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Por Mauro Utida para Mídia NINJA

Sara Rodrigues é mulher periférica de 24 anos, mãe de criança de cinco e gestante, trabalhadora com carteira assinada, ativista dos direitos humanos e militante de movimentos sociais. Além disso, é ré primária, ou seja, nunca cometeu nenhum crime ou violação de direito, mesmo assim está presa pelo crime de tráfico de drogas, decisão que está sendo contestada.

A mobilização social de coletivos e organizações da sociedade civil de Pernambuco pedem liberdade para Sara Rodrigues, uma ativista de 24 anos, mãe de uma criança de cinco anos e grávida de quatro meses. A acusação de tráfico de drogas e prisão tem sido questionada por um coletivo de advogados que se uniram em sua defesa. Sara não tem antecedentes criminais, trabalha com carteira assinada e tem residência fixa. Mesmo com todo este contexto e o agravamento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) não foram suficientes para ela responder em liberdade.

No abaixo-assinado contra sua prisão, coletivos, movimentos e ativistas dos direitos humanos declaram que a prisão efetuada pela Polícia Militar de Pernambuco foi ilegal e que Sara é acusada de um crime que não cometeu. A carta de defesa reivindica a liberdade imediata da ativista que está presa na Colônia Penal Feminina do Recife, desde o último dia 16. O documento é composto por 214 organizações de todo Brasil e já coletou mais de 5 mil assinaturas, através do link.

Além de mãe, Sara é ativista dos direitos humanos, participante de vários projetos sociais de luta por direitos, militante dos movimentos sociais Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas e Coletivo de Mães Feministas Ranúsia Alves. No contexto da acusação, ela é ré primária, ou seja, nunca cometeu nenhum crime ou violação de direito.

Mesmo assim, a prisão preventiva foi decretada pela juíza Blanche Maymone Pontes Matos, no último dia 17, após audiência de custódia realizada de forma remota, sem a presença dos acusados e defensores, que foram claramente prejudicados. No presídio feminino, para onde Sara foi encaminhada, os primeiros casos de Covid-19 foram confirmados em abril. “Isso significa que a Justiça decidiu pelo encarceramento de uma jovem, mãe e gestante, portanto grupo de risco, em meio à maior crise sanitária recente do país”, escreveu a jornalista Raíssa Ebrahim para o site Marco Zero

O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já alertou para um crescimento de 800% de casos do novo coronavírus, entre maio e junho, no sistema prisional brasileiro, levando a uma renovação das recomendações para que magistrados e magistradas considerem a soltura de pessoas privadas de liberdade durante a pandemia do novo coronavírus.

“Tal prisão se deu contrariando expressivamente o que está previsto no Código de Processo Penal brasileiro, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista que não haviam motivos concretos que justificassem a decretação da prisão preventiva de Sara, mãe de uma criança, gestante, trabalhadora formal, com vínculo empregatício comprovado, com residência fixa e sem antecedentes criminais, não apresentando risco algum para a sociedade ou para o processo”, informa a defesa.

No último dia 19, o Tribunal de Justiça de Pernambuco indeferiu o Habeas Corpus da defesa de Sara e manteve a acusação.

Crime contestado

A ação da PM aconteceu na noite do último dia 16, no bairro Água Fria, na zona norte de Recife, onde Sara mora com seu companheiro, Victor Gabriel. A PM alega ter encontrado drogas na residência – crack, cocaína e maconha, além de materiais para comercialização das drogas. A defesa contesta que as drogas foram forjadas pelos policiais que participaram da ação, prática recorrente nas periferias contra jovens pobres e negros.

A Polícia Militar de Pernambuco,declara que os policiais militares do 13º BPM abordaram a amiga de Sara em frente a residência e na mochila dela foram encontrados drogas. Os policiais entraram na residência, sem mandato e autorização, e conduziu os três suspeitos para a delegacia, onde foram presos em flagrante por tráfico de drogas e associação para o tráfico. Sara e Victor permanecem presos. 

“É importante ressaltar que, em meio à pandemia da Covid-19, Sara estava em reunião de ação e planejamento para a distribuição de cestas básicas e kits de limpeza em sua comunidade, trabalho este que se torna essencial diante da ausência e da negligência do Estado com as populações negras e periféricas. Infelizmente, o mesmo Estado que precisa de Sara e de iniciativas como a dela é o que viola seu direito à liberdade e a vida, assim como o direito de sua filha de cinco anos de estar perto da mãe em seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e social”, informa o abaixo-assinado.

Legislação

O coletivo de advogados que atuam em defesa de Sara defendem que a prisão dela é arbitrária. Além de ser mãe de uma criança, gestante, trabalhadora formal, com vínculo empregatício comprovado, com residência fixa, réu primária e não apresentar risco para a sociedade ou para o processo, a prisão também contraria o que está previsto no Código de Processo Penal brasileiro, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

A Lei da Primeira Infância determina que devem ser colocadas em liberdade provisória ou em prisão domiciliar as gestantes, lactantes ou mães de criança com deficiência ou até 12 anos que não respondam por crime violento ou praticado sob forte ameaça. Em 2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder prisão domiciliar a todas as detentas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos.

Além disso, o Art. 318-A do Código de Processo Penal diz que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, caso a mulher não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça nem contra seu filho ou dependente.

No contexto da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma recomendação, no dia 17 de março, que magistrados considerem a soltura de presos, substituindo penas, por conta do auto contágio da pandemia. A medida incentiva os juízes a reverem caso a caso a prisão de pessoas inseridas em grupos de risco e em final de pena, que não tenham cometido crimes violentos ou com grave ameaça, como latrocínio, homicídio e estupro.

Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima que 30 mil apenados foram colocados em prisão domiciliar após a edição da recomendação 062/2020 do CNJ. Destaca-se que os dados recebidos por esse órgão não fazem qualquer menção à identificação dos presos e sim ao número de mandados judiciais expedidos em virtude da crise ocasionada pelo Covid-19 no Brasil.

A própria Organização Mundial de Saúde já recomendou que os governos busquem alternativas à prisão, visto que lugares fechados e aglomerações facilitam a transmissão do vírus

Presídio feminino

A situação das mulheres presas durante a pandemia do Covid-19 preocupa. A Pastoral Carcerária prepara uma pesquisa, que será publicada em breve, sobre a questão da mulher presa. O questionário online já teve centenas de respostas, que apontam para uma preocupante quantidade de mulheres que se enquadram no grupo de risco da Covid-19 e que poderiam ter sido liberadas. 

Segundo dados do CNJ, os presídios femininos têm uma população de 45.750 mulheres, o que representa 6% da população total do sistema carcerário brasileiro. Dados do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes do CNJ apontam 115 grávidas e 84 lactantes.

No levantamento da Pastoral Carcerária, 34% das respostas afirmam que há mulheres gestantes presas; 20,8% que há crianças presas com suas mães; 41,6% que há mulheres idosas presas, e 51% que há mulheres presas com doenças graves.

Drama carcerário

Conforme dados do Depen (Departamento Penitenciário Federal), até o dia 23 de junho, foram confirmados 3.482 casos de Covid-19, com 875 suspeitos e 56 óbitos registrados no sistema penitenciário do país.

Com uma população carcerária de um total de 760 mil detentos, o Brasil realizou apenas 11 mil testes (1,44%) nos detentos, até o momento, o que representa uma clara subnotificação nos números da doença nos presídios brasileiros.

A superlotação é o principal problema que preocupa a saúde das pessoas privadas de liberdade e atinge presídios de todos os estados, com a falta de mais de 312 mil vagas no sistema prisional brasileiro.