Por Alexandre Cunha

Não é novidade: o fenômeno dos reality shows é um assunto recorrentemente debatido nas artes e nas produções midiáticas. De “Jogos Vorazes” a análises sobre o comportamento humano em produtos como Big Brother Brasil, as questões que envolvem as dinâmicas destes programas reverbera discussões sobre até onde a nossa sociedade expõe as pessoas para obter números, audiências, dinheiro. 

O Cinema, como grande lupa que ajuda a compreender a realidade, não poderia deixar de refletir sobre o tema. Lembro-me do interessante filme Reality – A Grande Ilusão (2013), do diretor italiano Matteo Garrone. Inserido na mesma perspectiva, o documentário O Competidor (2023) se debruça sobre um polêmico programa transmitido no Japão, na década de 90: uma espécie de big brother de um homem , intitulado Denpa Shonen.

Dirigido pela britânica Clair Titley, o documentário conta a história do então aspirante a comediante Tomoaki Hamatsu (conhecido como Nasubi). O japonês passou 15 meses nu, em um apartamento, incomunicável, diante das câmeras do reality show. Se isso já não fosse absurdo o suficiente, o programa ainda ia além: seu protagonista era obrigado a preencher cupons de concurso para ganhar o que precisava para sobreviver – comida, roupas e eletrodomésticos – até atingir a meta de 1 milhão de ienes. 

A primeira metade do filme é extremamente interessante: a diretora mescla imagens de arquivo do programa com entrevistas atuais dos principais personagens da história (além de Nasubi, foram entrevistados o idealizador do programa, familiares e amigos do protagonista, jornalistas que cobriram o evento à época). Perceber como a busca pela fama levou Nasubi a situações extremas mostra quão perverso é um sistema midiático meramente preocupado com pontos de audiência.

As falas (e até mesmo a postura corporal e gestual) de Toshio Tsuchiya, diretor e idealizador do reality japonês, são fortes e sintomáticas. A obsessão em tornar o programa num sucesso estrondoso, histórico, fez com que qualquer rastro de humanismo se esquivasse de Tsuchiya; ao falar sobre o que fez com o jovem Nasubi, o produtor televisivo se compara ao diabo, mas não parece muito arrependido do que fez.

“Em vários momentos, eu via que minha única saída era morrer”. A alarmante frase do protagonista do reality – e do documentário – abre um vão sobre a discussão acerca da saúde mental; entretanto, o documentário apenas passa de relance e parece não querer se aprofundar no tema. 

E é na falta de profundidade crítica que O Competidor mais falha; a diretora Clair Titley opta por se colocar à distância, sua câmera às vezes parece até fria e sem qualquer envolvimento com aqueles personagens. Se a falta de julgamento moral dos personagens pode ser avaliado como um ponto positivo, a ausência de uma crítica mais severa ao modus operandi televiso acaba por se traduzir em certa covardia (a BBC de Londres é uma das produtoras do filme). 

Apesar de suas irregularidades, O Competidor vale por nos mostrar como a vida humana pode ser tratada como mero objeto de consumo. Nada parece importar, quando a finalidade é elevar os números de audiência. Era o caso do Japão de 1998, mas se mantém extremamente atual e universal. O filme serve de alerta.

Texto produzido em cobertura colaborativa da Cine NINJA – Festival É Tudo Verdade 2024