Movimentos cobrarão compromissos agroecológicos dos prefeitos eleitos em 2020
Após a posse dos prefeitos(as) eleitos(as) no pleito de 2020, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) dá início à ação Agroecologia nos Municípios.
Após a posse dos prefeitos (as) eleitos (as) no pleito de 2020, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) dá início à ação Agroecologia nos Municípios – desdobramento da campanha Agroecologia nas Eleições, que mapeou mais de 700 iniciativas municipais de fortalecimento da agroecologia e recebeu apoio de centenas de candidatas e candidatos aos cargos de prefeito (a) e vereador (a).
De acordo com Denis Monteiro, Secretário Executivo da ANA, o objetivo agora é não só cobrar dos novos governos os compromissos assumidos, mas também mostrar o que vem dando certo em diversas cidades Brasil afora. Das 1.240 candidaturas que se comprometeram com a carta do programa agroecológico, que contém 36 propostas de ações municipais, 47 prefeitos (as) assumiram o governo no começo deste mês. Os movimentos sociais e coletivos estão se articulando nos territórios para cobrar dos mandatos a execução de iniciativas em favor da agricultura familiar e a participação das organizações da sociedade civil na elaboração e implementação das políticas públicas locais.
Após 16 anos de vida pública, Edmilson Rodrigues (PSOL) foi empossado na Prefeitura de Belém (PA) assumindo pela terceira vez o cargo executivo. Ele foi prefeito da capital paraense entre os anos de 1997 e 2004, além de ter tido três mandatos como deputado estadual e dois como federal. Durante a campanha, comprometeu-se com a agenda agroecológica e, agora, pretende estimular a cooperação e o trabalho conjunto com organizações que atuam com a agricultura familiar. Segundo ele, a produção e a comercialização de alimentos estão na base do seu programa de retomada da economia no primeiro semestre. Dentre as iniciativas está a criação de um Centro de Agricultura Urbana em articulação com a política ambiental, com vistas a oferecer cursos de capacitação, orientação para crédito, assistência técnica e auxílio ao escoamento da produção.
“Vamos atuar com linhas de crédito através do Fundo Ver-o-Sol para o setor. A agricultura familiar é garantia de alimento saudável e rico em nutrientes, então vamos implementar um cardápio amazônico na merenda escolar com a inclusão de produtos oriundos da agricultura urbana e periurbana, dentre outros. Vamos possibilitar também à população alimentos produzidos próximo do centro de consumo, com características orgânicas, fortalecendo as feiras, especializando espaços através da oferta de produtos diferenciados, que não são vendidos em supermercados. Também queremos abastecer o Projeto Farmácia Nativa com matéria-prima de produtores locais”, afirmou.
Em relação à participação da sociedade nas políticas públicas locais, Edmilson prevê a criação de um Conselho Municipal para Inovação e Arranjos Produtivos Locais (APLs), além de parcerias com órgãos de pesquisa e fomento para o desenvolvimento de projetos de incubação e aceleração de empreendimentos. De acordo com sua assessoria, a participação popular é um dos pilares da boa gestão de uma cidade, estado ou outra unidade federada.
Outra prefeita eleita comprometida com o programa agroecológico é Margarida Salomão (PT), primeira mulher a ser reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em 1998, a exercer um cargo no Legislativo de Juiz de Fora (MG), em 2010, e, agora, no Executivo da cidade mineira. Seu mandato, segundo a assessoria, está comprometido com a construção das agendas da agricultura familiar, agroecologia e segurança alimentar e nutricional sustentável. A prefeita afirma que vai atuar em conjunto com o Polo Agroecológico e de Produção Orgânica da Zona da Mata Mineira, que foi criado em 2018 a partir da Lei estadual 23.207/2018.
“É importante criar condições objetivas para impulsionar a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPO), criada pela Lei estadual 21.146/2014. Temos um arcabouço legislativo que nos possibilita avançar muito. Tornar a cidade sustentável com a contribuição da agricultura urbana, a exemplo de Sete Lagoas, que transformou suas áreas públicas em espaços de produção de alimentos saudáveis. Incentivar essa produção em parceria com a Emater, com os pequenos produtores e através dos circuitos curtos de comercialização, como cestas de consumo e feiras”, afirmou Salomão.
