Participaram do painel, pequenos agricultores da África Ocidental, América Latina e Ásia (Fairtrade Foundation)

 

Paloma Dottori, para a Cobertura Colaborativa NINJA na COP26

Os defensores do Comércio Justo e representantes agrícolas do Sul global marcaram presença em Glasgow, para garantir que a justiça e a equidade permanecessem no foco do debate sobre o clima e para que  agricultores e agricultoras não fossem deixados para trás nos planos de mitigação, compensação e financiamento climático.

Em painel realizado no dia 2 de novembro, a programação da COP26 abriu espaço para que camponeses da África Ocidental, América Latina e Ásia, relatassem os desafios da agricultura imposto pelas mudanças climáticas em suas regiões, pois as enfrentam diariamente.

Prevê-se que a mudança climática afetará severamente a produção agrícola no futuro, o que poderia impactar negativamente a produção de produtos primários em todo o mundo O painel também trouxe as principais soluções que eles acreditam que pode dar suporte à elaboração de políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Presidente da Fairtrade Africa, Mary Kinyua, lembrou que as emissões antropogênicas de Gases do Efeito Estufa (GEE) são a principal causa do aumento da temperatura na terra, sendo que o setor da agricultura é considerado um dos mais vulneráveis aos impactos de possíveis mudanças climáticas (FAO), pois seu funcionamento está diretamente vinculado às condições climáticas. 

Devemos lembrar que a agricultura representa uma fonte de alimentos e de matéria prima para todos os países e que os agricultores (as) são os guardiões do suprimento global de alimentos, garantindo que toda população seja alimentada, principalmente, os centros urbanos. 

Consumo

As cidades atualmente já consomem mais da metade da energia primária mundial com a consequente emissão de gases do efeito estufa, o que contribui para o agravamento do aquecimento global. Hoje, mais da metade da população mundial (3,6 bilhões) vive em cidades.

Em 2050, estima-se que a população urbana saltará de 5,6 para 7,1 bilhões, ou 64% para 69% da população mundial. Em termos globais, só a produção dos materiais primários necessários para suportar esse crescimento urbano resultará, até meados do século, na metade das emissões permitidas de carbono, ou seja, cerca de 10 bilhões de toneladas, caso se pretenda atender a meta de limite máximo de aumento de temperatura média do planeta de 2°C em 2100. 

Crise ameaça subsistência de agricultores

A intensificação dos impactos da emergência climática está, de fato, representando um risco maior para a produção agrícola global, ao mesmo tempo que ameaça diretamente os meios de subsistência de milhões de agricultores e trabalhadores agrícolas do Comércio Justo em todo o mundo. Segundo o Sebrae, o Comércio Justo (Fair Trade) contribui para o desenvolvimento sustentável ao proporcionar melhores condições de troca e a garantia dos direitos para produtores e trabalhadores marginalizados. É uma alternativa concreta e viável frente ao sistema tradicional de comércio.

Mary Kinyua relatou ao público que assistia a transmissão, que há um contexto devastador.

“Não sabemos se haverá chuva. A probabilidade de uma família – que dependente da fonte de renda advinda da agricultura, passar fome – será alta”.

Agora, vocês imaginem um futuro sem sua comida favorita. As mudanças climáticas estão tornando esse cenário sombrio uma possibilidade real. Bananas. Café. Cacau. Chá. Cana de açúcar. Todos esses produtos que nós consumidores consideramos ser algo essencial para nosso dia-a-dia estão sob ameaça direta, já que padrões climáticos estão se modificando, devido às mudanças climáticas que são imprevisíveis e podem acabar com safras inteiras, como foi dito por Benjamin Franklin Kouamé, produtor de cacau e membro do Comércio Justo na África:  

“Eu venho de uma Vila numa área chamada de Yamasucro na Costa do Marfim e venho desta vila para Glasgow para finalmente poder dizer: os produtores rurais estão aqui e estamos aqui para falar a partir de nossos corações. E, quero dizer que há uma emergência climática”.   

Ele contou que, junto a outros 1.8 milhões de produtores rurais, assinou uma petição endereçada aos líderes na COP26.

