Segundo estudo publicado na revista Nature, a Amazônia já emite mais CO2 do que absorve (Vinícius Mendonça/Ibama)

 

Por Rita Pelicano, para a Cobertura NINJA na COP26

Em 2018, o professor Stephen Pyne, propôs alterar o nome da era atual de Antropoceno para Piroceno, devido ao grande “poder de fogo” que a nossa espécie possui, principalmente em nível industrial. Segundo Pyne, o poder de fogo é a assinatura ecológica da humanidade. Somado ao fogo industrial, temos ainda as queimadas em ecossistemas vivos, onde o fogo é ateado por humanos, muitas vezes de forma criminosa.

Além das emissões que todo este fogo gera, há ainda a redução dos sistemas que poderiam estocar o dióxido de carbono e outros gases de efeito de estufa, como as nossas florestas. Um estudo, liderado pela pesquisadora Luciana Gatti, publicado na revista Nature, revela que a Amazônia já emite mais CO2 do que absorve.

Ecossistemas que não são adaptados a resistir ao fogo de forma natural são os mais vulneráveis ao fenômeno, como pudemos ver em 2020 no Pantanal, quando o fogo “fugiu” de queimadas e se alastrou ao longo do bioma sem controle, em uma das maiores secas já registradas. E isso ocorre frequentemente também na Amazônia, como aponta  o ambientalista, geógrafo e diretor da WCS Brasil Carlos Durigan, em entrevista à Mídia Ninja.

É importante salientar que a relação entre o desmatamento, que vem aumentando, e o fogo, é muito próxima, uma vez que geralmente após o desmatamento a área é queimada. Este trio, desmatamento, fogo e alterações climáticas, tem mostrado que estas práticas estão se tornando cada vez mais perigosas.

Carlos Durigan ressalta que o Brasil, que é o 4º maior emissor de gases de efeito de estufa, sendo a maior parte é desmatamento e vê com descrença promessas de zerá-lo até 2030, proposta que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite deve confirmar na Conferência Mundial sobre o Clima. 

“Acho que dificilmente o brasil vai se adequar às metas de redução de emissões, porque apesar de ter uma matriz energética mais limpa, comparado a outros países, o agronegócio está se expandindo. Então a tendência é que o Brasil não tenha uma meta muito ambiciosa, ainda mais com um uma gestão pública que não age na contenção do desmatamento e ainda o incentiva”.

Confira a entrevista:

As queimadas sempre existiram na Amazônia e no Pantanal? Por que elas têm aumentado com o passar dos anos?

O fogo está presente na natureza desde sempre, mas o fogo induzido de forma antrópica é diferente. 

O fogo é a forma mais prática e barata de se abrir uma área para a agricultura e seu uso é parte do ciclo produtivo da coivara, técnica usada por milhares de anos por povos indígenas e tradicionais, para plantio de diversas culturas na Amazônia. O uso do fogo também é usado nas atividades agropecuárias extensivas, principalmente nos últimos anos, sendo a pecuária a mais preocupante na região, pelo seu crescimento acelerado.

Também é usado para abertura das áreas para pasto e existe uma tradição de que é preciso renovar o pasto todo o ano, então é feito o corte e ateado fogo. Assim, o fogo tem se expandido de uma forma muito rápida e por extensas áreas.

Isso gera um grave problema que é o aumento das emissões, principalmente de carbono. 

Além disso os ambientes alterados, são agora ambientes degradados, que já não são floresta e essas áreas transformadas em pastagem ou plantio absorvem menos carbono do que antes absorviam.

Tem acontecido tanto na Amazônia como no Pantanal. 

Tradicionalmente no Pantanal é feita pecuária extensiva, com o gado ocupando áreas de pastagens nativas em grandes áreas. Este modelo é antigo, mas a expansão da atividade nas últimas décadas tem agravado os impactos causados pela mesma.

A plantação de gramíneas exóticas para alimentação do gado, somada à expansão da agricultura nas regiões do entorno do Pantanal tem causado o assoreamento de muitos rios e isto por sua vez tem influenciado a dinâmica de alagamento da planície pantaneira, e ainda considerando a redução de chuvas em anos recentes, forma-se um cenário mais propício às queimadas.

Quão vulneráveis ao fogo são estes dois biomas quando comparados a outros?

Tanto a Amazônia como o Pantanal possuem grande parte de suas áreas constituídas por ambientes sob grande influência de chuvas e alagamentos. São diversas formações vegetais com grande diversidade de plantas e em sua maioria pouco resistentes a incêndios. No Bioma Cerrado, existem espécies de plantas adaptadas que resistem ao fogo e conseguem se regenerar após uma queimada, o que não acontece com florestas na Amazônia e mesmo em regiões do Pantanal onde uma vez queimadas, dificilmente se regeneram.

Qual a relação entre a devastação destes biomas e as alterações climáticas?

O cenário que temos atualmente pode resumir-se da seguinte forma: expansão de agricultura e pecuária extensiva, que está ocupando áreas maiores, e consequentemente trazendo muita degradação e perda de floresta.

Além de estarmos a perder floresta, nessas regiões que têm mais queimadas, é mais comum o fogo que “foge” e entra na floresta, por isso, mesmo as áreas que não estão sendo usadas diretamente pela agropecuária estão sendo degradadas. 

Esta alta frequência de queimadas gera uma floresta empobrecida e ela não está cumprindo tão bem o papel nesse balanço de absorção e emissão. Emite mais do que absorve.

Com o aumento da temperatura global e ao mesmo tempo que temos aumento das emissões e redução da sua absorção, os períodos de seca também aumentam o que faz com que queime mais, são ciclos que se retroalimentam.

Existem alternativas ao uso do fogo?

Há décadas tem gente se debruçando em alternativas ao uso do fogo na Amazônia e acho que devemos insistir para que atividades agropecuárias não promovam mais queimadas, principalmente se considerarmos as atividades extensivas. 

Já a agricultura praticada por povos indígenas e comunidades tradicionais, que evoluiu ao longo de gerações, não é a meu ver um problema, pois são áreas relativamente pequenas e com um bom manejo durante a queima, dificilmente o fogo se alastra para áreas de floresta. Assim, o mais importante nestes casos, é que haja o manejo do fogo e das atividades de queima para que não ocorram incêndios florestais acidentais em períodos de extremos de seca, como temos vivenciado nos últimos anos.

Quais as perspectivas futuras para o Brasil em relação às metas de redução de emissões?

Uma coisa que chama a atenção é que o Brasil, na questão das emissões, possui um desbalanço, quando comparado a outros países, sendo 2/3 das emissões causadas pelo desmatamento de pela agropecuária e em geral, os grandes emissores como a China e EUA têm nos combustíveis fósseis a maior causa das emissões. O Brasil, que é o 4º maior emissor de gases de efeito de estufa, sendo a maior parte é desmatamento e, uma vez que se substitui áreas de vegetação natural por áreas de agricultura, causa esse desbalanço.

Acho que dificilmente o brasil vai se adequar nas metas de redução de emissões, porque apesar de ter uma matriz energética mais limpa, comparado a outros países, o agronegócio está se expandindo. Então a tendência é que o Brasil não tenha uma meta muito ambiciosa e com uma gestão pública que não age na contenção do desmatamento ainda incentiva

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