A prefeitura de Juiz de Fora, segundo sua assessoria, tem compromisso público com a agricultura familiar e com a educação, e trabalhará na construção de uma estratégia para fortalecimento da agricultura familiar e melhoria na qualidade da alimentação escolar buscando cumprir os 30% de aquisição de alimentos da agricultura familiar, estabelecidos no PNAE.
Todas as iniciativas agroecológicas, ainda de acordo com a assessoria da prefeitura, estarão atentas à participação das mulheres como protagonistas. O objetivo é não só fomentar a produção e formação para a geração de renda e autonomia, mas também coibir a violência contra elas.
No processo de transição agroecológica, estão sendo pensados programas, ações e políticas de curto, médio e longo prazos para a região. “Com uma articulação formada pelos movimentos sociais, sindicatos, cooperativas, grupos produtivos, de jovens, de mulheres, de estudantes, instituições de ensino, pesquisa e de extensão que atuam na região e no estado de Minas. Nosso compromisso é escrever uma nova história da cidade com a participação de todas (os), em que fomentar renda e recuperação ambiental passa pela agroecologia”, concluiu.
Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)
Para os movimentos sociais, o Pnae é uma das políticas mais importantes para a agricultura familiar a nível municipal pois, além de sua lei prever 30% dos recursos federais para a compra dos seus produtos, ainda garante a segurança alimentar e nutricional, ao estimular o consumo de alimentos saudáveis destinados às crianças e aos adolescentes da rede pública de ensino, gera renda para agricultores e agricultoras do próprio município e proporciona alimentos de qualidade à sociedade.
A população de Belém é composta por 1.381.475 pessoas no perímetro urbano e 11.924 na área rural, segundo o último censo do IBGE. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão responsável pelo repasse das verbas, no ano de 2017, em Belém, foi destinado à agricultura familiar cerca de R$ 2.678,153,96, o que corresponde a quase 40% do valor direcionado ao município via Pnae.
No caso de Juiz de Fora, em 2017, foram destinados para compra da agricultura familiar R$ 367.429,44, o equivalente a apenas 8% dos recursos federais repassados ao município para a alimentação escolar. Aproximadamente 511.973 habitantes viviam na zona urbana e 1,14% (5.879 habitantes) na zona rural, também de acordo com o último censo do IBGE.
Atualmente, Belém tem um contrato vigente, onde realiza a compra no valor mínimo de gêneros alimentícios da agricultura familiar, segundo a assessoria da prefeitura. Até o fechamento da reportagem a prefeitura de Juiz de Fora não informou se segue atualmente ou cumprirá a lei que garante os 30% dos alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar.
Pressão da Sociedade Civil
A Rede ANA Amazônia está dialogando com a assessoria do novo prefeito de Belém e tem grande expectativa em relação ao seu governo, que assinou a Carta Compromisso de apoiar a agroecologia na cidade. Um dos grandes desafios, segundo Vânia Carvalho, que atua na organização FASE Amazônia e Fundo Dema, é fortalecer e valorizar a comercialização dos produtos agroecológicos que têm uma ampla diversidade. Produtos da agricultura familiar, de comunidades agroextrativistas e quilombolas, dentre outras, que ainda têm dificuldades de vender em feiras e acessar o PAA ou o Pnae. Para ela, é preciso ampliar as feiras agroecológicas e consolidar conselhos de alimentação escolar para monitorar e fiscalizar a aplicação do Programa Nacional de Alimentação Escolar no Município.
“Vamos buscar estratégias na rede ANA Amazônia para incidir na prefeitura e nas candidaturas de vereadores/as que também assinaram a carta compromisso. A prefeitura anterior comprava em torno de 30% da agricultura familiar para a alimentação escolar, o que é basicamente no limiar do que é exigido. Nossa expectativa é que esse percentual aumente porque temos uma agricultura familiar muito rica, sobretudo na região metropolitana de Belém, no Baixo Tocantins e nordeste paraense, que pode abastecer a prefeitura e outras instituições.
