Foto: Cleber Machado

O Centro Cultural Ilê das Pretas, localizado no bairro Cidade Salvador em Jacareí (SP), fundado por Dany Kriola – conselheira municipal da mulher, fundadora dos coletivos NANDI, Palmares Resiste e Batalha dos Trilhos, ativista dos direitos humanos pelo e para o povo preto – e Bruna Souza, conselheira suplente do Conselho municipal da Cultura e cofundadora dos coletivos citados, é sede do Coletivo de mulheres NANDI e do coletivo Palmares Resiste, que são responsáveis pela realização de atividades de formação, debates, rodas de conversas, cineclubes, apresentações artísticas, culturais e identitárias direcionados aos temas de feminismo, pretitude e de combate a transfobia e preconceito contra o povo preto e periférico.

O Ilê das Pretas é um espaço de acolhimento para o bairro e região para questões sociais e culturais e também está na linha de frente contra o fome e a desinformação durante a pandemia do Covid-19, com iniciativas que atendem muitas comunidades próximas, por meio de arrecadação de alimentos, roupas e cobertas, distribuição de cestas básicas, kits de higiene pessoal, máscaras e marmitas para pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social.

Hoje o Ilê corre perigo!

Ilê das Pretas, como foi apelidado por Dany e as outras moradoras, é uma casa que foi ocupada no dia 15 de dezembro de 2019 após conversas com moradores do bairro e a ciência do abandono do imóvel por um tempo considerável.

Para a vizinhança, a ocupação foi benéfica por deixar a casa em condições habitáveis. Antes, o lugar era tomado pelo mato, animais peçonhentos e era um ponto de uso de drogas, trazendo riscos para os vizinhos, como relata a advogada do caso, Rafaela Mendes.

O pedido de reintegração de posse chegou ao Ilê das Pretas na última quarta-feira. Há cerca de um mês, Dany e as moradoras receberam o aviso de que a reintegração seria feita a partir do processo requerido pelo suposto proprietário do imóvel.

Em meio a pandemia, a reintegração de posse ameaça a continuidade dos trabalhos realizados pelos coletivos e ainda coloca em risco a vida de mulheres negras como a Dany Kriola, mãe solo de 4 filhos, e da ativista Bruna Souza, que juntas cuidam diretamente deste espaço e o fazem de moradia.

Conforme reportagem feita pelo Portal Jardim Babilônia, o foco da defesa de Dany, feita por Rafaela Mendes, advogada popular e integrante do coletivo Nandi, em parceria com Felipe Daier e João Pedro Shimidt, é questionar a legalidade da aquisição do imóvel pelo suposto proprietário e por em pauta a recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos de suspender reintegrações de posse, demolições de ocupações, entre outros devido à pandemia do Covid19.

No Ilê o clima é de resistência e confiança em que a reapropriação não vai acontecer!

Lute como uma mulher preta!Coletivo de Mulheres Nandi – JacareíColetivo Palmares ResisteIlê das Pretas

Posted by Dany Kriola on Tuesday, June 2, 2020

NOTA SOBRE A MANUTENÇÃO DO MANDADO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE DO ILÊ DAS PRETAS

A 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou a concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto pela nossa defesa, mantendo a reintegração de posse determinada pela juíza da 3ª Vara Civil Dra. Luciene de Oliveira Ribeiro, que requisitou, para tanto, o uso de força policial e autorizou o arrombamento do Ilê de Pretas.

No despacho, o Relator Cerqueira Leite considerou que:
“O advento da pandemia do Covid-19 não é e não pode ser chancela à todo e qualquer ato arbitrário, como o esbulho possessório […]”
E ainda que:
“O direito constitucional à moradia não legitima que o interessado faça justiça social pelas próprias mãos e viole a posse de outrem sob o pretexto de que, na sua percepção, está abandonado pelo esbulhado [SIC]
Tolerar esse estado de coisas é franja à anomia, à sociedade sem regras e ordem.”

A decisão do Tribunal de Justiça é a expressão da própria barbárie banalizada e imposta sobre nossos corpos. O que se lê nas entrelinhas, quando o Covid-19 é mencionado é que, nem mesmo em meio à maior pandemia da atualidade, quando no momento em específico que a decisão era proferida, contávamos mais de 35 mil vidas ceifadas abruptamente, com uma expectativa de desemprego de 17% até o fim do ano, quando vemos o crescimento vertiginoso das mulheres e suas crianças esmolando nas calçadas e nossos irmãos de outros estados cavam valas coletivas para sepultar os seus, nem mesmo nesse momento o direito à existência digna, à moradia e à saúde fazem frente ao direito à propriedade.

Ressaltamos que a própria seção de Direito Público do TJSP elaborou uma publicação sobre o período pandêmico, orientando a jurisprudência no sentido de privilegiar o direito à vida e à saúde em detrimento da propriedade enquanto perdurar essa situação excepcional. No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Direitos Humanos emitiu uma recomendação ao Poder Judiciário Nacional de “suspensão, por tempo indeterminado do cumprimento de mandados de reintegração de posse.”

Em que pese o entendimento do desembargador de que a luta por direitos frente ao genocídio, à barbárie, à especulação imobiliária, à fome, ao desemprego e ao racismo, não justificam que as mulheres do Ilê de Pretas façam “justiça social com as próprias mãos”, por aqui seguimos fazendo justiça, combatendo a miséria e denunciando opressões, não só com as próprias mãos, mas com os pés firmes na terra, com mentes e corações. Durante a pandemia, o Ilê das Pretas é responsável por entregar, diariamente, de 7 a 20 cestas básicas, cerca de 60 marmitas para trabalhadores informais e pessoas em situação de rua, além de cobertores, roupas, fraldas e outros artigos para mães solo. Em meio à ameaça de despejo, esse trabalho prossegue com a mesma intensidade.

Se o ritmo, o compasso e o mecanismo da máquina que mastiga e cospe o povo para as calçadas não fosse tão cotidiano a ponto de se traduzir em rotina, situações como essa fariam gritar cada pessoa que ainda tem sangue quente correndo em suas veias.

Mesmo diante da promessa de violência, não temos tempo para ter medo! Com a certeza de que nos posicionamos do lado certo da luta e de que lutar contra a marcha fúnebre que prossegue é uma causa justa, com a benção de nossos orixás e com o apoio de nossas irmãs e irmãos de luta: NÃO RECUAREMOS!

Para saber mais sobre o processo de reintegração de posse que ameaça o Ilê das Pretas acesse os links:

Ilê das Pretas: entenda porque reintegração de posse beira ilegalidade

Ilê das Pretas: agravo para suspender reintegração de posse é negado

Fotos: Cleber Machado

Fotos: Cleber Machado