“Para contar-lhes que há uma urgência. Uma urgência para uma população de produtores rurais que decidiu alimentar todos no mundo, mas, que também optaram por este trabalho pois se sentem realizados com seu ofício. Há de fato uma urgência e nós precisamos atuar agora! A um tempos nós notamos que a chuva, que é a base de todas nossas atividades da agricultura, não vem. A gente não vê mais a chuva e o calor é intenso… e quando a chuva chega é para destruir tudo que nos plantamos.  E quando o sol vem é para secar tudo. O que está ocorrendo é um desequilíbrio. É um grito vindo do coração, como nós conseguiremos sobreviver? Quais são as soluções? ” 

Disse ainda que sua maior preocupação é com as mulheres. “Aquelas que nos deram a vida, mas também aquelas mulheres que escolheram nos dar humanidade. Pois, são elas que escolheram produzir e parir o mundo. Para toda a esperança e todos os esforços que todos nós temos, tudo desaparece no fim da temporada – tudo por causa da mudança climática. Eu estou pensando nelas e estou contando com vocês para atuar agora, precisamos fazer algo agora, neste momento!”.   

O discurso despertou comoção. “Para o resto do mundo, para as mulheres, e para mim: nós temos que lembrar a todos o que está ocorrendo… mais infelizmente, não temos nada para dar em troca. Não podemos criar as condições para que os agricultores desapareçam desta terra. Estou pensando nos jovens de amanhã”.

Lembrou de quando era jovem também. Foi para a escola, mas acabou se dedicando à agricultura em família. “Mas se permanecermos dentro deste contexto de mudança climática – a cadeia de valor será quebrada. Isso porque os jovens não veem a agricultura como uma boa forma de viver. E aí, você vai encontrá-los onde não deveriam estar (como no crime)”, lamentou. .  

Financiamento

Mesmo com perspectivas que geram tanta ansiedade e temor, para ele, é preciso ter esperança. 

“Sei que nós temos o conhecimento para produzir e temos boas práticas graças ao comércio justo, mas com a mudança climática precisamos ser resilientes e precisamos de financiamento para implementar medidas de adaptação às mudanças climáticas em nossas comunidades”, disse.  

Situações adversas

Segundo as conclusões de um estudo encomendado pela associação de Comércio Justo: os produtores de banana no Caribe e na América Central, por exemplo, deverão enfrentar menos chuvas e temperaturas mais extremas, enquanto os do Sudeste Asiático e da Oceania terão um risco maior de ciclones tropicais. Os cafeicultores do Brasil, América Central e sul da Índia em breve poderão enfrentar picos de temperatura combinados com secas, impactando diretamente a produção de café. Enquanto isso, na República Dominicana e no Peru, bem como em partes da África Ocidental, os produtores de cacau provavelmente enfrentarão mais períodos de clima quente e seco, enquanto seus colegas no leste de Gana e no norte da Costa do Marfim podem enfrentar chuvas mais fortes.

E, à medida que os agricultores e trabalhadores agrícolas veem suas safras dizimadas pela mudança climática, sua capacidade de sustentar a si próprios, suas famílias e suas comunidades também diminuem.

Segundo Muniraju Shivanna, produtor de açúcar e parte do Fairtrade Network of Asia & Pacific Producers, a região do Sul e Sudeste da Ásia é ocupada por pequenos e médios agricultores que têm em suas safras: café, chá, açúcar, temperos, algodão, arroz e frutas.

Ele diz que são quase 32 milhões de produtores rurais, sendo estes 12% são mulheres e 80% são homens, sendo que mais de 80% fazem parte da organização de comércio justo. Eles são de pequenos e médios agricultores rurais e suas comunidades são totalmente dependentes do rendimento agrícola para sua sobrevivência. E, isto inclui tentar dar o melhor para a educação de seus filhos, gastos de saúde e comida e outros gastos no cotidiano. Eles integram comunidades mais vulneráveis no mundo.

Chuva ácida

Os principais problemas para eles são: o aumento de temperatura, aumento no nível do mar, inundações, escassez de água e alimentos e acidificação da água, que reduz as safras. Na Índia, eles viram cair chuvas ácidas que destroem e danificam o cultivo dos alimentos. No final do dia, isto afeta a qualidade e o rendimento da produção. Consequentemente resultando na queda nas vendas e também na diminuição da renda do produtor rural.

Em outros casos a situação de estiagem leva à diminuição da produtividade devido à indisponibilidade de água. Com a mudança climática, eles têm que combater surtos de pragas e doenças. Isto leva à diminuição da qualidade e da quantidade de produção, principalmente, para agricultoras mulheres.