Sobre a venda direta aos consumidores, atualmente, existe apenas uma feira de produtos orgânicos que acontece duas vezes por semana na capital paraense, que é apoiada pela prefeitura. Existem outras pequenas feiras e espaços de comercialização de produtos agroecológicos vindos diretamente das comunidades camponesas e de agroextrativistas promovidos por organizações da sociedade civil e de grupos de mulheres. Os movimentos reivindicam feiras agroecológicas em bairros mais populares, e visam melhorar a relação com a prefeitura para fortalecer as iniciativas que já existem. Em 2019, eles realizaram um grande banquete público, sem apoio da prefeitura, no Mercado de São Braz, um local histórico que estava abandonado, e têm expectativa de que esse espaço público, assim como outros, possam ser revitalizados para mostrar a diversidade da produção agroecológica à população da cidade. O fortalecimento da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a luta pela implementação do Programa Nacional para Redução de Agrotóxicos (Pronara), além da retomada da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica estão na pauta a ser tratada com a Prefeitura da capital.
“O Fundo Ver o Sol funcionou muito bem em gestões anteriores para pequenas iniciativas na cidade e esperamos um grande reforço nessa nova gestão na cidade de Belém. Muitas comunidades são distantes, muitas delas ribeirinhas, e têm dificuldades de transporte, então tudo isso é infraestrutura básica que, em diálogo com os movimentos, pode ajudar na distribuição da produção. A agricultura familiar é forte na região e há demandas na cidade, tem muita procura por produtos diferenciados, como a maniçoba, o tucupi, frutas regionais e farinhas de mandioca. Nossa capital é uma grande consumidora dos produtos nativos da Amazônia. Vamos trazer o debate da relação campo e cidade, na defesa do meio ambiente, da saúde com alimentação saudável”, destacou Vânia.
No caso de Juiz de Fora, existe a presença de comunidades tradicionais não integradas politicamente aos movimentos sociais que resistem à especulação imobiliária sobre seus territórios. De acordo com Leonardo Carneiro, professor do Departamento de Geociências da UFJF, são esses povos, juntamente com pequenos (as) agricultores (as), os responsáveis pelos saberes e fazeres agroecológicos e que atuam para o desenvolvimento rural sustentável da região. Uma transição agroecológica deve, nesse sentido, sempre levar em conta esses atores sociais que são os guardiões da biodiversidade e dos sistemas agrícolas tradicionais. Existem alguns programas e leis na região que auxiliam esses setores, mas é preciso avançar mais no Pronaf, PAA e Pnae, por exemplo.
“Até hoje, as investidas são muito pequenas. É muito importante que as prefeituras se engajem no cumprimento dessas leis nos seus territórios, inclusive fiscalizando. Esses programas são importantíssimos, geraram aqui na zona da mata mineira e em outros lugares do país uma revolução no modo de vida dos pequenos produtores, em suas associações, cooperativas etc.”, destacou.
A questão quilombola é muito importante nesse contexto, já que cerca de 19 comunidades são reconhecidas pela Fundação Palmares na região. Segundo a Rede dos Saberes Quilombolas da Zona da Mata Mineira (Rede Sapoqui), existem mais de 130 em processo de identificação na região da zona da mata, além dos grupos de agricultores que moram nos grotões, nas serras etc., que estão sofrendo pressão. O poder público pode auxiliar no reconhecimento dessas territorialidades e no fortalecimento da produção de alimentos nessas localidades. É nesse sentido que os movimentos locais vão estabelecer diálogo com a nova prefeitura.
“O problema dos agricultores tradicionais não é produzir, eles têm uma diversidade de saberes e de produção impressionantes. Mas não têm nenhum estímulo ou renda justa e acaba ocorrendo uma migração muito forte, sobretudo dos mais jovens, para as cidades do entorno. Os produtos agrícolas são vendidos a preços muito baixos, porque os circuitos de comercialização são dominados por atravessadores. Há feiras e outros sistemas de vendas diretas, como as cestas agroecológicas, mas é preciso fazer um forte trabalho de articulação com esses grupos”, defendeu o professor.
Durante os próximos meses, a ANA, em parceria com a Mídia NINJA, continuará evidenciando iniciativas agroecológicas que vêm dando certo e podem ser implementadas pelas novas gestões municipais. Nos últimos meses, foram publicadas mais de 20 reportagens e entrevistas com experiências relacionadas a políticas públicas em todo o país.
Edição Viviane Brochardt