Três de cada quatro domésticas no Brasil não tem carteira assinada. Cruzamento de dados do primeiro trimestre de 2020 do PNAD/IBGE mostra que domésticas negras ou pardas são maioria, sem carteira assinada e com menor salário.

Foto: pascalhelmer

O emprego como doméstica exige muitas horas de trabalho semanais (perto de 85% delas trabalham mais que 40 horas semanais); é muito mal remunerado (em termos absolutos e relativos); é ocupado predominante por mulheres negras que, por sua vez, recebem ainda menos do que as mulheres brancas pelo mesmo trabalho. Muitas destas mulheres são chefes de famílias (mais da metade das famílias das domésticas dependem diretamente delas), e podem ser a única fonte de remuneração monetária. Quase a metade das empregadas domésticas vivia na região sudeste, mas a pior remuneração média está na região nordeste do país.

O perfil etário mostra que as empregadas domésticas estão envelhecendo, mas não foi registrado aumento de renda apesar da experiência acumulada, em comparação com outros profissionais. É uma categoria de trabalho que está quase que totalmente à margem da legislação trabalhista (74% não são registradas), sem direitos trabalhistas, da justiça do trabalho, da fiscalização das condições de trabalho e da previdência social.

Estas foram algumas das principais conclusões da análise do cruzamento de dados do 1º trimestre de 2020 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD/IBGE), estudo realizado por quatro economistas professoras do Núcleo de Pesquisa de Economia e Gênero da FACAMP (Faculdades de Campinas).

Para a professora Juliana Filleti, estes dados confirmam que no Brasil as trabalhadoras negras e pardas são as de trabalho mais precário e de pior remuneração em relação ao país como um todo. Segundo os dados da PNAD analisados, as empregadas domésticas somam 5,5 milhões das mulheres no mercado de trabalho (13,6% das mulheres ocupadas e 5,2% do total da força de trabalho brasileira). Apesar da grande precariedade e da baixa remuneração, elas são a principal fonte de renda em mais da metade dos casos (50,2% para as registradas e 52% das que não possuem contrato de trabalho). Assim, é possível supor que mais da metade dos lares das empregadas domésticas sejam sustentados exclusivamente por seus baixos rendimentos. Em termos comparativos, o rendimento delas (R$ 911,00) não acompanha o salário mínimo oficial e não representa nem a metade da renda média no país – recebem apenas 38% do rendimento médio do trabalhador brasileiro (R$ 1.342,00) e 44,2% da renda média das mulheres ocupadas.

Neste universo, segundo a professora Juliana Filleti, os fatos estão diretamente ligados à falta de registro em carteira assinada. “Apenas um quarto das empregadas domésticas (26%) possui registro formal de trabalho e estas recebiam em média R$ 1.292,00 no primeiro trimestre de 2020. Para as demais (74%) esta média cai para R$774,00. Esta baixa remuneração é um retrato da imensa diferença de rendimento em relação a outras ocupações e na desvalorização do trabalho doméstico no Brasil, o que é mais evidente em algumas regiões do país.”

Dentro deste universo de baixa remuneração e ausência de registro em carteira assinada, as mulheres pretas ou pardas são as mais afetadas. Elas representam a maioria das empregadas domésticas (65,3%), e dentre as que não são registradas somam 66,4% do total. Segundo o estudo, elas também recebem menos que as empregadas domésticas brancas ou amarelas (R$ 1.009,00 contra R$ 860,00).

Entre as que têm carteira assinada, mais uma vez as negras e pardas recebem menos que as demais – R$ 1.342,00 contra R$ 1.261,00. Mas a diferença se amplia entre as mulheres sem registro de trabalho formal: o rendimento médio das domésticas brancas e amarelas foi de R$875,00 e o das de cor negra e parda R$724,00, cerca de 30% do total de renda média das pessoas ocupadas no Brasil. Provavelmente, as informais são empregadas domésticas diaristas, com trabalho intermitente, esporádico, com rendimentos muito baixos e insuficientes para compor o orçamento doméstico.

Com relação ao nível de instrução, quase metade das trabalhadoras domésticas não completaram o ensino fundamental (44,8%) ou não tem instrução nenhuma (2,7%). O trabalho doméstico ainda cumpre uma via importante de ocupação para as mulheres que não tiveram oportunidades de estudo. Os menores rendimentos estão entre as mulheres sem instrução e sem registro de trabalho (R$545).

Ainda que seja uma média (escondendo os extremos), esse dado escancara a desigualdade de renda no Brasil. O baixo valor que é atribuído ao trabalho doméstico também pode ser notado nas diferenças de rendimentos entre as mulheres com nível superior completo, que receberam 167,1% da média do Brasil (ou seja, 67,1% acima da renda média da população), e as domésticas com superior completo, cujos rendimentos representam 61,4% do total, ou seja, 38,6% a menos do que a média brasileira. Essa informação desconstrói o argumento de que a maior qualificação das mulheres seria o suficiente para conquistar melhores rendimentos. Isso não se mostra verdadeiro se o trabalho doméstico remunerado (ou outras formas precárias de ocupação) constituírem as únicas opções para a obtenção dos seus rendimentos.

