Com informações de Ludmilla Ferrer, da Página 12

3J “Ni Una Menos” 2015 | Foto: Facción Buenos Aires

Hoje, às 17 horas da Argentina, a marcha #NiUnaMenos será realizada pelo quinto ano consecutivo, indo do Congresso Argentino à tradicional Praça de Maio. Desta vez, acontece à luz do relatório sobre o assassinato de mulheres por conta de seu gênero, publicado pela La Casa del Encuentro.

As notícias não são boas: nos últimos onze anos, houve uma mulher foi morta a cada 32 horas na Argentina. E se era por falta de confirmação, logo após a apresentação do relatório, mais dois casos de feminicídio foram registrados na província de Córdoba.

De acordo com a pesquisa realizada, entre 2008 e 2019 foram registrados 2952 feminicídios, de mulheres e meninas. Ada Rico, presidente da Casa del Encuentro, disse que o relatório é baseado em um estudo das notícias publicadas entre 2008 e 2019. “O que estamos pedindo são estatísticas oficiais unificadas, e não três dados diferentes, como acontece agora. Se você tem três estatísticas, sendo que duas delas foram apresentadas este ano e são diferentes entre si, de que maneira você vai trabalhar em políticas públicas?” ela questionou.

Segundo o relatório, 66% das vítimas são mulheres entre 19 e 50 anos. Enquanto a maioria dos assassinos têm entre 31 e 50 anos de idade. Mais de 62% dos feminicidas eram cônjuges, parceiros ou namorados das vítimas no momento em que cometeram o crime ou tinham sido anteriormente. A pesquisa da também levou em conta os “feminicídios ligados”, isto é, “aquelas pessoas que foram mortas porque tentaram impedir a agressão e permaneceram na linha de fogo, ou porque eram parentes da vítima, como filhos ou filhas”. “Esse feminicídio não existiria se a intenção do agressor não fosse destruir psiquicamente a mulher”, disse Rico.

Dentro do país argentino, a província de Salta tem a maior taxa de femicídios (13,78%), seguida por Santiago del Estero (13,30%) e Jujuy (11%); enquanto a menor incidência é registrada na cidade de Buenos Aires, com 4,36% desses crimes por 100 mil habitantes.

Marcha 3J – Ni Una Menos 2018 | Foto: Emergentes

Em relação às modalidades do crime, o relatório mostrou que 788 vítimas foram baleadas; 696 esfaqueados e 458 espancados. A pesquisa também levou em conta as mortes por abortos clandestinos. “Nós os consideramos feminicídios estatais porque é evidente a ausência do Estado nesta questão”, denunciou o presidente da ONG que alegou a necessidade de sancionar a lei da interrupção voluntária da gravidez. “No relatório há apenas 4 casos, mas porque só no ano passado começamos a falar sobre as mortes por abortos clandestinos”, acrescentou.

Além disso, Rico apontou também a falta de informação sobre transvesticídios. Segundo a pesquisa, nos últimos 11 anos, apenas 33 mortes de trans e travestis foram noticiadas pela imprensa. “Não são só 33, a questão é que eles só começaram a publicar depois que a lei de identidade de gênero foi sancionada”.

No resto da América Latina o cenário não é melhor – nosso continente é, segundo relatório da ONU, o local mais perigoso do mundo para as mulheres, fora de uma zona de guerra.

O Brasil, por exemplo, concentrou 40% dos feminicídios da América Latina em 2017. Em termos absolutos, nosso país lidera a lista, mas no comparativo, El Salvador está no topo, apresentando uma taxa de 10,2 ocorrências a cada 100 mil mulheres.

Em seguida temos Honduras (5,8), Guatemala (2,6) e República Dominicana (2,2) e, nas últimas posições, Panamá (0,9), Venezuela (0,8) – também com uma base de 2016, e Peru (0,7). Colômbia (0,6) e Chile (0,5) também apresentam índices baixos, mas apenas contabilizam os feminicídios íntimos, aqueles que executados por parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

Marcha 3J – Ni Una Menos 2018 | Foto: Emergentes

Data histórica

Na prática, o que essa marcha significa para as mulheres argentinas? Conversamos com Marta Dillon, uma das fundadoras do movimento Ni una Menos. Confira alguns trechos da sua declaração:

Mais do que um aniversário, para nós, é a instalação de uma nova data no calendário feminista, é a quinta vez que saímos com o slogan NI UNA MENOS, que tem a ver com a violência sexista, feminicídios e transvesticídios, mas narrando a violência sexista em toda a sua complexidade.

Instalar essa data é em si uma cumulativa para o movimento feminista porque encontramos uma maneira de narrar e fazer frente contra a violência de gênero que já passou fronteiras e tornou-se um movimento transnacional no nosso país.

A partir deste espaço, sob esse mesmo lema, desenvolvemos juntes as Paralisações Internacionais Feministas e duas Paralisações Nacionais que fizemos na Argentina sobre o feminicídio de Lucia Perez, concentrando grande parte dos sentidos que colocamos na rua. Dizemos que as violências masculinas não são apenas as físicas ou sexuais, mas sim as de viés econômico, político e social e, como estamos agora em tempos de campanha eleitoral, também significa que o patriarcado reorganiza o jogo a seu gosto e deixa as feministas fora. A urgência de sair para as ruas é resultado do sufoco econômico que se traduz em violência sexista dentro de nossas casas devido à impossibilidade de decidir sobre nossos corpos.

Ao fim, Marta completa: marchamos porque queremos que o aborto seja legal em nossos territórios, porque queremos que parem de nos matar, porque queremos as mulheres de nosso países livres e não só guerreiras, toda América Latina marchará no fim de tarde de hoje junto do Ni Una Menos.