As associações de comércio justo estão tentando antecipar as mudanças climáticas até um certo ponto. Eles estão tentando encontrar os melhores métodos de mitigação, e nós os adotamos. Eles estão usando um conceito chamado “  projeto de intensificação sustentável “- financiado pela Suíça, onde os produtores rurais, que sofrem continuamente com a perda de sementes possam crescer suas sementes em uma rede de sombra por 45 dias. Este é um projeto que ajudará os agricultores a reduzir em quase 90% a necessidade de sementes no uso intensivo das terras e requer menos água inicialmente, portanto, a irrigação não será necessária. Isto significa que não haverá necessidade do uso de pesticidas e nutrientes artificiais, além de diminuir o custo do trabalho. Apesar de ser um pequeno projeto, já ajudou um grupo limitado de 100 beneficiários. 

Ele diz que a queima de restos da produção das colheitas, bem como a queimada do solo ajuda também na emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), e através da ação e intervenção de organizações  e da network do Comércio Justo, eles conseguem demonstrar para os produtores rurais , com uma serie de programas de treinamento, que as queimadas não estão beneficiando ninguém. Eles acreditam que se o lixo orgânico for depositado de forma correta no chão – isto poderá ajudar a fertilizar o solo. E eles já encontraram resultados como ações como esta, pois houve uma diminuição das queimadas pelos produtores rurais.

Já Andres Gonzales, da Rede Latino-americana e Caribenha de Produtores e Trabalhadores do Comércio Justo traz seus testemunho em relação a mudança climática na região das Américas, além de pragas e doenças descontroladas que destroem as safras. 

O painel alerta para que seja de conhecimento geral e que todos reconheçam que milhões de agricultores podem correr o risco de um colapso das suas safras, gerando uma falência financeira por parte dos agricultores.

Os depoimentos compartilhados pelos agricultores do comércio justo são extremamente alarmantes e demonstram a necessidade de uma ação climática imediata e urgente. Medidas de adaptação e resiliência são essenciais para evitar a queda das receitas, além da perda da produtividade e dos meios de subsistência de bilhões de pessoas, como agricultores e trabalhadores agrícolas do nosso planeta, justamente estes que encontram-se na linha de frente desta emergência climática.

Desabastecimento de produtos primários

Não devemos esquecer, que existe uma ameaça real do desabastecimento de produtos primários. De acordo com o painel, as mudanças climáticas já podem ser sentidas na produção agrícola em regiões importantes do mundo, da América Latina à Ásia.

Na América do Sul e na América Central, por exemplo, devemos enfrentar menos chuvas e temperaturas mais quentes combinados com secas, enquanto os agricultores da Índia terão um risco maior de ciclones tropicais. Por sua vez, produtores na África enfrentam períodos de clima quente e seco, enquanto, quando a chuva vem – enfrentam chuvas mais fortes que destroem todas suas plantações.

Embora os impactos variem de acordo com o local, devemos concluir que o aumento de temperatura, tornará a produção agrícola muito difícil ou impossível no futuro próximo. Porém, há esperança, este ano de COP 26 , poderá trazer a oportunidade necessária para uma resposta a emergência climática. Como os agricultores mesmo falaram, eles possuem as soluções e conhecimento para solucionar e criar medidas de adaptação necessárias para reconstruir de forma mais justa, um futuro que seja verde e sustentável.

A comunidade internacional deve se unir aos agricultores e se empenhar para o enfrentamento da ação climática. Os governos e as empresas devem tomar medidas mais eficientes e mais rápidas para reduzir as emissões, incluindo aquelas associadas às cadeias de suprimentos agrícolas, através da promoção de investimentos para uma economia voltada para o baixo carbono e diminuindo suas pegadas de carbono. Isto pode ser feito através de políticas governamentais que incentivem (e, quando necessário, obrigue) as empresas a agirem para reduzir as emissões de carbono.

Para apoiar agricultores e trabalhadores agrícolas é necessário que haja investimento para financiar os custos envolvidos na busca de formas mais sustentáveis ​​de agricultura por meio de preços e investimentos justos para produtores agrícolas em países em desenvolvimento. Os países devem mostrar liderança climática e iniciativa para apoiar a inovação e o investimento em soluções de adaptação às mudanças climáticas por meio de abordagens específicas ao contexto, que vão desde sistemas agroflorestais e melhor gestão de árvores de sombra até a diversificação de culturas de plantio.

De modo geral, isto deve ser feito através do apoio à adaptação ao clima e medidas de resiliência para garantir que os meios de subsistência dos agricultores sejam protegidos e o meio ambiente seja preservado.

 

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