A despeito dos baixos rendimentos, tanto em termos absolutos quanto de forma relativa a outras ocupações, 84,7% das empregadas domésticas registradas trabalharam mais do que 40 horas semanais, mais do que o total das pessoas ocupadas no Brasil (74,4%) e do que as outras mulheres ocupadas (65,8%). Entre as que não são registradas este número cai, muito provavelmente por se enquadrar na categoria de “subocupação por insuficiência de horas trabalhadas”, que são mulheres disponíveis para trabalhar mais tempo, mas que não encontram oportunidades. Esta proporção de mulheres que trabalharam mais de 40 horas semanais é de 34,8% entre as informais.

Quase metade das trabalhadoras domésticas no Brasil estavam situadas na região sudeste (46,1% do total), percentual semelhante ao total de mulheres ocupadas no Brasil (46,2%) e um pouco maior do que o total das pessoas ocupadas no país (45,1%). Se comparada com a participação do total das pessoas ocupadas nas regiões Nordeste e Centro-Oeste (22,6% e 8,4%), a participação das empregadas domésticas no total é maior (23,5% e 9,7%, respectivamente). Ou seja, há relativamente mais empregadas domésticas na estrutura ocupacional do Nordeste e Centro-Oeste do que nas regiões Sudeste, Sul e Norte.

Mais uma vez, o registro de trabalho faz muita diferença na determinação dos rendimentos dessas trabalhadoras. Nas regiões em que a participação das domésticas com carteira assinada é maior, o rendimento médio total se aproxima do valor do salário mínimo (R$1.043 no Sudeste, R$1.068 no Sul e R$ 992 no Nordeste) e nas duas regiões em que o percentual de domésticas sem carteira é mais alto, os rendimentos médios se mostram muito baixos (R$ 667 no Norte e R$597 no Nordeste). Os rendimentos se mostram ainda menores se observados apenas entre as domésticas sem carteira nessas regiões (no Norte, essas mulheres receberam R$588; na região Nordeste, ainda pior, o valor é de R$495).

Quando se analisa a idade das trabalhadoras domésticas no Brasil, foi constatado o envelhecimento da categoria em relação a outras profissionais. A participação das faixas etárias de mais idade foi maior do que a do total das mulheres ocupadas e que a do total de pessoas ocupadas no país. Por exemplo, enquanto as pessoas com até 38 anos representavam 47,6% do total dos ocupados no Brasil, essa participação era de 47,7% para o total de mulheres ocupadas e de apenas 30,8% para as empregadas domésticas. Ou seja, as trabalhadoras domésticas são relativamente mais velhas do que as mulheres em outras formas de ocupação. Esse “envelhecimento” relativo da categoria das domésticas pode estar atrelado aos avanços das políticas educacionais dos anos 2000 de apoio à entrada da população de baixa renda nas universidades e aos maiores rendimentos e direitos conquistados pelas empregadas domésticas que permitiram que suas filhas pudessem ocupar outras vagas de trabalho.

Os maiores rendimentos médios no total das pessoas ocupadas do Brasil e no total das mulheres ocupadas de pessoas se encontram em profissionais acima de 68 anos, mostrando que a experiência acumulada é bem avaliada pelo mercado de trabalho. No entanto, os rendimentos das domésticas nessa mesma faixa de idade são menores do que em outras faixas etárias.

Este recorte de análise do PNAD/IBGE do primeiro trimestre de 2020 relacionado às empregadas domésticas foi realizado pela primeira vez pelo Núcleo de Pesquisas de Economia e Gênero a pedido de estudantes do coletivo feminista da Facamp.

Pesquisadoras responsáveis pelo estudo:

Daniela Salomão Gorayeb: graduada em Ciências Econômicas pela Unicamp (1998), mestrado (2002) e doutorado em Economia pela Unicamp (2017). Atualmente é professora e pesquisadora da Faculdades de Campinas (FACAMP), pesquisadora do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, atuando principalmente nos seguintes temas: Economia Industrial, Economia do Trabalho e Economia Feminista.

Georgia Christ Sarris: graduada em Ciências Sociais pela USP (2000) e mestrado em Sociologia pela USP (2005). Atualmente é professora nas Faculdades de Campinas (Facamp). Tem experiência nas áreas de Sociologia e Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, dominação social, subjetividade e gênero.

Juliana de Paula Filleti – graduada em Ciências Econômicas pela Unicamp (2003), mestrado em Estatística (2006) e doutorado em Ciência Econômica pela Unicamp (2010). Atualmente é professora da Faculdades de Campinas (Facamp) e Diretora Financeira da FACILE Soluções Inteligentes. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Métodos Quantitativos em Economia.

Maria Fernanda Godoy Cardoso de Melo – graduada em Ciências Econômicas pela Unicamp (1996), mestrado em Economia Social e do Trabalho (1998) e doutorado em Desenvolvimento Econômico na área de Economia Social e do Trabalho pela Unicamp (2017). É professora das Faculdades de Campinas (Facamp) desde 2002 e tem experiência na área de Economia especialmente em: financiamento de políticas sociais, de políticas de saúde, Economia do Bem-Estar Social e avaliação de políticas públicas.

Acesso aqui o estudo completo

Mulheres no Mercado de Trabalho é uma publicação trimestral do NPEGen –Núcleo de Pesquisas de Economia e Gênero da FACAMP, que repercute os resultados dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE. A FACAMP é uma faculdade privada fundada há 20 anos por João Manuel Cardoso de Mello, Liana Aureliano, Luiz Gonzaga de Melo Belluzzo e Eduardo Rocha Azevedo.
NÚCLEO DE PESQUISA DE ECONOMIA E GÊNERO DA FACAMP