre elas melhor filme e melhor direção para Christopher Nolan. Com 13 indicações, a obra já obteve prêmios que são termômetro para o Oscar, como melhor filme – drama no Globo de Ouro, BAFTA, Critics Choice Awards e outros de sindicatos do ramo cinematográfico.

Cercado por uma campanha de marketing atrelada ao sucesso de “Barbie”, de Greta Gerwig, o filme arrecadou mais de 950 milhões de dólares nas bilheterias. O drama biográfico, aborda parte da vida do físico J. Robert Oppenheimer, responsável por liderar uma equipe de cientistas durante o Projeto Manhattan na Segunda Guerra Mundial, que levou ao desenvolvimento da bomba atômica. Narrativas com esse teor biográfico são historicamente valorizadas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, sendo assim um protocolar filme de Oscar. Isso quer dizer que é a obra mais importante do ano? Não.

Entre os indicados à categoria de melhor filme, surpreendentemente esta edição contempla diversas obras com ar transgressor, convictas de seus posicionamentos ao tratar temáticas delicadas. “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos, aborda o feminismo, independência, opressão do masculino e capitalismo, além de provocar o grande público com o simples fato de que adultos fazem sexo, demonstrando uma atitude desinibida e nada conservadora com relação a cenas desse tipo. Outro exemplo é “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer, que trata de forma profunda os horrores da Segunda Guerra, sob a ótica de uma família nazista. Ao longo da projeção confirma-se uma máxima do terror, onde muitas vezes o que não é mostrado em tela pode ser mais aflitivo do que uma ação explícita. Assim, a obra manifesta a banalidade do mal com um dos finais mais impactantes e devastadores dos últimos anos no cinema. Destaque também para “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, e para o sensível “Vidas Passadas”, de Celine Song, esnobada na categoria de melhor direção.

Já Oppenheimer traz um protagonista dúbio, que flerta com a efervescência de ideais revolucionários e acaba como fantoche do militarismo norte-americano, escorado no pretexto de ser fiel à ciência, e posteriormente tendo de lidar moralmente com as consequências de suas escolhas. Sem definitivamente tomar partido, fica a exaltação do nacionalismo e poderio bélico estadunidense, evidenciado em uma sequência de grande importância para a trama, o teste da bomba no meio do deserto. Um fato ignorado pelo filme é a consequência dessa experiência. Em matéria veiculada pelo Portal G1, diversos parentes de residentes de comunidades próximas ao local, comprovaram um grande número de vítimas e danos à saúde decorrentes dos efeitos da bomba, visto que na época não houve qualquer instrução de evacuação ou cuidados para com os testes. Até hoje são gerações de famílias diagnosticadas com câncer, fato que inclusive resultou em uma Lei de Compensação por Exposição à Radiação. Curiosamente, a maior parte das famílias afetadas pela radiação e que lutam até hoje por indenizações, são as de origem hispânica e indígena do Novo México. Em cena, as lentes IMAX de Nolan evidenciam a potência e “êxito” da bomba atômica.

Infelizmente a dubiedade de Oppenheimer perpetua até os dias de hoje, onde negam-se genocídios a fim de alimentar uma lógica imperialista.  Confirmando o favoritismo do filme, mais uma vez a Academia estaria premiando uma obra que retroalimenta a indústria hollywoodiana com falsos moralismos. Mas o Oscar tem suas surpresas. Premiações nunca deixaram de ser um lugar de colocação para discurso político, quem sabe assim não joguem luz a respeito de conflitos atuais ou mesmo lembrem das famílias esquecidas do Novo México.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Especial Oscar 2024